Artigos - Postado em: 20/07/2022

Penhora de Criptoativos

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Em levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça foi verificado pelo Poder Judiciário que mais da metade das ações judiciais ativas no Brasil encontram-se em fase de execução. Isso significa que na maior parte dos processos brasileiros não mais se discute a existência do direito, mas sim a ‘execução’ do direito, através de penhoras, bloqueios judiciais, entre outros.

Não bastasse a quantidade massiva de processos dessa natureza, observa-se que, ainda que o credor tenha direito ao recebimento do crédito e o esteja perseguindo através de uma ação judicial, muitas execuções são frustradas pela ausência de localização de bens da empresa devedora, o que torna inviável a satisfação do crédito. É o famoso ‘ganhou, mas não levou’.

Isso acontece porque, embora a ação judicial seja a via correta para o credor cobrar uma dívida, esbarramos muitas vezes na má-fé do devedor, que promove a transferência do seu patrimônio para terceiros, realiza sucessões empresariais fraudulentas, entre outras medidas que visam esvaziar patrimonialmente a empresa inadimplente.

E é essa justamente uma das principais razões para a ineficiência das ações judiciais de cobrança: a indisponibilidade ou ocultação de bens por parte dos inadimplentes. Não é raro que as artimanhas para a ocultação do patrimônio ocorram antes do próprio ajuizamento da ação de cobrança.

Diante desse cenário e com o objetivo de dar mais eficiência e agilidade aos processos de cobrança, é importante que os credores estejam atentos e façam uso de todas as ferramentas disponíveis para localizar ativos suficientes para satisfação do crédito.

Assim, é indispensável que os profissionais que atuam nesta área acompanhem as inovações e mantenham-se atualizados sobre todas as formas de alocação de patrimônio. Nesse contexto e acompanhando o mercado atual, é necessária a discussão sobre a possibilidade de penhora de uma nova categoria de ativos: as criptomoedas.

As criptomoedas, ou moedas virtuais, são ativos digitais criptografados e utilizados por investidores em razão do grande potencial de lucro e a garantia quase total de anonimato. O Bitcoin, criado em 2009, é a criptomoeda mais famosa. Entretanto, existem dezenas de outras espécies, como Ethereum, XRP, Binance Coin, entre outras.

Ao contrário das moedas oficiais — emitidas por autoridades centrais, como o real ou o dólar — as criptomoedas descentralizadas e lançadas por agentes privados e negociadas exclusivamente em um ambiente virtual. O detentor de uma moeda virtual só pode resgatá-la usando um código fornecido por quem vendeu.

De acordo com dados do Banco Central, no ano de 2021, o investimento em criptoativos no Brasil alcançou 5,995 bilhões de dólares, o maior volume anual desde que o órgão começou a registrar as operações em 2017. Não há dúvidas, portanto, que as criptomoedas possuem valor de mercado e conteúdo patrimonial.

Apesar de seu potencial financeiro, as transações permanecem sem supervisão ou fiscalização dos órgãos do sistema financeiro, como o Banco Central ou as bolsas de valores. Isso porque, por ora, as criptomoedas não possuem regulamentação consolidada no Brasil, salvo a Instrução Normativa nº 1.888/2019 da Receita Federal do Brasil (“RFB”) cujo objetivo é instituir e disciplinar a prestação de informações sobre operações realizadas com criptoativos.

Somado a isso, tramita no legislativo o Projeto de Lei 4.401/2021 que promete definir diretrizes para a “prestação de serviços de ativos virtuais” e regulamentar o funcionamento das empresas prestadoras desses serviços, mas que depende de plena aprovação.

Explicado seu conceito e cientes de que criptomoeda possui natureza de bem imaterial e sua compra caracteriza um investimento financeiro, questionamos: seria possível a sua utilização para pagamento de dívida objeto de ação judicial? E, sendo possível, quais seriam os meios para executar a penhora de um criptoativo?

Atualmente a plataforma utilizada pelo judiciário para realização de penhoras online (Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário – SISBAJUD) localiza recursos disponíveis em contas bancárias, contas poupanças, investimentos em renda fixa ou variável e cooperativas de créditos, mas ainda não alcança os investimentos em moedas digitais.

Acreditamos que após a regulamentação prometida pelo PL 4.401/2021 haja uma unificação das informações referentes às transações dos criptoativos, o que possibilitaria um pedido de ofício aos agentes financeiros para indicarem a existência, ou não, de operações realizadas em nome do devedor.

Contudo, a atual impossibilidade de penhora de criptoativos através do sistema SISBAJUD não inviabiliza por completo a viabilidade de colocar em prática essa modalidade atípica de penhora.

A 36ª câmara de Direito Privado do TJSP (Agravo de instrumento 2202157-35.2017.8.26.0000. Julgamento: 21/11/2017), por exemplo, elencou as criptomoedas como penhoráveis, alegando que por se tratar de bem imaterial com conteúdo patrimonial, em tese, não existira óbice para que a moeda virtual possa ser penhorada para garantir a execução. Nessa mesma linha, não haveria igualmente uma objeção para que a mesma fosse apresentada como garantia ou oferecida em pagamento em uma execução judicial.

No mesmo sentido, a 9ª Câmara Cível do TJPR (Agravo de Instrumento 0026506-94.2020.8.16.0000. Julgamento 14.11.2020) considerou as criptomoedas como ‘objeto penhorável análogo a títulos e valores mobiliários com cotação no mercado”, julgando como admissível o bloqueio de frações de bitcoins através da exchanges para assegurar a efetividade de eventual e futura sentença condenatória.

Conforme verificado da análise dos julgados, têm sido solicitado aos juízes a penhora de criptomoedas através de expedição de ofício às corretoras das moedas virtuais (exchanges), responsáveis por custodiar os ativos dessa natureza.

Não obstante algumas decisões favoráveis para que o pedido de penhora e consequente envio de ofício para a corretora seja deferido no deslinde do processo de execução, os Tribunais, quando favoráveis à essa modalidade de penhora, tem sustentado a necessidade de que o credor comprove que o executado é titular de criptoativos ou utiliza moedas virtuais em suas atividades. O pedido, portanto, não pode ser genérico e depende do levantamento de indícios mínimos de que os executados são titulares dos bens virtuais.  

Conclui-se, portanto, que cada vez mais faz-se necessário investigar a existência de patrimônio digital dos devedores, além das medidas tradicionais de penhora de bens, para garantir a satisfação das execuções e a efetiva recuperação do crédito.

Da mesma forma, é urgente a uniformização do entendimento dos Tribunais, assim como regulamentação do Banco Central e legislativo quanto aos criptoativos, vez que embora tenhamos decisões incluindo-os como bens passíveis de penhora, para sua real efetivação ainda existem uma série de entraves que prejudicam o credor no momento da recuperação do seu crédito, demandando equipes jurídicas especializadas e atentas aos procedimentos capazes de superar as barreiras ainda impostas no que tange à localização e penhora de criptoativos para satisfação de créditos em ações de execução.

Em caso de dúvidas sobre qualquer ponto abordado nesse artigo, nossa Equipe de Recuperação de Créditos estará à disposição para esclarecimentos pelo email rec.credito@chenut.online.

 

MARIA VITORIA BARBOSA DE CASTRO

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