Artigos - Postado em: 06/05/2025

Como Proteger seus Créditos antes do deferimento do processamento da Recuperação Judicial

Por Rhuana Rodrigues César

A recuperação judicial é um instrumento previsto na Lei nº 11.101/2005, que permite a empresas em dificuldades financeiras reorganizarem suas dívidas e atividades para evitar a falência. 

No entanto, entre o pedido e o deferimento do processamento da recuperação judicial, há um intervalo crítico em que os credores precisam adotar medidas estratégicas para proteger seus interesses.

Esta fase inicial, que inclui a organização e apresentação dos documentos exigidos, bem como a análise preliminar pelo juiz, pode levar algumas semanas, mas, em casos mais complexos, pode se estender por alguns meses, sendo o tempo estimado entre 30 dias e 6 meses, a depender do tribunal do porte da empresa que pretende a recuperação.

Cenário Atual das Recuperações Judiciais no Brasil:

Em 2024, o Brasil registrou 2.273 pedidos de recuperação judicial, um aumento de 61,8% em relação a 2023. Pequenas e médias empresas foram as mais afetadas, com o setor de serviços liderando os pedidos. 

Só em janeiro de 2025, o número de pedidos de recuperação judicial foi de 162, um aumento de 8,2% em relação ao mesmo mês de 2024¹. Para 2025, espera-se que o número de recuperações judiciais continue crescendo, influenciado pelas altas taxas de juros e pelo aumento da inadimplência empresarial².

Neste contexto, recomenda-se a adoção de rotina para monitoramento da capacidade de pagamento dos clientes, podendo, dentre outras ações, serem tomadas as seguintes:

  • Coleta e análise de informações financeiras;
  • Consulta a bases de dados de crédito;
  • Avaliação de indicadores comportamentais;
  • Revisão periódica da análise de crédito e seus limites.

O Impacto do Deferimento do Processamento da Recuperação Judicial:

O deferimento do processamento da recuperação judicial marca o início formal do processo e gera efeitos importantes:

  • Suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor (stay period) por 180 dias, prorrogáveis em algumas situações. Com a suspensão, há a proibição de atos de constrição  por detentores de créditos sujeitos à recuperação: suspendem-se os atos de apreensão;
  • A Suspensão não afasta a exigibilidade da obrigação. Tem-se apenas sua execução suspensa. Assim, não afasta as inscrições em cadastro de inadimplentes ou protesto de títulos, por exemplo;
  • Suspensão do curso da prescrição das dívidas do devedor. Com a suspensão, credores não podem exigir do devedor o pagamento das obrigações anteriores à recuperação, mas há exceções, a saber:
    1. Ações que demandem quantias ilíquidas; 
    2. Reclamações trabalhistas; 
    3. Execuções fiscais; 
    4. Demandas arbitrais; 
    5. Credores titulares da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, proprietário ou vendedor de imóvel.
  • O pedido de recuperação judicial e o seu deferimento geram efeitos ex nunc, ou seja, ou atos práticos até o pedido permanecem válidos e eficazes. 

Assim, atos de penhora e valores consignados antes do ajuizamento do feito, praticados quando ainda inexistia qualquer efeito protetivo oriundo do processo de recuperação judicial, devem se manter íntegros, considerando que são legais e legítimos³;  

  • O processamento da recuperação judicial não suspende as ações de execução contra fiadores e avalistas do devedor principal;
  • Convocação dos credores para participar da assembleia geral e habilitação de créditos;

Na prática, o deferimento impede os credores de promover execuções e cobranças forçadas, o que torna o período anterior ao deferimento o último momento em que medidas podem ser adotadas sem essa restrição.

Medidas que o Credor Pode Tomar Antes do Deferimento:

Até o deferimento da recuperação judicial, os credores podem adotar estratégias para proteger seus créditos e mitigar riscos. Algumas das principais medidas incluem:

  1. Monitoramento do Processo e Análise das Garantias:
  • Obter informações sobre o pedido de recuperação judicial e acompanhar seu andamento no tribunal desde o início, para verificar se todos os requisitos foram cumpridos no pedido da empresa que pretende a recuperação;
  • Verificar se existem garantias reais (penhores, hipotecas, avais) que possam ser executadas antes da suspensão das execuções, pois como vimos anteriormente, os atos de constrição perfectibilizados, não podem ser anulados ou suspensos.
  1. Suspensão de Fornecimento e Renegociação de Contratos:
  • Se houver inadimplência, avaliar a possibilidade de suspender fornecimentos ou prestação de serviços com base no contrato, limitados aos valores e limites inicialmente acordados;
  • Exigir pagamento antecipado para novas vendas ou serviços. Diante de histórico de inadimplência, é prudente que o credor exija pagamento antecipado em transações futuras. 

Essa prática reduz a exposição ao risco e incentiva o cliente a regularizar sua situação financeira para restabelecer condições comerciais mais favoráveis;

  • Negociar condições mais seguras para o recebimento de créditos já existentes, condicionando o pagamento dos atrasados a liberação de novo crédito.

Considerações Importantes:

  • Notificação Prévia: Antes de suspender o fornecimento ou rescindir o contrato, é essencial notificar formalmente o cliente inadimplente, conforme os prazos e formas estabelecidos na legislação e no contrato e se houver a possibilidade de dano, requerer a medida judicialmente;
  • Cláusulas Contratuais Específicas: Incluir cláusulas que prevejam a suspensão de serviços, exigência de garantias adicionais ou pagamento antecipado em casos de inadimplência pode fortalecer a posição do credor.
  • Análise Jurídica: Consultar assessoria jurídica especializada é fundamental para garantir que as medidas adotadas estejam em conformidade com a legislação vigente e para evitar possíveis litígios.
  1. Ajuizamento de Ações e Medidas Cautelares
  • Além das ações de execução, os credores podem solicitar medidas cautelares, como o arresto de bens, para assegurar a futura satisfação de seus créditos. O arresto é uma medida que visa apreender judicialmente bens do devedor, evitando que ele disponha desses ativos de forma a prejudicar os credores;
  • Avaliar a viabilidade de medidas judiciais com rapidez para bloquear bens ou assegurar pagamento prioritário.

Além das ações de execução, os credores podem solicitar medidas cautelares, como o arresto de bens, para assegurar a futura satisfação de seus créditos. O arresto é uma medida que visa apreender judicialmente bens do devedor, evitando que ele disponha desses ativos de forma a prejudicar os credores. 

A jurisprudência brasileira tem reconhecido a validade de arrestos realizados antes do deferimento da recuperação judicial, garantindo aos credores uma posição mais segura na busca por seus direitos.

  1. Encerramento de Contratos
  • É essencial verificar se o contrato contém cláusulas resolutivas expressas que permitam a rescisão automática em situações específicas, como inadimplência ou risco financeiro elevado. 

A presença de tais cláusulas oferece ao credor a possibilidade de encerrar a relação contratual de forma mais segura e juridicamente embasada. 

Contudo, a validade dessas cláusulas pode ser questionada, especialmente se forem consideradas abusivas ou contrárias aos princípios da função social do contrato e da preservação da empresa;

  • Caso o contrato preveja a possibilidade de rescisão por inadimplência ou risco financeiro, o credor pode considerar encerrar a relação comercial antes do deferimento do processamento da recuperação judicial. Essa ação pode evitar futuras restrições impostas pela decisão judicial que defere o processamento da recuperação, momento a partir do qual há suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor, conforme o artigo 6º da Lei nº 11.101/2005.
  1. Participação na Assembleia Geral de Credores
  • Embora essa etapa ocorra após o deferimento do processamento, é essencial que os credores se preparem para a assembleia, estudando o plano de recuperação e buscando alianças com outros credores para defender interesses comuns, especialmente quanto ao deságio para cada categoria;
  • Avaliar a condição de credor parceiro (se houver possibilidade), vez que esta pode consideravelmente reduzir o deságio e pode ser negociado o pagamento antecipado e/ou a liberação de crédito proporcional ao pagamento dos valores atrasados.

A adoção dessas medidas requer uma análise cuidadosa e a orientação de profissionais especializados, visando assegurar que as ações tomadas estejam em conformidade com a legislação vigente e sejam eficazes na proteção dos interesses dos credores.

Conclusão

O período entre o pedido e o deferimento da recuperação judicial é a última janela de oportunidade para os credores tomarem medidas diretas para recuperar créditos ou mitigar riscos. 

Após o deferimento, a suspensão das execuções e a obrigatoriedade de negociação dentro do processo de recuperação restringem significativamente as opções dos credores.

A pergunta que fica é: você está preparado para agir durante esta última janela de oportunidade? O sucesso na recuperação de créditos não depende apenas de esperar por decisões judiciais, mas sim de uma abordagem estratégica e proativa. Cada dia conta. 

Cada decisão pode ser a diferença entre um prejuízo inevitável e a proteção eficaz do seu patrimônio.

Diante do cenário econômico desafiador e do crescimento dos pedidos de recuperação judicial, ignorar essa realidade pode custar caro. Por isso, a melhor defesa é a antecipação. Agir rapidamente e com estratégia não é apenas uma opção — é uma necessidade.

 

Caso queira continuar essa conversa comigo sobre esse assunto, este é meu Linkedin: https://www.linkedin.com/in/rhuanacesar/

 

¹ https://www.migalhas.com.br/quentes/425938/refletindo-alta-pedidos-de-recuperacao-subiram-8-7-em-janeiro Acessado em 16/03/2025.
² https://www.tmabrasil.org/blog-tma-brasil/noticias-em-geral/brasil-registra-em-2024-o-maior-no-de-pedidos-de-recuperacao Acessado em 17/03/2025.
³ AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C. C. COBRANÇA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. Irresignação contra o r. pronunciamento que indeferiu o pedido de desconstituição das penhoras e devolução dos valores. Cumprimento de sentença que busca o recebimento dos locativos e honorários fixados na fase de conhecimento que se originou antes de pedido de recuperação judicial. Natureza concursal que não se questiona. Execução que se operou em partes, com as impugnações às penhoras rejeitadas e, submetidas a recurso, confirmadas. Ato jurídico perfeito e acabado que não permite a desconstituição pelo deferimento da recuperação judicial da agravada, que não tem efeito retroativo. Recurso desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2002938-94.2024.8.26.0000; Relator (a):Dimas Rubens Fonseca; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível –14ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/03/2024; Data de Registro: 19/03/2024). 

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