Artigos - Postado em: 02/05/2025

Da Timeline ao Tribunal: Como Redes Sociais Facilitam a Recuperação de Créditos

As redes sociais emergiram como ferramentas poderosas na sociedade contemporânea, oferecendo não apenas plataformas de interação pessoal, mas também recursos valiosos para profissionais de várias áreas, inclusive da área de recuperação de crédito e investigação patrimonial. 

A análise criteriosa dessas plataformas pode revelar informações cruciais sobre devedores, auxiliando na identificação de ativos ocultos e na elaboração de estratégias eficazes de recuperação e concessão de crédito.

Essa estratégia, denominada “avaliação de crédito social” ou “análise de comportamento digital”, tem como objetivo coletar informações complementares sobre os hábitos financeiros, a estabilidade econômica e o padrão de vida de um indivíduo, sócios de empresas e seus familiares e, também, pode ser utilizada para monitorar e buscar patrimônio e/ou indícios de ocultação deste patrimônio.

Contudo, essa prática levanta debates sobre privacidade e proteção de dados pessoais, uma vez que envolve o monitoramento de informações em ambientes digitais. No Brasil, algumas instituições financeiras e redes varejistas já utilizam a análise de redes sociais como um fator adicional na avaliação de crédito e na busca por informações, especialmente considerando os dados públicos e disponíveis.

Em um cenário em que o lema dos devedores contumazes passou a ser “devo, não pago, nego enquanto puder”, todas as ferramentas disponíveis para buscar a satisfação da dívida e evitar a concessão de créditos com risco, devem ser utilizadas.

Identificação de Bens e Ativos Ocultos:

Devedores podem tentar ocultar patrimônio para evitar ações de cobrança. No entanto, postagens em redes sociais frequentemente exibem aquisições recentes, viagens ou outros sinais de posses significativas. A análise dessas postagens pode revelar discrepâncias entre o estilo de vida exibido e a alegada incapacidade financeira, indicando a existência de bens não declarados.  

Vejamos alguns exemplos de como as redes sociais e o conteúdo disponível na web pode auxiliar no processo de análise de crédito ou sua recuperação em razão de inadimplência.

Postagens que exibem viagens internacionais, aquisição de bens de luxo, veículos de alto valor ou participações em eventos exclusivos podem indicar que o devedor possui recursos financeiros não declarados. Mesmo que os bens não estejam em seu nome, menções frequentes a locais caros, hospedagens sofisticadas ou estilo de vida incompatível com dificuldades financeiras (mesmo que em nome da pessoa jurídica de que é sócio) podem servir como indícios para uma investigação mais aprofundada.

Em alguns casos, bens podem ser registrados em nome de terceiros para evitar penhoras e bloqueios judiciais. No entanto, redes sociais frequentemente revelam a posse real desses bens. Fotos em veículos que não estão oficialmente em seu nome, postagens de familiares ou amigos mencionando propriedades e até mesmo geolocalização podem ser utilizadas para demonstrar a posse indireta de determinados ativos.

Além dos perfis pessoais, o monitoramento de páginas e perfis de empresas ligadas ao devedor pode fornecer informações valiosas. Mesmo que uma empresa esteja registrada em nome de terceiros, sua movimentação online pode indicar que o devedor tem participação ativa no negócio. 

Comentários de clientes, fotos de eventos corporativos ou menções a projetos podem ser usados para comprovar vínculo e, consequentemente, demonstrar a existência de renda oculta.

Os perfis oficiais da empresa do devedor também podem revelar indícios de dificuldades financeiras. Comentários de clientes sobre falta de entregas, atrasos em pagamentos ou problemas na qualidade dos produtos podem indicar que a empresa está enfrentando dificuldades – ou, em alguns casos, que pode estar operando de forma irregular para evitar cobranças.

Além disso, Ferramentas especializadas conseguem cruzar informações de redes sociais com registros públicos, ajudando a identificar padrões de comportamento e possíveis omissões patrimoniais. Softwares de análise de crédito já utilizam técnicas de inteligência artificial para mapear sinais de riqueza e detectar fraudes em declarações financeiras e seu uso pode ser estendido para a cobrança de dívidas.

Outro recurso valioso é a análise das conexões sociais e profissionais de um indivíduo nas redes sociais para investigações patrimoniais e recuperação de crédito. 

Muitas vezes, devedores estratégicos utilizam terceiros — os chamados laranjas” — ou criam estruturas empresariais complexas para ocultar patrimônio e evitar bloqueios judiciais. O monitoramento detalhado desses relacionamentos pode revelar vínculos suspeitos, ajudando na identificação de bens e na comprovação de fraude patrimonial.

Estratégias de Utilização das Redes Sociais na Recuperação de Crédito:

Para maximizar o potencial das redes sociais na recuperação de crédito, é fundamental adotar abordagens estratégicas e éticas.

Estabelecer sistemas de monitoramento contínuo das atividades online dos devedores permite a identificação de mudanças significativas que possam indicar a aquisição de novos bens ou alterações na situação financeira.

E combinar informações obtidas nas redes sociais com dados de fontes públicas e registros oficiais enriquece a investigação, oferecendo uma visão mais completa do patrimônio do devedor e seus familiares.

Além das redes sociais, o acesso a dados públicos é essencial na investigação e há muitos meios de buscar informações além dos já conhecidos e utilizadas tradicionalmente.

O cuidado que se deve ter é a utilização de informações obtidas nas redes sociais e em bancos de dados públicos dentro dos limites legais e éticos. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil estabelece diretrizes claras sobre a coleta e uso de dados pessoais, exigindo que os profissionais atuem com transparência e responsabilidade.

Vejamos alguns exemplos de situações já vivenciadas pela equipe do CHENUT e de casos publicados na mídia em que essa busca se mostrou eficaz.

Devedor revela cargo público e tem salário penhorado:

Em um caso concreto, um devedor publicou em suas redes sociais que havia assumido um cargo público em uma cidade do interior de Goiás.

Com essa informação, foi possível solicitar judicialmente a penhora de parte de seu salário, respeitando os limites legais, para a satisfação da dívida, uma vez que o STJ¹  já se manifestou sobre esta possibilidade, mesmo havendo regra geral prevista no art. 833, IV do Código de Processo Civil (CPC) sobre a impenhorabilidade de salários.

É importante destacar que, ao determinar a penhora de salários, o magistrado considerou as peculiaridades do caso e considerando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, conforme entendimento consolidado na jurisprudência do STJ²  determinou a penhora de 15% do salário.

 

Fraude empresarial desmascarada: Investigação digital revela ocultação de patrimônio e penhora de Verbas Públicas.

Uma empresa devedora apresentava situação financeira complicada, sem bens ou movimentações financeiras aparentes, o que dificultava a localização de ativos para a execução da dívida. 

Contudo, a investigação digital direcionada aos perfis dos sócios nas redes sociais revelou um cenário diferente. Durante a análise dos perfis, constatou-se que um dos sócios, participava ativamente de eventos e conferências relacionados a contratos públicos. 

Fotos, postagens e matérias publicadas indicavam sua presença em reuniões com autoridades e empresários, além de menções a importantes contratos firmados com órgãos governamentais. 

Com base na análise do círculo pessoal do sócio, a equipe identificou diversas pessoas presentes nas fotos e postagens, o que levou à descoberta de uma empresa aparentemente discreta, mas que estava sendo utilizada pelo mesmo sócio devedor. Essa empresa, embora registrada de forma regular, atuava como uma extensão do controle dos sócios sobre contratos públicos, conforme demonstrado pela assinatura de vários contratos pelo devedor.

A pesquisa se aprofundou com a verificação de procurações emitidas, nas quais o sócio devedor recebeu plenos poderes para representar a empresa “saudável” e da qual não fazia parte do quadro societário. 

Essa documentação comprovou que, mesmo com a baixa da empresa na Receita Federal, havia uma tentativa deliberada de ocultar patrimônio e fraudar o sistema, utilizando-se o devedor da nova empresa para receber verbas públicas e alugueis, que eram, na prática, recursos advindos de negócios do próprio sócio e relacionados as atividades da empresa devedora.

Com as evidências reunidas – a presença ativa em eventos públicos, a associação com contratos governamentais e a documentação que demonstrava a outorga de poderes amplos – foi possível comprovar a fraude. Em um processo de desconsideração da personalidade jurídica, que reuniu outras provas, a Justiça autorizou a penhora das verbas públicas recebidas e de aluguéis, garantindo a satisfação do crédito, por meio da empresa que fora constituída com a clara intenção de não pagar as dívidas da empresa baixada.

Descoberta de ativos ocultos por geolocalização em postagens:

Uma empresa do setor financeiro buscava cobrar uma dívida milionária de um empresário que alegava não possuir bens para penhora. A equipe analisou suas postagens em redes sociais e identificou fotos recorrentes em uma mansão de luxo no litoral do Nordeste. Ao cruzar dados com registros imobiliários, descobriu-se que o imóvel estava registrado em nome de uma empresa offshore vinculada ao devedor. Com essa evidência, foi possível solicitar judicialmente o bloqueio do patrimônio e avançar na cobrança da dívida.

Vários são os casos vivenciados na prática e que demonstram o poder das redes sociais e de todo material disponível na web, veja mais alguns exemplos.

Fraude empresarial descoberta por comentários de clientes:

Uma empresa de tecnologia alegava dificuldades financeiras e entrou com pedido de recuperação judicial, deixando uma série de credores sem pagamento. No entanto, clientes insatisfeitos começaram a comentar em suas redes sociais sobre a continuidade das operações sob um novo nome. Uma investigação detalhada revelou que os donos estavam operando por meio de uma empresa paralela para manter os negócios ativos enquanto evitavam obrigações financeiras. A fraude foi exposta e os ativos da nova empresa foram bloqueados.

Caso de devedor com patrimônio oculto:

Neste caso, um indivíduo alegava incapacidade financeira para pagar suas dívidas, mas uma investigação digital revelou informações cruciais. O devedor foi localizado em fotos de um evento de Stock Car, o que indicava um estilo de vida bem diferente do que alegava em tribunal. Além disso, a equipe de investigação descobriu que ele possuía uma offshore no Uruguai, utilizava jatinhos particulares e tinha propriedades de luxo em Angra dos Reis e nos Estados Unidos, todas reveladas através de postagens e interações nas redes sociais.

Essas evidências foram fundamentais para derrubar a defesa de insolvência do devedor, demonstrando que suas alegações eram fraudulentas. A análise de comportamento digital, nesse caso, foi a chave para a recuperação do crédito, permitindo que as informações ocultas fossem trazidas à tona e utilizadas no processo judicial³ .

Exposição de estilo de vida incompatível com alegações de insolvência:

Em outro exemplo, um devedor que alegava incapacidade financeira foi monitorado pela e através de suas redes sociais, ele compartilhava fotos ostentando uma Ferrari, consumindo vinhos caros e viajando para destinos luxuosos. Essas evidências foram apresentadas à Justiça, resultando no bloqueio de seu passaporte, cartões de crédito e carteira de motorista, pressionando-o a negociar a dívida⁴‬ .  

Conclusão:

A utilização estratégica das redes sociais na recuperação de créditos vai além da simples coleta de informações. Ela revela-se uma ferramenta essencial para desmascarar devedores que, por diversas vezes, tentam esconder patrimônio ou distorcer sua real situação financeira. A combinação de técnicas de monitoramento digital com ferramentas avançadas de análise de dados não só amplifica a eficiência da busca por ativos, mas também torna possível detectar fraudes complexas, expondo a realidade que muitos tentam ocultar.

O que muitos não sabem é que, por trás de cada postagem, existe uma oportunidade de desvelar o que está oculto. A aplicação cuidadosa de tecnologias como inteligência artificial, combinada ao olhar experiente de uma equipe bem treinada, tem proporcionado resultados excepcionais, trazendo à tona ativos ocultos e repondo a justiça de maneira mais rápida e eficaz.

As possibilidades são tão amplas quanto ao alcance das redes sociais e dados da web – e a experiência na área garante ou ao menos esgota todas as possibilidades, para que a dívida seja paga.

Em um cenário onde os devedores contumazes adotam o lema “devo, não pago, nego enquanto puder”, a situação lembra um enredo de O Homem que Copiava – onde, em meio a trapaças e fraudes, a verdade acaba vindo à tona. A filosofia para quem trabalha na área é clara: “nega, mas paga quando eu te achar”.

Assim como o protagonista do filme tenta se esconder atrás de falsificações e artimanhas, os devedores tentam mascarar seu patrimônio. Mas, com abordagem estratégica, e a utilização de ferramentas de investigação e análise digital para revelar o que está oculto, trazendo à tona o que eles tentam esconder, o final não será outro.

Como em todo bom filme, a justiça sempre encontra seu caminho. Porque, no final das contas, não importa quanto tempo ou truques sejam usados – o desconforto será constante e embora o sistema judicial possa ser lento, a busca incansável pela verdade não deve cessar. 

 

¹ Fraude empresarial desmascarada: Investigação digital revela ocultação de patrimônio e penhora de Verbas Públicas.  EREsp 1874222.
²  https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/25042023-Corte-Especial-admite-relativizar-impenhorabilidade-do-salario-para-pagamento-de-divida-nao-alimentar. Acessado em 20/03/2025.
³ https://cgn.inf.br/noticia/17841/fotos-de-ostentacao-nas-redes-sociais-deduram-devedores. Acessado em 21/03/2025.
 ⁴‬  https://cgn.inf.br/noticia/17841/fotos-de-ostentacao-nas-redes-sociais-deduram-devedores. Acessado em 21/03/2025.

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