Como garantir segurança na contratação com empresas em situação financeira delicada?

Por Luiza Gouveia Marques Dias

Imagine o seguinte cenário: uma empresa de logística, buscando atender à crescente demanda de seus clientes, decide contratar uma transportadora renomada. Os preços são atrativos, os serviços prometem agilidade, e a reputação da contratada inspira confiança. Tudo parece apontar para uma parceria de sucesso. No entanto, poucas semanas depois, surge uma notícia alarmante: a transportadora entrou em recuperação judicial.

Situações como essa são mais comuns do que se imagina. Empresas em dificuldades financeiras frequentemente recorrem à recuperação judicial como um último recurso para evitar a falência. Esse mecanismo, previsto pela legislação brasileira, visa permitir que as empresas reorganizem suas finanças, superem crises econômicas e mantenham suas operações. No entanto, a parceria com uma empresa nessa condição pode envolver riscos consideráveis, como atrasos na entrega de serviços e perdas financeiras significativas.

Por outro lado, contratar empresas em recuperação judicial pode trazer oportunidades, como condições comerciais mais favoráveis em troca de suporte durante sua reestruturação. Assim, identificar e mitigar riscos é essencial para garantir segurança jurídica e evitar prejuízos ao firmar contratos com parceiros em situação financeira delicada.

Principais Riscos na Contratação

O risco mais grave para contratantes é a convolação da recuperação judicial em falência, caso a empresa não consiga cumprir o plano de recuperação aprovado ou demonstre incapacidade de reestruturar suas finanças. Em tais casos, contratos podem ser interrompidos e créditos existentes submetidos ao processo falimentar, onde a prioridade de pagamento desfavorece credores sem garantias.

A Lei nº 11.101/2005 estabelece uma ordem de preferência para o pagamento de dívidas em caso de falência, priorizando créditos trabalhistas e fiscais, seguidos de créditos com garantias. Já os credores quirografários (sem garantias) ocupam as últimas posições na hierarquia, enfrentando menores chances de recuperação integral de seus créditos.

Como mitigar os riscos?

Para reduzir os riscos ao contratar empresas em situação financeira delicada, é essencial adotar garantias contratuais robustas e mecanismos jurídicos que protejam os interesses do contratante. A seguir, destacamos as principais estratégias:

Garantias Contratuais 

• Fiança Bancária: A fiança bancária constitui uma das garantias mais sólidas, já que envolve o compromisso de uma instituição financeira em assumir as obrigações do devedor em caso de inadimplência.

O artigo 49, §1º, da Lei nº 11.101/2005 protege as obrigações garantidas por fiança bancária contra os efeitos da recuperação judicial, garantindo ao credor maior segurança. Essa garantia é amplamente utilizada tanto por fornecedores, que a empregam para assegurar o pagamento de bens entregues, quanto por contratantes, que a utilizam para garantir a execução de serviços contratados.

• Alienação Fiduciária: Nessa modalidade, bens móveis ou imóveis são vinculados ao contrato e podem ser tomados pelo credor em caso de inadimplência, sem inclusão no processo falimentar.

O artigo 49, §3º, da Lei nº 11.101/2005 assegura que os bens alienados fiduciariamente não integrem a massa falida, permitindo ao credor recuperar os bens com agilidade.

• Cessão Fiduciária de Créditos: A cessão fiduciária de créditos é outra opção eficaz. Nessa modalidade, a empresa contratada transfere direitos sobre valores que tem a receber de terceiros, como pagamentos de clientes. Em caso de inadimplência, o contratante pode cobrar diretamente esses créditos cedidos, o que reduz os riscos de perda financeira.

Conforme o artigo 49, §3º, da Lei nº 11.101/2005, esses créditos não integram a falência ou o processo de recuperação judicial, oferecendo proteção adicional. Por exemplo, ao contratar uma transportadora em recuperação judicial, pode-se pactuar a cessão fiduciária de valores a serem recebidos de seus principais clientes, assegurando liquidez mesmo em caso de dificuldades financeiras da contratada.

A escolha da garantia mais adequada deve considerar a natureza do contrato, os riscos envolvidos e os bens disponíveis da contratada. Isso assegura maior eficácia na proteção do credor.

Créditos Pós-Recuperação

Quando a empresa contratada já está em recuperação judicial, as obrigações contraídas após o deferimento do processo são classificadas como créditos extraconcursais. Esses créditos possuem prioridade de pagamento em caso de falência, oferecendo maior proteção ao credor, já que não se submetem às regras aplicáveis aos créditos anteriores à recuperação judicial.

Monitoramento Contínuo

Incluir no contrato cláusulas que exijam a apresentação periódica de relatórios financeiros, como balanços e fluxos de caixa, pode ser determinante para acompanhar a saúde financeira da contratada. Esse monitoramento permite ao contratante identificar sinais de deterioração financeira e, se necessário, reforçar garantias. Além disso, um monitoramento constante demonstra maior controle sobre o contrato e permite respostas mais rápidas a eventuais situações de risco.

Recorrer a assessoria jurídica especializada pode fazer a diferença na construção de contratos sólidos e na escolha das garantias mais adequadas. Uma análise detalhada da situação financeira da contratada, associada ao conhecimento das nuances legais, reduz significativamente os riscos e amplia a segurança nas operações.

Contratar empresas em situação financeira delicada ou em recuperação judicial requer cautela, planejamento e estratégias bem definidas. O uso de garantias contratuais robustas, a segregação de obrigações e o monitoramento contínuo são ferramentas indispensáveis para minimizar riscos e proteger os interesses do contratante.

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