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Inicialmente, importante trazer a lume a repercuss\u00e3o decorrente das not\u00edcias veiculadas acerca das intima\u00e7\u00f5es enviadas pela Receita Federal a aproximadamente 30 artistas da TV Globo. Seus contratos teriam sido acertados por meio de pessoa jur\u00eddica ao inv\u00e9s de terem sua carteira de trabalho anotada como qualquer empregado.<\/p>\n
\n O interesse do fisco reside n\u00e3o em proteger esses profissionais de eventual fraude na contrata\u00e7\u00e3o imposta por quem det\u00e9m os meios de produ\u00e7\u00e3o (nesse caso a TV Globo), mas sim cobrar diferen\u00e7as de impostos destas pessoas. Afinal, a cotiza\u00e7\u00e3o do Imposto de Renda de pessoa jur\u00eddica varia de 6% a 15%, enquanto a tributa\u00e7\u00e3o do empregado poder\u00e1 facilmente alcan\u00e7ar 27,5%.<\/p>\n
\n Mas da\u00ed reverberaram questionamentos sobre a legalidade (ou n\u00e3o) da contrata\u00e7\u00e3o feita pela TV Globo diretamente com as empresas \u2013 pessoas jur\u00eddicas ou simplesmente PJs criadas pelos pr\u00f3prios artistas no lugar de um contrato de trabalho regido pela Consolida\u00e7\u00e3o das Leis do Trabalho (CLT).<\/p>\n
\n Seria tal contrata\u00e7\u00e3o ilegal?<\/strong><\/p>\n \n \u00c9 importante destacar, de in\u00edcio, que as rela\u00e7\u00f5es no \u00e2mbito laboral poder\u00e3o existir em v\u00e1rios formatos, inclusive como \u201crela\u00e7\u00e3o de emprego\u201d, sendo esta regida pela CLT, e \u201crela\u00e7\u00e3o de trabalho\u201d, firmada por profissionais aut\u00f4nomos e representantes comerciais, por exemplo.<\/p>\n \n Assim, \u00e9 poss\u00edvel afirmar que toda \u201crela\u00e7\u00e3o de emprego\u201d \u00e9 uma \u201crela\u00e7\u00e3o de trabalho\u201d, mas nem toda \u201crela\u00e7\u00e3o de trabalho\u201d ser\u00e1 uma \u201crela\u00e7\u00e3o de emprego\u201d. E tal distin\u00e7\u00e3o \u00e9 indispens\u00e1vel para que se possa avaliar qual ser\u00e1 o diploma normativo que regular\u00e1 a rela\u00e7\u00e3o contratual existente: se for uma rela\u00e7\u00e3o de emprego, a regula\u00e7\u00e3o se d\u00e1 pela CLT com todos os direitos e obriga\u00e7\u00f5es nela previstas. Caso se trate de \u201crela\u00e7\u00e3o de trabalho\u201d, a legisla\u00e7\u00e3o comum civil disciplinar\u00e1 direitos e obriga\u00e7\u00f5es.<\/p>\n \n Para essa pergunta vem a regulamenta\u00e7\u00e3o legal esclarecer, no artigo 3\u00ba da CLT, que \u201cempregado\u201d ser\u00e1 \u201ctoda pessoa f\u00edsica que prestar servi\u00e7os de natureza n\u00e3o eventual a empregador, sob a depend\u00eancia deste e mediante sal\u00e1rio\u201d. \n Do exemplo dado resta claro que, na verdade, a presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os por profissional aut\u00f4nomo (n\u00e3o-empregado) geralmente trar\u00e1 a presen\u00e7a de quatro dos cinco requisitos inerentes \u00e0 rela\u00e7\u00e3o de emprego: pessoalidade, pessoa f\u00edsica, n\u00e3o eventualidade e onerosidade (pagamento).<\/p>\n \n E como o termo utilizado possui uma ampla interpreta\u00e7\u00e3o, cuidou a doutrina jur\u00eddica e a jurisprud\u00eancia de afunilar tal conceito ao entendimento de que \u201cdepend\u00eancia\u201d seria, para fins de exist\u00eancia de v\u00ednculo de emprego, \u201csubordina\u00e7\u00e3o\u201d. Nesse sentido, \u00e9 comum e corriqueiro acessar conte\u00fados jur\u00eddicos indicando que, existindo subordina\u00e7\u00e3o entre o prestador de servi\u00e7os e o tomador, ser\u00e1 este profissional \u201cempregado\u201d.<\/p>\n \n Feitas estas considera\u00e7\u00f5es, j\u00e1 se tem a resposta ao questionamento inicialmente feito: afinal, a contrata\u00e7\u00e3o feita pela TV Globo de seus artistas por meio da assinatura do contrato com a PJ por eles criada \u00e9 ilegal?<\/p>\n \n Pela an\u00e1lise aprofundada da legisla\u00e7\u00e3o trabalhista, n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel afirmar, de forma categ\u00f3rica, que os grandes ve\u00edculos de comunica\u00e7\u00e3o, tal qual a TV Globo, ao contratarem artistas como sendo aut\u00f4nomos por meio da pessoa jur\u00eddica por eles criada, por si s\u00f3, estariam a fraudar a legisla\u00e7\u00e3o.<\/p>\n \n Isso porque a verifica\u00e7\u00e3o de eventual fraude na contrata\u00e7\u00e3o dever\u00e1 observar outras quest\u00f5es, sendo a principal a forma como o contrato \u00e9 executado. Essa an\u00e1lise n\u00e3o se restringir\u00e1 a avaliar o tipo de documento assinado (anota\u00e7\u00e3o na carteira de trabalho ou contrato de presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7o firmado entre empresas como, no caso inicial, entre a TV Globo e a PJ do artista), mas sim o que ocorre, de fato, durante o trabalho.<\/p>\n \n Desse modo, ainda que exista um contrato firmado com a PJ, se na execu\u00e7\u00e3o do trabalho o artista prestar servi\u00e7os pessoalmente, com habitualidade, recebendo remunera\u00e7\u00e3o e, sobretudo, sob depend\u00eancia do seu contratante, ser\u00e1 ele considerado empregado. Para que haja tal reconhecimento, indispens\u00e1vel ser\u00e1 o ajuizamento de a\u00e7\u00e3o trabalhista na Justi\u00e7a do Trabalho, \u00f3rg\u00e3o competente a reconhecer eventual fraude na contrata\u00e7\u00e3o e, ato cont\u00ednuo, a exist\u00eancia de um contrato de trabalho at\u00e9 ent\u00e3o n\u00e3o formalizado.<\/p>\n \n Especificamente sobre a contrata\u00e7\u00e3o de artistas, n\u00e3o h\u00e1 d\u00favidas acerca da presen\u00e7a de tr\u00eas requisitos. A pessoalidade \u00e9 evidente, afinal ningu\u00e9m concordaria em contratar o Chico Buarque de Hollanda e, no dia do espet\u00e1culo, assistir a um show do Wesley Safad\u00e3o. O mesmo valeria para o contr\u00e1rio.<\/p>\n \n Tamb\u00e9m evidente est\u00e1 a presen\u00e7a da onerosidade. Afinal, n\u00e3o \u00e9 cr\u00edvel aceitar que os artistas que trabalham na televis\u00e3o, por exemplo, o fazem sem receber qualquer quantia ou benef\u00edcio em contrapartida.<\/p>\n \n J\u00e1 a n\u00e3o eventualidade poder\u00e1 facilmente ser considerada presente, sobretudo se levarmos em considera\u00e7\u00e3o o caso trazido. As novelas duram meses, devendo o artista comparecer de acordo com um cronograma para gravar suas participa\u00e7\u00f5es.<\/p>\n \n Como o que \u00e9 avaliado \u00e9 a realidade do trabalho, a exist\u00eancia de um contrato formal firmado por uma PJ, por si s\u00f3, n\u00e3o autoriza a conclus\u00e3o de inexist\u00eancia de rela\u00e7\u00e3o de emprego (j\u00e1 que ser pessoa f\u00edsica \u00e9 um dos requisitos legais); at\u00e9 porque pode ser um artif\u00edcio exatamente para tentar fraudar a legisla\u00e7\u00e3o trabalhista. Sobretudo se presentes os outros 4 requisitos, principalmente a \u201cdepend\u00eancia\u201d (ou mais conhecida subordina\u00e7\u00e3o), que ser\u00e1, abaixo, analisada.<\/p>\n \n Como todas as an\u00e1lise de outros profissionais, com os artistas n\u00e3o ser\u00e1 diferente. O que definir\u00e1 sua rela\u00e7\u00e3o ser\u00e1 a exist\u00eancia ou n\u00e3o de depend\u00eancia no desenvolvimento de suas tarefas \u00e0 emissora de TV.<\/p>\n \n E sob esta \u00f3tica vale a reflex\u00e3o: esses grandes artistas que veem sendo citados nas mat\u00e9rias reproduzidas em todos os meios de comunica\u00e7\u00e3o dependem da TV Globo para exercer suas atividades? N\u00e3o poderiam eles atuar de forma independente? Fazer teatro? Cinema?<\/p>\n \n N\u00e3o parece razo\u00e1vel que estes profissionais dependam da TV Globo como os demais empregados dependem de seus empregadores.<\/p>\n \n Ficam, portanto, as defini\u00e7\u00f5es e informa\u00e7\u00f5es acima para que voc\u00eas, leitores, tirem suas pr\u00f3prias conclus\u00f5es acerca da regularidade ou n\u00e3o das contrata\u00e7\u00f5es dos artistas.<\/p>\n <\/p>\n
\n Por\u00e9m, mesmo com a defini\u00e7\u00e3o legal, as d\u00favidas subsistem. Afinal, aquele trabalhador aut\u00f4nomo como, por exemplo, um contador que presta servi\u00e7os regularmente a uma empresa, e trabalha em sua resid\u00eancia, n\u00e3o seria um empregado?<\/p>\n
