Artigos - Postado em: 12/09/2022

O abuso da minoria nas deliberações societárias

O acionista deve exercer o direito ao voto sempre no interesse da companhia. É o que preceitua o artigo 115 da Lei nº 6.404/1976 (“Lei de Sociedades por Ações”), sendo considerados abusivos os votos exercidos com o objetivo de causar dano à companhia ou aos outros acionistas ou de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para os outros acionistas.

Quando se fala em abuso ao direito de voto nas deliberações societárias, frequentemente se examina a figura do acionista controlador que pratica atos com abuso de poder. Entretanto, tal como o acionista controlador, também os acionistas minoritários podem praticar abusos devido a interesses diferentes dos da companhia.

Nesse sentido o parágrafo 3º do artigo 115 da Lei de Sociedades por Ações ao enunciar “o acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido”.

A leitura atenta do trecho final desse parágrafo revela o desejo do legislador de alcançar as abusividades cometidas também pelo acionista minoritário, ao esclarecer a possibilidade de responsabilização do acionista pelo seu voto ainda que sua vontade não prevaleça.

É importante esclarecer ainda que o direito de voto deve ser exercido com razoabilidade tanto pelos acionistas majoritários quanto pelos acionistas minoritários, sob pena de ser considerado abusivo e sujeitar o acionista votante a responder pelos danos causados pela abusividade cometida.

Os acionistas minoritários são importantes agentes no adequado funcionamento da empresa e podem atuar freando os poderes dos grupos majoritários. Como evidência de sua relevância podemos mencionar, inclusive, o direito garantido por lei de participação na composição do órgão responsável pela fiscalização das companhias, o Conselho Fiscal, pelos acionistas minoritários, conforme previsto na alínea a, § 4º do artigo 161 da Lei de Sociedades por Ações.

Vale lembrar também que os abusos cometidos pelos acionistas podem decorrer de suas ações ou de suas omissões. O abuso decorrente das ações ocorre quando o acionista atua de maneira conflitante com o interesse da companhia e em desacordo com o dever geral de lealdade imposto a todos os acionistas.

Por outro lado, o abuso cometido por meio da postura omissa do acionista ocorre quando este permanece inerte nos casos em que, para o pleno desenvolvimento da empresa, deveria agir ou, ainda, quando bloqueia a tomada de decisões pelos demais acionistas da companhia.

Como principal exemplo do abuso cometido pelas ações dos acionistas podemos mencionar o exercício do voto de maneira irregular. Um caso típico de voto abusivo é a rejeição injustificada das contas dos administradores e das demonstrações financeiras da companhia.

Considerando que na aprovação das contas dos administradores e das demonstrações financeiras das companhias há a vedação ao acionista-administrador de aprovar as suas próprias contas, conforme previsto no §1º ao artigo 115 da Lei de Sociedades por Ações e no inciso I do artigo 1.078 do Código Civil Brasileiro, o quórum para aprovação das contas é diminuído, podendo colocar a minoria na posição de aprovar ou rejeitar as contas sociais.

Os demais acionistas e a companhia podem ser prejudicados também pela rejeição injustificada de contas devido a eventual não distribuição dos lucros sociais e pelo descrédito da companhia perante importantes agentes do mercado, como instituições financeiras e órgãos públicos.

De maneira similar ao que ocorre no exercício do direito de voto, o abuso da minoria também pode ser exercido por meio do direito de veto.

Frequentemente são atribuídos direitos de veto aos acionistas minoritários sobre determinados assuntos da companhia. A utilização irresponsável desse direito de veto, por exemplo, pode prejudicar a própria sobrevivência da empresa, ao impor obstáculos e atrasar injustificadamente a tomada de decisões fundamentais para a continuidade da companhia.

Além disso, é importante mencionar que a legislação societária brasileira autoriza, satisfeitos certos requisitos, a propositura de ações judiciais pelos acionistas em face da própria companhia ou de seu administrador. A propositura de demandas judiciais societárias com o propósito de dificultar o andamento dos negócios sociais também pode ser uma forma de exercício abusivo de um direito válido.

Por outro lado, o abuso manifestado por meio da omissão do acionista minoritário pressupõe a manutenção do estado das coisas tal como estão. Essa forma de abuso, embora tão frequente quanto o abuso decorrente de ações do acionista, é de difícil caracterização, motivo pelo qual a análise cuidadosa das circunstâncias em que inserida é especialmente importante.

O bloqueio à tomada de decisões societárias pode ocorrer por meio da provocação de tumulto nas deliberações assembleares, impossibilitando a deliberação pelos presentes na oportunidade.

Ainda, pode ocorrer por meio da ausência às deliberações, o que causa atrasos na tomada da decisão assemblear, uma vez que não atingido o quórum necessário para a instalação da assembleia, é necessária a realização de nova convocação para a reunião dos acionistas.

Apesar de a recusa em votar não poder ser considerada abusiva por si só, diante de certas circunstâncias em que o voto é essencial para a continuidade da empresa, a recusa em votar poderá ser vista como abusiva. Como exemplo, vale mencionar a situação em que a sobrevivência da companhia depende de um aumento em seu capital social.

Diante de todo o exposto, com base no princípio da lealdade e da persecução do fim social, é possível afirmar que tanto os acionistas minoritários quanto os acionistas majoritários podem abusar do poder que possuem e encontram-se obrigados a observar o interesse social na tomada das deliberações societárias.

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