Artigos - Postado em: 19/12/2022

Como evitar a incidência de cláusulas abusivas em contratos civis

Por Nathália Carvalho.

 

I – Princípios que regem os contratos: 

Os negócios jurídicos são regidos pelo princípio da autonomia da vontade das partes, que permite que as partes tenham liberdade para negociarem o que bem entenderem, firmando contratos que estabeleçam as melhores condições que acordarem para regular a relação ali estabelecida. Sob a ótica da autonomia, encontra-se ainda o princípio do pacta sunt servanda, segundo o qual as partes devem cumprir, na forma em que acordado, as prestações que estabeleceram no contrato firmado. Na linguagem popular, é o famoso “o combinado não sai caro”.

Contudo, os princípios da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda não são absolutos, devendo se contrapor à função social do contrato, na qual o interesse social prevalecerá em prol do interesse individual das partes, buscando-se, assim, o equilíbrio contratual.

Ocorre que, durante a celebração de um contrato, é comum que alguma parte negociante se depare com cláusulas contratuais das quais discorde ou, até mesmo, considere que lhe trará uma desvantagem desproporcional na relação ali estabelecida. São essas as chamadas cláusulas abusivas, que trazem a uma das partes desvantagem e ônus excessivo, que merecem atenção no momento da elaboração do contrato, a fim de se evitar prejuízos futuros.

II Abusividades mais comuns em contratos civis e como evitá-las:

Nos contratos civis destacam-se, a título de exemplo, as cláusulas que estabelecem aplicação de multas, quais sejam: a multa compensatória, que será devida caso uma das partes deixe de cumprir a obrigação principal estabelecida no contrato, a fim de indenizar a parte lesada pelo descumprimento; e a multa moratória, devida em caso de atraso no cumprimento da obrigação, estabelecida para incentivar que as partes cumpram integralmente as obrigações, dentro das condições de tempo, modo e espaço estabelecidas.

Nesse sentido, é necessário que as multas sejam proporcionais à obrigação, ou seja, não é possível se estabelecer uma penalidade que seja excessivamente onerosa em relação ao próprio valor do contrato. Sobre o tema, inclusive, tribunais como o Tribunal de Justiça do Paraná tem proferido entendimentos recentes de que, até mesmo a cláusula penal estabelecida em montante inferior ou igual ao valor da obrigação principal do contrato pode figurar como cláusula abusiva e passiva de nulidade, a depender do caso concreto.1

Todavia, as partes podem estabelecer a possibilidade de se exigir indenização por perdas e danos em caso de descumprimento da obrigação por uma delas, a fim de evitar que, havendo prejuízo maior que o próprio valor da multa estabelecida na cláusula penal, a parte atingida pelo descumprimento tenha excessivo prejuízo. Além disso, nos casos em que a obrigação não possuir valor econômico mensurável, é recomendável que o contrato disponha claramente a relação de proporção entre o valor estabelecido a título de multa, na cláusula penal, e a obrigação principal, a fim de que se evite qualquer alegação de abusividade.

Ademais, outro ponto que deve ser analisado nos contratos civis são as cláusulas que estabelecem condições para rescisão do contrato firmado. Vê-se, na prática, que é comum a previsão de cláusulas possibilitando a rescisão unilateral dos negócios jurídicos. Todavia, a abusividade encontra espaço, por exemplo, na permissão de rescisão apenas por uma das partes, deixando de conceder a outra o direito extintivo, em caso de descumprimento de obrigação que lhe atinja, o que torna o contrato excessivamente oneroso para a parte que não possui a prerrogativa de rescindi-lo.

Além disso, podem ser citados diversos outros exemplos de cláusulas abusivas: cláusulas que estabeleçam renúncia a direitos; que permitam a variação do preço do contrato de forma unilateral; que transfiram responsabilidade a terceiros, alheios ao contrato; entre outras.

Em suma, toda e qualquer cláusula que torne o contrato excessivamente oneroso a uma das partes, lhe trazendo manifesta e desproporcional desvantagem, merece atenção.

III – Conclusão: a importância da fase pré-contratual para evitar incidência de cláusulas abusivas:

Tendo em vista a possibilidade de se deparar com inúmeras cláusulas abusivas na formação de contratos civis, faz-se necessária a devida atenção à fase pré-contratual, onde são negociadas as condições para o melhor cumprimento das obrigações ali estabelecidas. Nessa fase, é importante que as partes discutam todas as possibilidades, como casos de atraso no cumprimento, ou mesmo total descumprimento, bem como formas de execução da obrigação aceitas, a fim de prevenir, na medida do possível, os riscos negociais, consolidando proteções e garantias contra potenciais danos que decorram da execução do contrato.

Dessa forma, estabelecendo-se as devidas condições para o cumprimento ideal do negócio jurídico celebrado, as partes evitarão, acima de tudo, litígios desnecessários pela eventual necessidade de revisão contratual ou, até mesmo, reivindicação de direitos violados no contrato que, além de gerarem desgaste na relação, podem gerar elevados custos com ações judiciais e outras medidas que tenham que ser tomadas para solução dos imbróglios.

Assim, para que seja possível evitar a incidência de cláusulas abusivas em contratos civis, a recomendação é sempre negociar e acordar, de forma clara, sobre toda e qualquer condição do negócio jurídico que originará o contrato, buscando prever e definir soluções para o que for possível, antes de efetivamente assiná-lo e se comprometer às suas disposições.

Procedendo dessa forma, a chance de litígios futuros se torna menor, e o negócio jurídico firmado se torna mais vantajoso para ambas as partes contratantes.

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[1] TJPR – APL: 00717027920198160014 Londrina 0071702-79.2019.8.16.0014 (Acórdão), Relator: Fabio Haick Dalla Vecchia, Data de Julgamento: 25/08/2021, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: 26/08/2021.

TJPR – APL: 00005128020178160061 PR 0000512-80.2017.8.16.0061 (Acórdão), Relator: Desembargador Jucimar Novochadlo, Data de Julgamento: 26/06/2019, 15ª Câmara Cível, Data de Publicação: 27/06/2019.

 

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