Artigos - Postado em: 19/04/2022

Dos honorários de sucumbência – considerações sobre as mudanças legislativas promovidas no instituto e a recente jurisprudência

O instituto jurídico dos honorários passou por severas mudanças no âmbito da justiça trabalhista. Antes do advento da Lei federal de nº 13.467/2017, que, adianta-se, foi responsável pela alteração mais marcante na aplicação de honorários no ambiente juslaborista, a condenação em honorários advocatícios não decorria, tão somente, de ser a parte vencida na demanda (ou simplesmente sucumbente), como conhecemos na atualidade.

À época, a parte, dentre outros requisitos, deveria se valer da representação do sindicato da categoria, comprovar o recebimento de salário inferior ao dobro do mínimo ou que sua situação econômica, bem como de sua família, seria prejudicada caso tivesse que arcar com o pagamento de custas processuais e honorários sucumbenciais.

Além disso, toda essa parametrização estava contida: na Lei Federal de nº 5.584/70, mais precisamente nos artigos 14 e 16; no entendimento do TST consubstanciado com a edição da Súmula 219, item I, do TST (que apenas reforçava o conteúdo do art. 14 da lei que disciplinava a concessão e prestação de assistência judiciária); e, por fim, no conteúdo da Instrução Normativa 27, do TST (expressa em excluir os honorários advocatícios nas lides envolvendo relações de emprego).

Promulgada, a Lei Federal de nº 13.467/17 trouxe à Consolidação das Leis Trabalhistas notáveis alterações. Na oportunidade, foi incluído dispositivo próprio que previa a condenação da parte sucumbente, ainda que parcialmente, em honorários advocatícios (art. 791-A, CLT).

Ocorre que, dias antes do “aniversário” de quatro anos de vigência da Reforma (no dia 20/10/2021), o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADI 5766, reconheceu a inconstitucionalidade de alguns dispositivos da reforma, dentre eles a dos arts. 790-B, caput e §4º e 791-A, §4º, e art. 844, §2º.

Intentada pelo órgão da Procuradoria-Geral, a inicial da ADI sustentou que estes dispositivos suscitados, em tese, feririam princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana e o da isonomia. Em breve síntese, os Ministros deram parcial procedência à ação, julgando inconstitucionais os artigos 790-B, caput e §4º; art. 791-A, §4º (os quais estipulam o pagamento dos honorários periciais e advocatícios de sucumbência pelo beneficiário da justiça gratuita, se parte vencida), e, em sentido oposto, pela constitucionalidade do pagamento das custas pelo reclamante na hipótese de arquivamento da demanda por sua ausência em audiência inicial (art. 844, §2º, CLT).

Contudo, importante ressaltar que, até o momento, não se sabe se o STF modulou os efeitos da decisão proferida, já que, sequer houve a publicação, no Diário de Justiça, do Acórdão (que será redigido pelo Min. Alexandre de Moraes), mas tão somente da Ata de Julgamento (Ata nº 32, de 14/10/2021).

Referida modulação de efeitos faz-se necessária, pois, em regra, como as decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade são dotadas de efeito ex tunc (retroativos), as normas julgadas inconstitucionais são, prima facie, consideradas inconstitucionais desde a sua origem no ordenamento jurídico, o que, definitivamente, tem causado insegurança jurídica quanto à temática concernente aos honorários advocatícios sucumbenciais.

Neste cenário pós julgamento da ADI, o que se nota são juízes(as) proferindo decisões no sentido de não condenar a parte Reclamante em honorários de sucumbência mesmo quando vencidas na demanda (total ou parcialmente), sob o argumento de que a Corte decidiu pela inconstitucionalidade do dito dispositivo que prevê a condenação do beneficiário da justiça gratuita.

Contudo pertinente algumas considerações. A primeira delas é a diferenciação entre o momento em que ocorre a condenação em honorários e o momento da exigibilidade do crédito dela decorrente. Essa distinção não é uma novidade na legislação, já que prevista desde 1950 na lei que estabelece normas para a concessão de assistência judiciária (Lei Federal de nº 1.060/50). Assim, à luz do art. 791-A da CLT, tem-se que seu caput define o momento da condenação, enquanto o §4º cuida do momento da exigibilidade dos honorários sucumbenciais do reclamante que houver obtido o benefício da justiça gratuita.

Neste raciocínio, quando vencido o beneficiário da gratuidade judiciária, obrigatoriamente, deve haver condenação em honorários advocatícios, não se furtando o Judiciário do arbitramento da verba diante da sucumbência. No entanto, no momento posterior,- o da exigibilidade do crédito -, é regido pela previsão contida no §4º do dispositivo, que preleciona que no caso de não ser possível se exigir o pagamento da parte considerada pobre no sentido legal naquele momento, ficará, sob condição suspensiva de exigibilidade a verba honorária deferida.

A segunda consideração a ser feita é que apesar de constar na mencionada ata de julgamento, de forma extremamente genérica, ter sido julgado o pedido formulado na ADI “parcialmente procedente, para declarar inconstitucionais os arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação”, em verdade, nos exatos termos da causa de pedir contida na inicial promovida pelo PGR, a inconstitucionalidade suscitada foi apenas de parte do dispositivo. Isto é, tão somente da expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa”, e não o seu quarto parágrafo, in totum.

O teor da ata, quando comparado com os votos proferidos pelos ministros da Suprema Corte, denota manifesta contradição, o que certamente desafiará a oposição e embargos de declaração quando da publicação do Acórdão. Toma-se, a título de exemplo, trecho do voto do vogal, Min. Edson Fachin, no qual o ministro salienta ser “importante afirmar que o benefício da gratuidade da Justiça não constitui isenção absoluta de custas e outras despesas processuais, mas, sim, desobrigação de pagá-las enquanto perdurar o estado de hipossuficiência econômica propulsor do reconhecimento e concessão das prerrogativas inerentes a este direito fundamental (art. 5º, LXXIV, da CRFB)”, reforçando a tese de cisão entre os momentos de condenação e exigibilidade.

A conclusão obtida do julgamento, portanto, é a de que a extirpação do trecho do dispositivo não retira a condição de existência da dívida, muito embora afete a sua eficácia e exigibilidade imediata. Nesse sentido, merece citação a decisão monocrática proferida pelo Ministro do TST Amaury Rodrigues Pinto Júnior, após ocorrido o julgamento da ADI 5766, na qual aponta a semelhança do art. 791-A celetista (após a recente modificação) com o art. 98, §3º, do CPC:

[…] somente o § 4º do art. 791-A da CLT foi declarado inconstitucional. O caput do referido dispositivo, acrescido pela Lei n.º 13.467/2017, que ampliou a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência em todas as causas trabalhistas, permanece íntegro, e aplica-se tanto ao empregador como ao empregado, desde que sucumbente no processo. […] Nessa suspensão de exigibilidade não reside inconstitucionalidade. […] conclui-se, em perfeita observância da decisão vinculante proferida pelo STF na ADI 5.766/DF (acórdão pendente de publicação), que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados, mesmo quando se tenha reconhecido o direito à gratuidade judiciária, nesse caso, contudo, a obrigação decorrente de sua sucumbência permanecerá sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderá ser executada se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que a certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência econômica que justificou a concessão da gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, a obrigação.

Não se pode negar que o instituto dos honorários é cercado de polêmicas. Na justiça comum, por exemplo, o assunto está em voga pelo recente julgamento do STJ a respeito dos honorários por apreciação equitativa. Voltando os olhos para o âmbito justrabalhista, outra temática relacionada às alterações promovidas pela Reforma Trabalhista é a questão dos honorários de sucumbência no cenário de parcial procedência dos pedidos.

Trata-se de entendimento firmado pela 4ª Turma do TST, ao julgar o processo de nº RR – 12170-70.2019.5.18.0241 (Relator Min. Alexandre Luiz Ramos). Nesta oportunidade, sagrou-se o posicionamento de que a sucumbência recíproca e parcial deve ser examinada em relação a cada pedido, não podendo ser desconsiderada pelo acolhimento parcial de uma pretensão, como, por exemplo, em pedidos de indenização em que, do valor pleiteado, apenas acolhe-se parte dele ao deferir quantia menor do que a pretendida.

Com base neste entendimento, aliado ao anteriormente explanado sobre a conclusão obtida pela ADI 5766 (na ausência de modulação dos efeitos da decisão), é possível concluir que, havendo sucumbência parcial no pedido, haverá condenação da parte, ainda que beneficiária da justiça gratuita, mesmo que sua exigibilidade seja posteriormente suspensa, pressupostos estes que são ignorados pela grande maioria de magistrados(as).

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