Artigos - Postado em: 02/01/2024

Limitação do Direito de Compensação do Contribuinte por Medida Provisória: Análise Jurídica e Constitucional

No apagar das luzes (28/12/2023), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT) divulgou que será encaminhada ao Congresso uma medida provisória (MP) com o intuito de repor partes das receitas que não irão se realizar em função das alterações realizadas no pacote de arrecadação enviado pelo Governo junto com o Orçamento.

Dentre tais medidas, a limitação o direito de compensação do contribuinte, especialmente quando decorrente de decisões judiciais. A ideia do governo é limitar a compensação em 30% do montante reconhecido, podendo o contribuinte utilizar o saldo em 5 anos.

O direito à compensação é uma garantia fundamental do contribuinte, assegurando a possibilidade de abater débitos tributários mediante créditos reconhecidos. Contudo, a questão ganha contornos complexos quando se considera a hipótese de o governo federal restringir esse direito por meio de medida provisória.

E além de envolver aspectos jurídicos, é um déjá-vu do previso pela Lei 8.212/91 (art. 22), quando o Superior Tribunal de Justiça, nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 189.052/SP tratou do assunto, firmando a tese de que no caso de declaração de inconstitucionalidade de um tributo, não pode haver limitação por lei à compensação do indébito.

O ordenamento jurídico brasileiro confere ao contribuinte o direito de compensar tributos indevidamente pagos ou cobrados a mais. Esse direito é respaldado por normas infraconstitucionais e pela própria Constituição Federal, notadamente em seu artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, que garante o direito de petição aos poderes públicos.

Por sua vez, a medida provisória é uma ferramenta legislativa de caráter excepcional, concebida para situações de relevância e urgência. A utilização desse instrumento para limitar o direito de compensação do contribuinte suscita questionamentos quanto à sua compatibilidade com princípios fundamentais do sistema jurídico brasileiro.

O artigo 62 da Constituição Federal estabelece as hipóteses em que a medida provisória pode ser editada, deixando claro que não pode versar sobre matéria reservada à lei complementar. Diante disso, a limitação do direito de compensação, que possui raízes na legislação ordinária, não poderia claramente ser objeto de medida provisória sem afrontar a Constituição.

Para além disso, a análise constitucional deve considerar o princípio da reserva legal, que impõe a criação e alteração de direitos por meio de lei. A possibilidade de restrição do direito à compensação via medida provisória levanta a necessidade de sopesar a autonomia do legislador ordinário e a estabilidade do sistema tributário e, ainda, o respeito às decisões dos tribunais superiores no Brasil.

A eventual limitação do direito de compensação por medida provisória pode acarretar efeitos significativos no cenário jurídico e econômico do país. Questões relacionadas à segurança jurídica, previsibilidade fiscal e equilíbrio entre os interesses do Estado e dos contribuintes devem ser cuidadosamente ponderadas, não podendo servir a medida provisória como instrumento de reequilíbrio orçamentário.

O veredito de inconstitucionalidade de um tributo abre caminho para a possibilidade de compensação. Com a constatação de inconstitucionalidade, os pagamentos feitos pelo contribuinte são tratados como simples entradas de caixa, não sendo considerados tributos.

A decisão do Supremo Tribunal Federal de inconstitucionalidade retroage, assim, até o momento em que a norma inconstitucional deveria ter entrado em vigor eu uma vez declarada a inconstitucionalidade de uma norma, obrigação tributária desaparece do ordenamento jurídico, como se nunca tivesse existido.

Nessa linha de raciocínio, se não tivesse existido a norma inconstitucional, não teria havido necessidade de compensação…

Compelir o contribuinte a esgotar o crédito a que tem direito num determinado período carece de razoabilidade!!

Uma nação que tenta prosperar a base de impostos é como um homem com os pés num balde tentando levantar-se puxando a alça, já dizia Winston Churchill, mas uma nação que tenta prosperar inviabilizando ou restringindo a compensação de valores cobrados indevidamente, realiza verdadeiro saqueamento à certeza de quando pagar e quando não pagar tributos.

Rhuana Rodrigues César, especialista em Direito Digital e Compliance, Direito Público e Direito Tributário e Finanças Públicas, Sócia responsável pela área de Recuperação de Créditos e Consumerista do escritório Chenut, Oliveira, Santiago – Sociedade de Advogados.

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