Artigos - Postado em: 25/05/2022

Moedas digitais, regulação e moedas oficiais

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Milton Friedman, há mais de 20 anos previu que uma moeda virtual, sem intermediários e com anonimização, seria criada na internet para substituição da moeda oficial nos moldes tradicionais. Friedman, talvez o liberal mais icônico, pela mesma razão que criticava as políticas econômicas dos Estados Unidos em 1960, identificou a razão pela qual as moedas virtuais privadas viriam a ser criadas: a falta de confiança no intermediário, o Estado.

Já há algum tempo vivemos, como sociedade, uma crise de confiança em relação ao abstrato Estado: Um conjunto de instituições que busca tutelar os direitos mais importantes, individuais e difusos, e que limita, como contrapartida, parte de outros direitos e liberdades individuais para se viabilizar.

Aristóteles, no século IV a.C já enunciava que o Estado é o mediador da relação entre os indivíduos. E para mediar a relação entre os homens, a coação (ou coerção) é indispensável. Como se diz por aí, o bolso é um dos órgãos mais sensíveis do homem e o Estado, como impositor de coação social, em alguns casos substitui o emprego da força física pela coação econômica.

Embora a moeda seja um mecanismo de simplificar trocas, tem um papel ainda mais importante, de ser este instrumento de coação social, que gera a manutenção do estado de direito e organização social, e por esse motivo tem um lugar especial na lei, a Constituição Federal que determina que a moeda só pode ser emitida pela União.

Muito bem, apesar de existir uma limitação legal para conceitualizar as moedas digitais como moeda, segundo a teoria econômica, para que um ativo possa ser conceitualizado como tal deve satisfazer três principais funções: (i) ser meio de troca, (ii) servir como reserva de valor e ser (iii) unidade de conta.

Isso significa que, se determinado ativo satisfizer as três funções, em tese, e desconsiderando a limitação legal, pode teoricamente ser considerado moeda. A crítica de alguns autores e das autoridades acerca desta conceitualização, majoritariamente se dá ao fato de a maior parte das criptomoedas não servirem como reserva de valor, e tão somente como ativo especulativo, pela instabilidade de suas cotações e ausência de valor intrínseco.

Generalizar um universo tão diverso, e bem… descentralizado, foi uma doce, embora pobre, saída. O resultado? Sempre paliativo, nunca definitivo. Proibir circulação, generalizar para regular, e caminhar na contramão da formação do conhecimento jurídico – ajustar o fato social à norma.

Criptomoedas lastreadas em ativos reais e regulados, têm, em tese, estabilidade de preços (ainda que seja uma estabilidade bem relativa assim como a maior parte das divisas). Criptomoedas que tenham em seu algoritmo mecanismo de estabilização de preços, ainda que sem lastro, também atenderiam em tese a função de reserva de valor. Então por que a regulação continua oferecendo soluções tão restritivas?

Eis um tema que incomoda tanto que encontra fórum apenas nas conversas de bar: A regulação é de interesse Estatal já que a moeda é instrumento de coação social. A conceituação de criptomoeda como moeda pode incitar a substituição da moeda oficial por moeda digital descentralizada, mitigando não só a política monetária, como também a razão de ser do contrato social, regular as relações sociais por meio da coação econômica.

A discussão é de ordem filosófica, sociológica, de teoria do estado, e nós, juristas e economistas, devemos nos limitar à limitação das nossas ciências para responder ao fato social, que já existe. Que há necessidade de regulação, não há dúvida, mas qual o limite para não inviabilizar nem o Estado nem um mercado tão relevante?

Cenas dos próximos capítulos.

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