
O Cost Sharing, o Devaneio do CARF e a Insegurança Jurídica.
Não é novidade que, especialmente em seara tributária, o Brasil tem sido terra fértil para a insegurança jurídica.
Dentre as várias sementes das quais advém os frutos que amargam a vida dos contribuintes, vale resgatar o entendimento do CARF quanto à incidência do PIS e da COFINS sobre reembolsos recebidos por força de contratos de compartilhamento de custos (“cost sharing agreements”), em operações domésticas.
Ora, o CARF entendeu que “(…) os valores recebidos pela pessoa jurídica centralizadora das atividades compartilhas, das demais pessoas jurídicas integrantes do grupo econômico, por conta dos serviços prestados, ainda que referidos como reembolso, integram a base de cálculo da Contribuição para a COFINS, (…).” (Acórdão nº 9303-012.980 – CSRF/3ª Turma, 17/03/2022 – g.n.).
A despeito da absurdez que lhe é intrínseca, chama atenção o fato deste entendimento ser diametralmente oposto ao fazendário há muito assentado na Solução de Divergência nº 23 – COSIT (23/09/2013), reiterada mais recentemente via Solução de Consulta nº 4.010 – SRRF04/Disit (18/03/2021) e Solução de Consulta nº 149 – COSIT (21/09/2021).
Ora, consta desta Solução que quanto a tais contribuições “(…) os valores auferidos pela pessoa jurídica centralizadora das atividades compartilhadas como reembolso das demais pessoas jurídicas integrantes do grupo econômico pelo pagamento dos dispêndios comuns não integram a base de cálculo das contribuições em lume apurada pela pessoa jurídica centralizadora; (…).” (g.n.).
Mas mesmo em face de uma Solução de Divergência, editada há mais de 12 anos pela (nada mais nada menos…) Coordenação-Geral de Tributação da RFB, o CARF “revolve” o assunto, inclusive arguindo que esta Solução “não vincula os Conselheiros”, “trata de assunto em que a própria RFB já se manifestou em sentido contrário” e “não é automaticamente aplicável ao caso em análise” (!!!).
É de se ponderar: se o Fisco expede entendimento (vinculante para a autoridade lançadora) para dirimir uma divergência, por quais “cargas-d´água” o CARF, na condição de Tribunal, haveria de entender de forma diversa? Ainda, se uma das partes do procedimento posto ao seu julgo entende (via manifestação oficial) não ser devido o tributo, qual a motivação do Tribunal em, mesmo assim, dar-lhe procedência? Seria o detrimento do contribuinte?
Não há dúvida de que a Solução de Divergência não vincula o CARF, mas daí a dizer que o fato de a RFB já ter se manifestado anteriormente em sentido contrário seria suficiente para se afastar a Solução de Divergência parece-nos demais… Para que ela serve, então?
Ora, o CARF invariavelmente acolhe Soluções de Consulta e de Divergência sempre que favoráveis ao Fisco, sem hesitar por um átimo. Mas aqui, rebelou-se!
E ao contrário do que assentado no voto vencedor, o caso naquela oportunidade em análise versa sim sobre operações domésticas de cost sharing, em perfeita identidade com a ignorada Solução de Divergência.
Resumo da ópera-bufa (🡺) em nosso país, infelizmente, nem mesmo quando a Coordenação-Geral de Tributação da RFB manifesta-se pela não incidência de um tributo tem o contribuinte sono tranquilo, pois a insegurança jurídica povoa mesmo assim seus constantes pesadelos.
Se bem que, se até mesmo a coisa julgada em matéria tributária foi “relativizada” pelo STF, o que há de se dizer então da desconsideração pelo CARF de uma Solução de Divergência COSIT? Tempos bicudos…
De qualquer sorte, e agora sob o prisma técnico, fato é que o CARF mais uma vez erra. Isso porque “receita” não é um cheque em branco para o Fisco, haja vista que seu aspecto norteador perpassa pelo fim da atividade social, e singelos reembolsos de cost sharing não caracterizam tal mister, mesmo porque não há aqui a figura da prestação de serviços.
Com efeito, basta refletir (desde que com fidelidade técnico-jurídica…) que “O fato de a unidade centralizadora dos custos e despesas receber das unidades descentralizadas as importâncias que inicialmente suportou, em benefício destas, não configura receita, mas simplesmente reembolso dos valores adiantados.”, conforme reconheceu a Solução de Divergência nº 23/13.
Em conclusão, a despeito do devaneio do CARF, aqui há bons elementos de defesa que apontam para o não cabimento do PIS e da COFINS sobre os valores decorrentes de operações domésticas de cost sharing.
Por fim, o cost sharing requer a observância de várias condicionantes (dentre as quais a formalização do contrato, a observância de padrões contábeis, a clareza de controles e dos critérios do rateio, sua compatibilidade com as operações rateadas, etc…), sob pena da regularidade das incidências fiscais.
Geraldo Mascarenhas L.C. Diniz – É sócio do Chenut Advogados e foi Professor na Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal e na Escola Superior de Advocacia do Distrito Federal (OAB/DF). Foi membro do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda (2002/2005). Compõe desde 2018 a Diretoria Jurídica da FIESP.