{"id":2039,"date":"2017-12-02T10:01:07","date_gmt":"2017-12-02T12:01:07","guid":{"rendered":"https:\/\/chenut.online\/?p=2039"},"modified":"2017-12-02T10:01:07","modified_gmt":"2017-12-02T12:01:07","slug":"a-importancia-do-compliance-na-execucao-de-contratos-administrativos","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/chenut.online\/a-importancia-do-compliance-na-execucao-de-contratos-administrativos\/","title":{"rendered":"A import\u00e2ncia do Compliance na execu\u00e7\u00e3o de contratos administrativos"},"content":{"rendered":"

[:br]<\/p>\n

O Brasil est\u00e1 vivenciando uma desastrosa situa\u00e7\u00e3o social, pol\u00edtica e econ\u00f4mica em decorr\u00eancia dos malfadados epis\u00f3dios de corrup\u00e7\u00e3o que se repetem diariamente em todos os cantos e poderes do pa\u00eds.<\/p>\n

A opera\u00e7\u00e3o \u201clava jato\u201d e os seus desdobramentos demonstram claramente – como se isso fosse novidade – que a contrata\u00e7\u00e3o p\u00fablica no Brasil \u00e9 majoritariamente (qui\u00e7\u00e1 integralmente) regida pela corrup\u00e7\u00e3o, uma vez que o direito de executar os contratos administrativos deixou de ser daqueles particulares que re\u00fanem as condi\u00e7\u00f5es de habilita\u00e7\u00e3o necess\u00e1rias e ofertam o melhor pre\u00e7o.<\/p>\n

Viu-se na pr\u00e1tica que a assinatura dos contratos \u00e9, h\u00e1 tempos, ditada em sua grande maioria pelo montante de propinas e subornos pagos, bem como pela influ\u00eancia de certas empresas dentro do congresso nacional e do executivo.<\/p>\n

Naturalmente, a exposi\u00e7\u00e3o midi\u00e1tica de tais fatos encorajou ainda mais a discuss\u00e3o da corrup\u00e7\u00e3o nas licita\u00e7\u00f5es p\u00fablicas, ou seja, na fase pr\u00e9-contrata\u00e7\u00e3o. Todavia, um certame realizado dentro da lei n\u00e3o garante, por si s\u00f3, a supera\u00e7\u00e3o da corrup\u00e7\u00e3o, na medida em que a execu\u00e7\u00e3o contratual abre um enorme espa\u00e7o para a efetiva\u00e7\u00e3o de conluios objetivando a satisfa\u00e7\u00e3o ileg\u00edtima de interesses particulares.<\/p>\n

Nesse cen\u00e1rio, o objetivo do presente artigo \u00e9 justamente analisar, ainda que brevemente, esse segundo momento para a pr\u00e1tica de atos de corrup\u00e7\u00e3o ou \u00edmprobos, a fim de demonstrar a import\u00e2ncia da implementa\u00e7\u00e3o, tanto pelas empresas quanto pelo pr\u00f3prio governo (federal, estaduais e municipais), de um efetivo programa de compliance que tamb\u00e9m abranja ferramentas espec\u00edficas capazes de mitigar os riscos existentes no \u00e2mbito da execu\u00e7\u00e3o de contratos administrativos.<\/p>\n

Pois bem. Existem tr\u00eas important\u00edssimos fatores no \u00e2mbito da execu\u00e7\u00e3o de contratos p\u00fablicos que permitem – em potencial – o alastramento da corrup\u00e7\u00e3o e improbidade, a saber, (a) exist\u00eancia de cl\u00e1usulas exorbitantes, (b) falta de fiscaliza\u00e7\u00e3o e (c) desrespeito \u00e0s normas or\u00e7ament\u00e1rias. Passa-se, pois, a discorrer sobre cada um desses elementos.<\/p>\n

Cl\u00e1usulas exorbitantes<\/strong>. O direito administrativo brasileiro teve como um princ\u00edpio basilar a supremacia do interesse p\u00fablico sobre o privado, sendo um dos desdobramentos desse princ\u00edpio a participa\u00e7\u00e3o da Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica nos contratos administrativos com privil\u00e9gios, ou supremacia de poder.<\/p>\n

Na pr\u00e1tica, o reflexo disso \u00e9 a exist\u00eancia de cl\u00e1usulas exorbitantes nos contratos, justificadas pela doutrina tradicional a partir da necessidade de se garantir uma posi\u00e7\u00e3o de supremacia da Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica sobre o contratado e a preval\u00eancia do interesse p\u00fablico sobre o particular.<\/p>\n

Com efeito, a Lei n\u00ba 8.666\/93[1]<\/a> prev\u00ea v\u00e1rias prerrogativas que permitem que a Administra\u00e7\u00e3o altere o originalmente pactuado com o particular e reestabele\u00e7a unilateralmente o curso da contrata\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Para exemplificar, vale citar que a Administra\u00e7\u00e3o pode (i<\/em>) decidir se ir\u00e1, de fato, contratar com o vencedor da licita\u00e7\u00e3o, (ii<\/em>) alterar unilateralmente o contrato, inclusive os quantitativos e cronograma de execu\u00e7\u00e3o[2]<\/a>, (iii<\/em>) suspender\/atrasar os pagamentos por at\u00e9 noventa dias sem qualquer consequ\u00eancia[3]<\/a>, (iv<\/em>) impor severas san\u00e7\u00f5es ao particular sem um efetivo sistema de contrapeso[4]<\/a> e (v<\/em>) rescindir unilateralmente o contrato[5]<\/a>.<\/p>\n

A exist\u00eancia de tais prerrogativas permite que a situa\u00e7\u00e3o do particular seja definida pela escolha de um agente p\u00fablico que, por certo, deveria pautar-se nos princ\u00edpios que norteiam a atividade administrativa[6]<\/a> e na busca pela efetiva\u00e7\u00e3o do interesse p\u00fablico, mas, em grande parte das vezes, faz uso desse espa\u00e7o para obter vantagens il\u00edcitas.<\/p>\n

Nas palavras de Mar\u00e7al Justen Filho[7]<\/a> \u201ca corrup\u00e7\u00e3o decorre das oportunidades ofertadas pelo Direito para escolhas prepotentes do agente p\u00fablico. Sempre que o agente estatal dispuser de compet\u00eancia para escolher entre mais de uma alternativa, alguma das quais \u00e9 desfavor\u00e1vel ou favor\u00e1vel ao particular, surgir\u00e1 potencial oportunidade para a corrup\u00e7\u00e3o. E o Direito Administrativo brasileiro \u00e9 repleto dessas previs\u00f5es. Isso tem a ver com as condi\u00e7\u00f5es an\u00f4malas da execu\u00e7\u00e3o do contrato. \u00c9 o chamado regime das prerrogativas extraordin\u00e1rias, que contemplam poderes unilaterais para o agente realizar uma escolha.\u201d <\/em><\/p>\n

As raz\u00f5es para tanto, ou seja, para a escolha de se praticar um ato de corrup\u00e7\u00e3o ou improbidade, podem ser, em resumo, encontradas na hist\u00f3ria da constru\u00e7\u00e3o da sociedade brasileira[8]<\/a>, mas este n\u00e3o \u00e9 um tema para o presente artigo.<\/p>\n

De toda sorte, fato \u00e9 que a supremacia estatal no \u00e2mbito contratual, ou, noutros termos, a falta de isonomia entre a Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica e o particular, abre imensur\u00e1veis brechas para a pr\u00e1tica de il\u00edcitos.<\/p>\n

Desrespeito \u00e0s normas or\u00e7ament\u00e1rias. <\/strong>Apesar da Constitui\u00e7\u00e3o Federal[9]<\/a> e da Lei n\u00ba 8.666\/93[10]<\/a> garantirem, respectivamente, que toda despesa deve estar vinculada a um recurso pr\u00e9-existente e o respeito \u00e0 ordem cronol\u00f3gica dos pagamentos, sabe-se que tais comandos legais n\u00e3o s\u00e3o observados. H\u00e1 ainda, como visto acima, previs\u00e3o legal que possibilita o atraso dos pagamentos por at\u00e9 noventa dias sem qualquer consequ\u00eancia.<\/p>\n

Ora, n\u00e3o \u00e9 raro que a Administra\u00e7\u00e3o fa\u00e7a uso de artif\u00edcios cont\u00e1beis[11]<\/a> e se beneficie das suas pr\u00f3prias prerrogativas de supremacia para n\u00e3o saldar seus d\u00e9bitos a tempo e modo. De acordo o autor Joel de Menezes Nieburh[12]<\/a>:<\/p>\n

\u201cN\u00e3o \u00e9 raro que a Administra\u00e7\u00e3o, para n\u00e3o pagar o contratado, recuse-se a liquidar a despesa. Ou seja, o contratado executa o contrato, entrega \u00e0 Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica, por\u00e9m ela se recusa a fazer as medi\u00e7\u00f5es, a reconhecer o que foi executado. Sucede que ela precisa liquidar a despesa para o contratado emitir a nota de faturamento e, com isso, entrar na fila da ordem cronol\u00f3gica. A Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica se recusa a liquidar a despesa porque da\u00ed parece ao controle que n\u00e3o h\u00e1 problemas de inadimplemento. Isso deve ser coibido e o mesmo vale para o pagamento e para todos os pedidos formulados pelos contratados.\u201d<\/em><\/p>\n

\u00a0<\/em>Isso significa dizer que os particulares deixam de receber pelos servi\u00e7os prestados, o que enseja outra hip\u00f3tese de tratativa com o Estado para a cobran\u00e7a dos d\u00e9bitos em aberto e, portanto, outro espa\u00e7o em potencial para a ocorr\u00eancia de atos il\u00edcitos.<\/p>\n

Fiscaliza\u00e7\u00e3o.<\/strong> Some-se a isso o fato de que h\u00e1 um ineg\u00e1vel d\u00e9ficit de fiscaliza\u00e7\u00e3o externa da execu\u00e7\u00e3o dos contratos administrativos, notadamente pelos Tribunais de Contas[13]<\/a>. N\u00e3o existe no Brasil, salvo raras exce\u00e7\u00f5es, uma fiscaliza\u00e7\u00e3o eficiente e concomitante \u00e0 execu\u00e7\u00e3o contratual, mas apenas uma auditoria posterior, incapaz de identificar desvios e corrigi-los a tempo e modo. Ou seja, os mandamentos dos arts. 70 e 71 da Constitui\u00e7\u00e3o Federal est\u00e3o longe de serem cumpridos[14]<\/a>, o que agrava e potencializada os desvios \u00e9ticos durante a execu\u00e7\u00e3o dos contratos. Aqui, cumpre citar o autor Fabr\u00edcio Motta[15]<\/a>:<\/p>\n

\u201cOs \u00f3rg\u00e3os de controle da Administra\u00e7\u00e3o costumam dedicar muita aten\u00e7\u00e3o para a an\u00e1lise da licita\u00e7\u00e3o, buscando identificar ilegalidades no edital ou no procedimento que comprometam a lisura do certame. Entretanto, acredito que atualmente os principais v\u00edcios corruptivos ocorrem na execu\u00e7\u00e3o dos contratos, e n\u00e3o na realiza\u00e7\u00e3o da licita\u00e7\u00e3o. Isso deve ser creditado a fatores como o incremento da atua\u00e7\u00e3o de \u00f3rg\u00e3os de controle interno e externo, o amplo acesso a informa\u00e7\u00f5es e o crescimento do controle social, exercitado pela popula\u00e7\u00e3o. Desta forma, se em tempos passados bastava prever pre\u00e7os superiores aos vigentes no mercado (sobrepre\u00e7o) para desviar os valores excedentes, atualmente \u00e9 mais f\u00e1cil conseguir esse excedente criminoso durante a execu\u00e7\u00e3o contratual.\u201d<\/em><\/p>\n

E isso sem mencionar a contest\u00e1vel origem dos conselheiros e ministros dos Tribunais de Contas e os esc\u00e2ndalos que tamb\u00e9m acometem tais cortes (ver aqui<\/a> e aqui<\/a>).<\/p>\n

Destarte, a execu\u00e7\u00e3o do contrato administrativo exige uma gest\u00e3o eficiente e de extremo cuidado, principalmente por parte das empresas, visto que, tamb\u00e9m nesta fase, existem v\u00e1rios espa\u00e7os aptos a ensejar a pr\u00e1tica de atos de corrup\u00e7\u00e3o ou improbidade, sem mencionar os criminais (inclusive, pode-se dizer, em maior potencial que a pr\u00f3pria fase licitat\u00f3ria).<\/p>\n

Compliance. <\/strong>As Leis n\u00ba 12.846\/2013 (anticorrup\u00e7\u00e3o), n\u00ba 8.429\/93 (improbidade) e n\u00ba 8.666\/93 (licita\u00e7\u00e3o) preveem v\u00e1rias a\u00e7\u00f5es ou omiss\u00f5es consideradas como condutas lesivas e il\u00edcitas (atos de corrup\u00e7\u00e3o, improbidade e criminais).<\/p>\n

A Lei Anticorrup\u00e7\u00e3o lista, em um rol taxativo, v\u00e1rias destas a\u00e7\u00f5es cuja pr\u00e1tica ocorre justamente na execu\u00e7\u00e3o dos contratos administrativos, confira-se:<\/p>\n

\u201cArt. 5o\u00a0 Constituem atos lesivos \u00e0 administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jur\u00eddicas mencionadas no par\u00e1grafo \u00fanico do art. 1o, que atentem contra o patrim\u00f4nio p\u00fablico nacional ou estrangeiro, contra princ\u00edpios da administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:<\/em><\/p>\n

IV – no tocante a licita\u00e7\u00f5es e contratos:<\/em><\/p>\n

    \n
  1. f) obter vantagem ou benef\u00edcio indevido, de modo fraudulento, de modifica\u00e7\u00f5es ou prorroga\u00e7\u00f5es de contratos celebrados com a administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica, sem autoriza\u00e7\u00e3o em lei, no ato convocat\u00f3rio da licita\u00e7\u00e3o p\u00fablica ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou<\/em><\/li>\n
  2. g) manipular ou fraudar o equil\u00edbrio econ\u00f4mico-financeiro dos contratos celebrados com a administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica; <\/em><\/li>\n<\/ol>\n

    V – dificultar atividade de investiga\u00e7\u00e3o ou fiscaliza\u00e7\u00e3o de \u00f3rg\u00e3os, entidades ou agentes p\u00fablicos, ou intervir em sua atua\u00e7\u00e3o, inclusive no \u00e2mbito das ag\u00eancias reguladoras e dos \u00f3rg\u00e3os de fiscaliza\u00e7\u00e3o do sistema financeiro nacional.\u201d <\/em><\/p>\n

    \u00a0<\/em><\/p>\n

    Por sua vez, as san\u00e7\u00f5es para a pr\u00e1tica de tais atos encontram-se previstas nos arts. 6 e 19 da norma:<\/p>\n

    \u201cArt. 6o\u00a0 Na esfera administrativa, ser\u00e3o aplicadas \u00e0s pessoas jur\u00eddicas consideradas respons\u00e1veis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes san\u00e7\u00f5es:<\/em><\/p>\n

    I – multa, no valor de 0,1% (um d\u00e9cimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do \u00faltimo exerc\u00edcio anterior ao da instaura\u00e7\u00e3o do processo administrativo, exclu\u00eddos os tributos, a qual nunca ser\u00e1 inferior \u00e0 vantagem auferida, quando for poss\u00edvel sua estima\u00e7\u00e3o; e<\/em><\/p>\n

    II – publica\u00e7\u00e3o extraordin\u00e1ria da decis\u00e3o condenat\u00f3ria.<\/em><\/p>\n