Artigos - Postado em: 03/11/2022

CARF muda seu entendimento e desonera empresas da contribuição previdenciária sobre PLR e Hiring Bonus

A discussão entre contribuintes e a Receita Federal do Brasil sobre a natureza jurídica dos pagamentos que são realizados para empregados e outros prestadores de serviços não é novidade no dia a dia das empresas brasileiras.

Por um lado, os contribuintes buscam identificar e qualificar cada um dos valores que são mensalmente pagos a todos aqueles que, por meio de seu trabalho pessoal, colaboram com o desenvolvimento da atividade econômica. A tentativa é de que os valores sejam corretamente entendimentos como indenizatórios, com a finalidade de evitar a incidência da conhecida – e onerosa – contribuição previdenciária patronal, com alíquota de 20% sobre sua folha de salários.

Por outro lado, a Receita Federal do Brasil tem uma forte tendência em considerar que a esmagadora maioria dos valores pagos pelas empresas nessa capacidade gozam de caráter remuneratório, ou seja, afetas a contraprestação pela atividade exercida.

Esse jogo de “soma zero” (para que a RFB possa ganhar o contribuinte tem, necessariamente, que perder, e vice-versa…) é, há muito, enfrentado pela jurisprudência administrativa e judicial, sob as mais diversas formas – são ou já foram discutidas, individualmente, aproximadamente 40 verbas pagas pelas empresas no Brasil.

O CARF, até por sua estrutura de desempate que era orientada pelo extinto voto de qualidade[1], possuía histórico de decisões em sua maioria desfavoráveis aos contribuintes, ampliando o conceito de verba remuneratória e majorando, em mesma medida, a base de cálculo das contribuições previdenciárias devidas pelas empresas e pelos contribuintes.

Essa era precisamente a situação com as verbas tão conhecidas pelo mercado como bônus de contratação (hiring bonus) e Participação em Lucros e Resultados (PLR).

O bônus de contratação, como o próprio nome diz, refere-se a uma bonificação paga pelo empregador com a finalidade de incentivo ao empregado para efetivação da relação laboral e por sua permanência – trata-se de figura muito popular no mercado financeiro e que, por vezes, é o grande diferencial que permite a atração de talentos.

Inobstante a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho pareça entender que referido pagamento, que não encontra previsão específica e inequívoca na legislação brasileira, possui natureza remuneratória, certo é que a jurisprudência do CARF era extremamente variável sobre a repercussão tributária do assunto.

Breve pesquisa ao histórico de julgamentos do tribunal administrativo demonstra intensa divergência jurisprudencial[2], até mesmo na Câmara Superior[3] do órgão – último grau de jurisdição administrativa no âmbito do contencioso tributário federal.

O exame detalhado das decisões, no entanto, torna possível afirmar que havia uma tendência majoritária em considerar que as luvas de contratação possuiriam natureza remuneratória, antecipando um pagamento que seria eventualmente feito ao longo do contrato com o empregado, motivo pelo qual ter-se-ia a incidência das contribuições previdenciárias.

Entretanto, não é possível superar a nítida constatação de que, em grande parte dos casos, o bônus de contratação não configura qualquer forma de antecipação, na medida em que não se pode concluir, de forma arbitraria, que esses mesmos valores seriam eventualmente pagos ao empregado – além da sua remuneração habitual, por óbvio.

Assumir essa premissa é o mesmo que antecipar a tributação de evento futuro e incerto sem qualquer respaldo na legislação – como ocorre em algumas hipóteses tributárias curiosas, como na substituição tributária para frente.

Com esse mesmo fundamento central, foram prolatadas recentes decisões pela 2ª Turma do CARF, cuja composição foi alterada há alguns meses, que alteraram a sua própria jurisprudência sobre o assunto, indicando que o tema aparentemente pode vir a se consolidar de forma favorável aos contribuintes – ao menos até que haja nova alteração da composição da Corte.

A maioria vencedora nos acórdãos[4] entendeu que esses valores nunca poderiam ser considerados remuneratórios, na medida em que não se prestam a fornecer qualquer contraprestação a uma atividade do empregado recém-contratado. Essa conclusão é reforçada sobretudo quando não há nem ao menos exigência quanto à permanência na empresa ou, tampouco, vinculação a atividade que será desempenhada.

A decisão, que demonstra uma tendência da jurisprudência da Câmara Superior do CARF, é relevante e deve ser objeto de atenção por todas as empresas que possuem a prática comercial de pagamento de bônus de contração e enfrentam o nocivo entendimento da RFB.

A alteração de sua jurisprudência em favor do contribuinte também ocorreu em recente caso que merece atenção: a incidência de contribuição previdenciária sobre o PLR pago a diretores não-empregados (ou mais comumente conhecidos como diretores estatutários).

São os gestores e executivos que, em geral, são contratados em razão de sua experiência e conhecimentos técnicos específicos que não são inseridos em uma relação de subordinação com a empresa, atuando de forma mais autônoma e independente na condução dos assuntos de interesse das empresas.

Sobre esse tema, a RFB possui firme entendimento no sentido de que a exclusão do PLR do âmbito de incidência das contribuições previdenciárias seria aplicável tão somente quando o pagamento é destinado a empregados, por uma interpretação dos dispositivos legais aplicáveis, que parecem conduzir a essa conclusão[5].

Esse era, também, a interpretação confirmada pelo CARF em diversas oportunidades[6].

Entretanto, a já mencionada 2ª Turma da Câmara Superior, novamente modificou o seu próprio entendimento com a finalidade de decidir favoravelmente ao contribuinte, considerando que a isenção das contribuições previdenciárias sobre PLR seria aplicável nos pagamentos feitos a empregados e não empregados, sobretudo em respeito à isonomia.

A decisão, completamente defensável, sobretudo se observado que é possível argumentar-se que a PLR não goza de natureza contraprestacional (não é paga para remunerar a atividade exercida pelo empregado), é mais um importante precedente que demonstra a orientação da atual composição da Câmara Superior do CARF e possibilitando maior segurança aos contribuintes sobre a composição da base de cálculo do oneroso tributo previdenciário.

As alterações na jurisprudência administrativa, embora não vinculantes, são relevantes e podem fornecer o subsídio necessário para que os contribuintes revejam a composição da base de cálculo das contribuições previdenciárias.

Caso haja necessidade de maiores esclarecimentos, nossa Equipe Tributária encontra-se à disposição.

 

CHENUT OLIVEIRA SANTIAGO  –  SOCIEDADE DE ADVOGADOS

Vitor S. Rodrigues

OAB/SP 381.261

 


[1] Aberração jurídica que foi extinta pela Lei n. 13.988/20, e cuja constitucionalidade foi confirmada pelo E. STF nas ADIs n. 6.399, 6.403 e 6.415.

[2] Acórdãos que entendem pela natureza remuneratória: 9202-008.525 (28/01/2020), 2201-005.314 (06/08/2019), 2201-005.160 (04/06/2019), 2202-005.188 (08/05/2019), 2202-005.193 (08/05/2019), 2202-005.054 (13/03/19), 2201-004.830 (16/01/19), 2202-004.830 (07/11/18), 2402-006.068 (03/04/18), 2402-006.049 (07/03/18), 2402-006.048 (07/03/18), 2202-003.438 (14/06/16), 2401-004.194 (08/03/16), 2401-¬003.708 (07/10/14) e 2302-002.843 (19/11/13); Acórdãos que entendem pela natureza indenizatória: 2402-008.097 (04/02/2020), 2402-007.616 (08/10/2019), 9202-007.637 (27/02/19), 2403-002.938 (11/02/15) e 2301-003.392 (14/03/13).

[3] Acórdãos divergentes: 9202-008.525 (28/01/2020) e 9202-007.637 (27/02/19).

[4] Acórdãos prolatados nos processos n. 16327.001665/2010 e 16327.001666/2010-12.

[5] Art. 28, §9°, da Lei n. 8.212/91 c.c. Lei 10.101/00.

[6] Acórdão n. 9202-010.029, 9202-009.921 e 9202-008.677.

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