
Tarifas em alta: Como a privatização da SABESP está afetando empresas e consumidores?
Por Rhuana César
A SABESP, após sua privatização, decidiu rescindir unilateralmente os contratos de demanda firme mantidos com grandes consumidores, como shoppings, hospitais e indústrias. Esses contratos ofereciam tarifas diferenciadas, resultando em descontos que somavam cerca de R$ 800 milhões anualmente¹.
Além disso, diversos problemas com aumento de tarifas e reenquadramento para a cobrança, impactaram empresas de diversos setores e os consumidores pessoa física. Diante desse cenário, investigações foram iniciadas, incluindo a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e ações judiciais movidas, coletivas e por consumidores e empresas afetadas².
Além disso, decisões judiciais favoráveis a clientes demonstram a relevância da questão, enquanto especialistas orientam sobre medidas para contestação de cobranças indevidas. Este artigo aborda o impacto desses aumentos, os caminhos legais disponíveis para consumidores pessoas jurídicas e físicas que se sentirem lesados e as providências que podem ser tomadas para garantir que seus direitos sejam respeitados.
O que é contrato de demanda firme?
Um contrato de demanda firme é um acordo entre a SABESP e grandes consumidores de água, no qual a empresa se compromete a fornecer um volume mínimo mensal de água a uma tarifa diferenciada, geralmente mais baixa que a padrão. Em contrapartida, o cliente assume a obrigação de consumir ou pagar por esse volume mínimo, mesmo que não o utilize integralmente.
Recentemente, após a privatização, a SABESP rescindiu unilateralmente mais de 500 desses contratos, afetando indústrias, shoppings e outros grandes consumidores que antes usufruíam de tarifas reduzidas.
Essa rescisão resultou em aumentos tarifários significativos para essas empresas, levando algumas a buscar alternativas, como a implementação de sistemas próprios de abastecimento de água ou ações judiciais para contestar a medida.
Decisões judiciais sobre demanda firme:
Ainda temos decisões e medidas deferidas para ambos os lados. A SABESP neste início de ano obteve vitórias judiciais significativas contra grandes empresas que buscavam manter os descontos que tinham sob contratos de demanda firme.
No caso da construtora espanhola Acciona, que não conseguiu a liminar para impedir o reajuste tarifário. O juiz Cássio Brisola destacou que a empresa executa obras bilionárias e, portanto, teria plena capacidade de arcar com a cobrança padrão³.
Já no caso em favor de um shopping center, em primeira instância, o juiz Fernando Antonio Tasso, da 15ª Vara Cível de São Paulo, deferiu tutela de urgência nos autos 1194985-06.2024.8.26.0100 para restabelecimento do fornecimento pela Sabesp, mediante tarifas diferenciadas.
Algumas entidades, como a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) e a Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT), obtiveram decisões favoráveis e tendo conseguido suspender o aumento das tarifas.
No caso das clínicas de hemodiálise, a Justiça reconheceu que o aumento da tarifa poderia inviabilizar tratamentos essenciais para pacientes do SUS, o que justificou a manutenção temporária do benefício tarifário.
Toda essa discussão, inclusive, reacende discussões sobre o papel do Judiciário no controle de aumentos abusivos em serviços essenciais. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou reajustes indevidos nos serviços funerários municipais por meio da ADPF 1196. Nesse caso, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) questionou leis do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, que delegou à iniciativa privada a gestão de cemitérios, crematórios e serviços funerários públicos.
Mas como essas decisões impactam as pequenas empresas e o consumidor comum? Existe a possibilidade de contestação desse aumento nos Juizados Especiais Cíveis? Vamos explorar essas questões e possíveis soluções disponíveis.
O Peso do aumento tarifário para pequenos negócios:
Pequenas empresas, como restaurantes, lavanderias, padarias e salões de beleza, dependem diretamente do abastecimento de água para suas operações diárias. Com a elevação das tarifas, muitas dessas empresas podem ver suas margens de lucro reduzidas drasticamente, já que a água é um insumo essencial para suas atividades.
De acordo com estimativas do setor, alguns estabelecimentos registraram aumentos superiores a 50% em suas faturas de água, o que impacta diretamente o fluxo de caixa e pode levar a medidas extremas, como redução de funcionários, aumento de preços para os clientes ou até o encerramento das atividades.
As pequenas empresas podem questionar essas cobranças administrativamente e fundamentar sua defesa no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), argumentando que o aumento tarifário imposto pela SABESP pode ser considerado abusivo e lesivo ao equilíbrio contratual ⁴.
Além disso, pode-se argumentar que o aumento significativo sem uma justificativa clara e sem a possibilidade de negociação infringe o princípio da boa-fé objetiva, conforme previsto no artigo 4º do CDC.
Dessa forma, pequenas empresas que se sentirem prejudicadas podem buscar a revisão da tarifa com base nesses dispositivos legais, pleiteando uma readequação do reajuste ou até mesmo uma indenização pelos danos causados pelo aumento abrupto, que pode ser considerado abusivo.
Empresas em Recuperação Judicial:
Que os impactos gerados pela rescisão dos contratos pela SABESP severos para empresas de todos os portes, não há dúvida.
Mas para aquelas que estão em recuperação judicial, essa elevação representa um risco ainda maior, podendo comprometer o plano de reestruturação e levar à inviabilização das atividades e a uma possível falência. Diante desse cenário, é fundamental analisar estratégias legais para conter esse impacto e garantir a continuidade das operações.
Empresas que passam pelo processo de recuperação judicial enfrentam uma série de desafios financeiros para manter sua operação e cumprir as obrigações estabelecidas no plano de recuperação. Quando a água é um dos insumos essenciais — como no caso de indústrias de alimentos, lavanderias industriais, hospitais e demais setores que dependem fortemente do fornecimento hídrico —, um aumento repentino da tarifa pode gerar um desequilíbrio financeiro insustentável.
Diante disso, um reajuste elevado pode ser interpretado como uma ameaça ao princípio da preservação da empresa, previsto na Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação e Falências). Esse princípio busca garantir que a empresa tenha condições de se reerguer economicamente e continue operando, preservando empregos e a geração de riqueza⁵.
Para empresas em recuperação judicial, a contestação judicial das tarifas pode se basear na necessidade de equilíbrio econômico-financeiro e na impossibilidade de arcar com aumentos repentinos, sob pena de inviabilizar a própria continuidade da atividade empresarial.
Além disso, as empresas podem ingressar com ações buscando revisão da tarifa com base nos princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da Lei de Recuperação Judicial.
Com base nisso, empresas em recuperação judicial podem pleitear na Justiça a suspensão dos reajustes tarifários, ou, ao menos, um escalonamento do aumento, para que possam se reorganizar financeiramente sem comprometer sua recuperação.
Importante ressalvar que tal procedimento não pode ser realizado no âmbito do processo de recuperação judicial já em curso, devendo a empresa em RJ ajuizar ação própria.
Outro problema enfrentado: Extensão do fator K para várias empresas.
Além do aumento de tarifas muitas empresas tiveram que lidar com o início da cobrança do chamado Fator K.
O Fator K é uma tarifa adicional aplicada pela SABESP a estabelecimentos comerciais e industriais que, supostamente, lançam efluentes com elevada carga poluidora na rede de esgoto. Essa cobrança visa cobrir os custos adicionais de tratamento exigidos por esses efluentes⁶.
No entanto, a legalidade dessa cobrança tem sido questionada judicialmente. O TJSP parece que neste tema tem posição mais uníssona, determinando que a aplicação do Fator K só é válida quando respaldada por estudos técnicos prévios realizados pela CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). Esses estudos devem comprovar que os efluentes do estabelecimento possuem, de fato, uma carga poluidora elevada. Sem essa comprovação, a cobrança é considerada ilegal.
Além disso, a falta de comunicação formal sobre a implementação do Fator K também é apontada como irregularidade. Estabelecimentos comerciais, como padarias, têm sido indevidamente classificados como industriais, resultando em cobranças adicionais sem a devida justificativa técnica. O TJSP já tem várias decisões judiciais reconhecendo a inaplicabilidade do Fator K a atividades comerciais, como restaurantes e padarias, considerando-as como comerciais e não industriais⁷ .
Empresas que foram afetadas por essas cobranças podem buscar a restituição dos valores pagos indevidamente. O prazo para reivindicar esses valores é de até 10 anos, conforme previsto no Código Civil. A repetição do indébito pode ser solicitada, podendo, em alguns casos, resultar na devolução em dobro dos valores pagos, especialmente se comprovada má-fé por parte da SABESP.
Portanto, é essencial que os proprietários de estabelecimentos comerciais e industriais verifiquem a legalidade da cobrança do Fator K em suas contas de água e esgoto. Caso identifiquem irregularidades, recomenda-se buscar orientação jurídica especializada para avaliar a viabilidade de ações judiciais visando à suspensão da cobrança e à restituição dos valores pagos indevidamente.
Ação no juizado especial cível: possibilidades e limitações:
Consumidores individuais, microempresas e microempreendedores individuais podem ingressar com ações nos Juizados Especiais Cíveis (JECs) para questionar aumentos abusivos e erro no enquadramento para cobranças de tarifas, desde que o valor da causa não ultrapasse 40 salários-mínimos. Para causas de até 20 salários-mínimos, não é obrigatória a representação por advogado. No entanto, a viabilidade dessas ações depende da complexidade de cada caso.
O entendimento dos tribunais indica que demandas que exigem perícias técnicas detalhadas, como a avaliação da legalidade do reajuste tarifário ou a análise técnica do consumo, podem ser consideradas inadequadas para os JECs, devendo ser encaminhadas à Justiça Comum.
A jurisprudência aponta que consumidores têm conseguido decisões favoráveis quando há indícios de erro no faturamento ou de aumento desproporcional, desde que a matéria não exija prova pericial complexa.
Portanto, alguns pontos importantes devem ser analisados antes da propositura da ação em Juizado Especial:
- Complexidade da Matéria: Questões que demandam perícias complexas ou envolvem discussões jurídicas aprofundadas podem ser consideradas inadequadas para os JECs, sendo direcionadas à Justiça Comum.
- Valor da Causa: É essencial que o valor pleiteado esteja dentro dos limites estabelecidos para os Juizados Especiais.
- Representação Legal: Embora não seja obrigatória a presença de advogado para causas de até 20 salários-mínimos, é recomendável buscar orientação jurídica para aumentar as chances de sucesso na demanda.
Alternativas para empresas de pequeno porte e consumidores comuns:
Diante da nova realidade tarifária, algumas empresas têm buscado soluções fora do sistema da SABESP. O modelo WaaS (“Water as a Service”), oferecido por empresas como a NeoWater, permite que grandes consumidores tenham um sistema próprio de abastecimento, reduzindo sua dependência da concessionária pública e garantindo tarifas mais previsíveis.
Uma alternativa viável para consumidores comuns é buscar meios administrativos, como o parcelamento de débitos e a revisão de faturas junto à própria SABESP. Para aqueles que perceberam aumentos desproporcionais, um primeiro passo pode ser a contestação via Procon ou recorrer ao Judiciário.
Possíveis ações para pequenas empresas:
- Ações Coletivas/individuais: Associações comerciais e sindicatos podem ingressar com ações coletivas para contestar aumentos tarifários considerados abusivos, buscando a manutenção de condições contratuais favoráveis, devendo a empresa avaliar se o ajuizamento de ação individual não seria mais célere, sem prejuízo de valer-se de decisão favorável na ação coletiva;
- Negociação Direta: Empresas podem buscar a renegociação direta com a SABESP, visando condições tarifárias mais justas e adequadas à realidade de cada negócio.;
- Participação em Audiências Públicas: Engajar-se em audiências públicas promovidas por agências reguladoras, como a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), para influenciar decisões tarifárias futuras;
- Programas de Eficiência Hídrica: Investir em tecnologias e práticas que reduzam o consumo de água pode mitigar o impacto de reajustes. Medidas como reutilização de água, instalação de dispositivos economizadores e conscientização sobre o consumo responsável são eficazes.
- Fiscalização e Denúncia: É fundamental que os consumidores comuniquem às autoridades competentes quaisquer práticas abusivas ou irregularidades na cobrança, garantindo que seus direitos sejam respeitados.
Possíveis ações para consumidores pessoa física:
As principais queixas dos consumidores pessoa física em face da SABESP após a privatização são:
Cobrança indevida e valores abusivos: Muitos consumidores relatam cobranças de valores elevados ou indevidos em suas faturas. Há casos de leituras erradas do hidrômetro que resultam em cobranças excessivas, além de registros de dívidas desconhecidas nos nomes dos consumidores.
Falta de água e baixa pressão: A interrupção no fornecimento de água e a redução da pressão são problemas frequentes mencionados pelos usuários. Alguns bairros enfrentam falta de água por dias consecutivos, afetando o cotidiano dos moradores.
Atendimento ao cliente e resolução de problemas: Há críticas sobre a demora no atendimento e na resolução de problemas. Consumidores expressam insatisfação com a falta de respostas satisfatórias e a necessidade de múltiplos contatos para solucionar uma única questão.
Serviços não realizados e ausência de leitura: Alguns usuários relatam que serviços solicitados, como a troca de caixa d’água, não são realizados, e que leituras mensais não são efetuadas, levando a estimativas imprecisas e contas inesperadamente altas.
Aumentos significativos nas tarifas de água e esgoto: Essas alterações nas tarifas, especialmente após a privatização da SABESP, geraram preocupações entre os consumidores, levando a questionamentos sobre a transparência e a justiça na formação dos preços. É importante que os consumidores estejam atentos às mudanças nas políticas tarifárias e busquem informações sobre seus direitos para contestar cobranças consideradas abusivas ou ilegais.
Mas o que fazer? Aqui estão as principais ações recomendadas:
- Verificar a fatura detalhadamente: Antes de qualquer coisa, é importante conferir todos os itens da fatura, como o consumo registrado, o valor cobrado e a aplicação de tarifas. Em caso de aumento, o consumidor deve identificar o motivo, como ajustes nas tarifas ou correções de leituras.
- Entrar em contato com o serviço de atendimento ao cliente: O primeiro passo é tentar resolver a questão diretamente com a SABESP. O consumidor deve entrar em contato por meio de canais de atendimento e anotar todos os números de protocolos. Caso o atendimento seja ineficiente ou demore a resolver o problema, o consumidor pode buscar outras formas de ação.
- Registrar a reclamação no Procon: Caso não consiga resolver diretamente com a empresa, o consumidor pode registrar uma reclamação no Procon. O Órgão de defesa do consumidor pode intermediar a negociação e garantir que os direitos sejam respeitados. O Procon pode agir em casos de aumento abusivo de tarifas ou cobranças indevidas, principalmente quando há práticas que configuram lesão aos direitos dos consumidores.
- Reclamar no reclame aqui ou outras plataformas: O Reclame Aqui é uma boa plataforma para fazer uma queixa pública, buscando que a empresa se manifeste e resolva a questão. O site é útil, pois muitas empresas respondem com soluções rápidas para evitar danos à sua imagem.
- Verificar a Legislação e Buscar Assessoria Jurídica: Se a reclamação não for resolvida e o consumidor acreditar que houve prática abusiva ou ilegal (como a cobrança de tarifas não autorizadas ou indevidas), ele pode buscar assistência jurídica. Um advogado especializado em direito do consumidor pode orientá-lo sobre o melhor caminho a seguir, inclusive se for necessário entrar com uma ação judicial para contestar os valores cobrados ou para buscar uma compensação por danos causados.
- Atenção aos Direitos em Casos de Aumento de Tarifas: A revisão de tarifas pela SABESP deve seguir uma regulamentação e ser comunicada adequadamente aos consumidores. Em caso de aumento excessivo ou não autorizado, o consumidor pode contestar a mudança junto ao Procon ou à Agência Reguladora de Saneamento e Energia (ARSESP).
- Denunciar à Agência Reguladora (ARSESP): A ARSESP é responsável pela fiscalização do setor de saneamento no estado. Caso o consumidor perceba irregularidades nas tarifas ou no serviço prestado pela SABESP, pode denunciar o problema diretamente à agência.
Essas são as medidas que o consumidor pessoa física pode tomar para defender seus direitos e buscar uma solução justa diante de problemas com a SABESP.
Conclusão:
Tanto consumidores pessoas físicas quanto empresas, de grande ou pequeno porte, têm enfrentado impactos significativos devido aos aumentos abusivos nas tarifas de água e esgoto da SABESP. Esses reajustes, especialmente após a privatização da empresa, têm gerado sérios questionamentos sobre sua transparência e legalidade.
No entanto, os consumidores não estão desprotegidos. É fundamental que todos, sejam pessoas físicas ou jurídicas, conheçam seus direitos e saibam como agir para contestar cobranças indevidas e práticas abusivas.
É essencial que todos, independentemente de seu porte ou setor, se mantenham informados sobre seus direitos, monitorem suas faturas e, se necessário, busquem orientação jurídica especializada.
Através da fiscalização ativa e da busca por soluções legais, é possível garantir que o aumento de tarifas seja justo e que as empresas e consumidores não sejam sobrecarregados com custos excessivos que possam comprometer suas operações e qualidade de vida.
As decisões judiciais que favoreceram a SABESP até agora demonstram uma tendência de reconhecimento da autonomia da concessionária para modificar seus contratos, especialmente quando envolvem grandes empresas.
Contudo, isso não invalida ou impede que consumidores comuns e pequenos comerciantes busquem alternativas legais e administrativas para contestar aumentos considerados abusivos ou enquadramento errôneo.
E para garantir que seus direitos sejam respeitados, é fundamental avaliar a viabilidade de cada ação, observando a complexidade da matéria e as possibilidades de contestação dentro dos limites estabelecidos pelo Juizado Especial Cível e pela Justiça Comum.