Artigos - Postado em: 16/08/2019

Juristas divergem sobre o impacto da MP dos Balanços

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Enquanto alguns especialistas a consideram benéfica, outros alertam que falta de clareza à MP.

A Medida Provisória 892, que desobriga sociedades anônimas de publicar balanços e outros documentos em jornais impressos de grande circulação, divide opiniões de advogados e juristas quanto ao seu impacto.

Enquanto alguns especialistas a consideram benéfica, outros falam em falta de clareza em alguns pontos da MP, que já entrou em vigor, mas precisa ser votada no Congresso Nacional.

Para a advogada Diana Braga Nascimento Toscani, sócia coordenadora do Departamento de Direito Societário e Contratos Comerciais do BNZ Advogados, a MP é positiva.

“Do ponto da sustentabilidade, é bom porque gera menor consumo de folhas de papel e, portanto, menor impacto para o meio ambiente. E ainda: reduz os custos altos com publicação no Diário Oficial e veículos de circulação nacional”, afirma.

Diana Toscani não vê conflito jurídico, uma vez que a medida provisória altera a Lei das S/As e não tira a competência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado das companhias abertas. “A medida provisória não tira a competência da CVM, ou seja, cabe à CVM regulamentar a MP e definir a dispensa da publicação de balanços”, enfatiza.

Especialista em Direito Societário, Philippe Boutaud-Sanz, sócio fundador do Chenut Oliveira Santiago Advogados, observa que, ao inserir expressamente no texto da Lei das S.A. que “as publicações serão em sites da CVM e da entidade administradora do mercado em que os valores mobiliários da companhia estiverem admitidas à negociação”, e que “sem prejuízo do disposto no caput, a companhia ou a sociedade anônima disponibilizará as publicações ordenadas por esta Lei em seu sítio eletrônico”, a referida MP pode criar insegurança jurídica sobretudo para as sociedades anônimas de capital fechado, que não negociam valores mobiliários em mercado. “Isso porque não fica claro, pelo texto inserido por meio da MP, como essas sociedades deverão fazer as suas publicações”.

A essa insegurança jurídica acrescenta-se o fato de que a referida MP revogou o artigo 1º da Lei 13.818, de 24 de abril de 2019, que data de apenas três meses e que versava sobre a mesma matéria. “Destaque-se que esse artigo 1º nem sequer havia entrado em vigor: sua entrada em vigor estava prevista para 2022”, acrescenta Boutaud-Sanz.

De acordo com Adriana Conrado Zamponi, sócia de Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados, a alteração visa a simplificação do processo de publicação de documentos societários exigidos pela lei.

“A justificativa do governo para editar a medida é que essa formalidade e, consequentemente, este custo, não mais se justificam nos dias de hoje, dado o avanço tecnológico ocorrido desde a publicação da Lei das S.A., em 1976, e pelo fato de as companhias abertas já disponibilizarem ao mercado suas informações periódicas por meios eletrônicos, tanto na página da CVM quanto da bolsa. Por um lado, o mercado recebeu a notícia positivamente, na medida em que a obrigatoriedade legal para que todas as companhias publiquem seus atos societários em jornais representa uma barreira de entrada ao mercado de capitais e uma trava a uma maior adoção do tipo S/A por empresas de menor porte, dado o elevado custo dessas publicações. Por outro lado, os veículos de comunicação estão preocupados com os impactos financeiros da medida, pois grande parte de suas receitas provém da venda de espaços para publicações dos balanços e demais documentos das sociedades anônimas”, avalia.

A advogada constitucionalista Vera Chemim ressalta que a MP, a princípio, não contém ilegalidade flagrante. “Ao que parece, o pano de fundo é cortar custos para aquelas companhias, uma vez que as publicações serão eletrônicas e não demandarão mais a divulgação em jornais de grande circulação, como previstas até agora. Tais regras foram concretizadas na revogação dos parágrafos 1º, 2º e 3º, do artigo 19, da Lei nº 13.043, ao mesmo tempo em que foram inseridas no artigo 289, da Lei nº 6.404/1976 – denominada Lei das S/As – devidamente modificado para tal”, explica.

“Obviamente que essa MP impactará os jornais, do ponto de vista econômico, além de embaçar, de certo modo, a transparência daquelas informações por não serem mais divulgadas em jornais comuns. Assim, a publicação dos balanços e demais documentos empresariais restritos aos sítios eletrônicos previstos na MP acaba por ferir, sutilmente, o princípio da publicidade elencado no caput do artigo 37, da Constituição Federal de 1988. Por outro lado é forçoso admitir que a iniciativa acena para um futuro próximo sem papéis”, acrescenta Vera.

A especialista ressalta, ainda, que o caput e incisos I e II, do artigo 289, da Lei nº 6.404/1976 – Lei das S/As – já tinha sido modificado pelo artigo 1º, de uma lei recente do atual governo – Lei nº 13.818, de abril de 2019, em que se previa a publicação de documentos empresariais em jornais de grande circulação.

“Portanto, o artigo 289, caput e incisos I e II da Lei nº 6.404/1976 (modificado pela Lei nº 13.818/2019) serão revogados pela MP-892 juntamente com os seus §§ 6º e 7º, além da modificação dos seus outros parágrafos, na hipótese de esta ser aprovada pelo Congresso, o que contraria aquela recente modificação introduzida pela Lei nº 13.818 de abril do corrente ano”, explica a advogada.

A MP-892 ainda vai ser analisada pelas duas Casas do Congresso. “Inicialmente será debatida e aprovada ou não pelas respectivas Comissões Mistas e posteriormente pelo respectivos Plenários. Diante daquelas modificações tão recentes é provável que o Congresso as rejeite. É aguardar”, finaliza Chemim.

Wilson Sales Belchior, sócio do Rocha Marinho e Sales Advogados, avalia que toda alteração legal produz impactos sociais e econômicos que precisam ser acompanhados por “regras de transição”.

“Não é diferente em relação à mudança na publicação dos balanços das Sociedades Anônimas, que deixa de ser feita em jornais de grande circulação, conforme a MP 892/2019”, explica Belchior.

Segundo ele, um juízo de ponderação é necessário para que se acomodem, de um lado, as necessidades de desburocratização, convergência dos procedimentos às novas tecnologias, redução de custos e, de outro, o acesso à informação de uma forma tradicionalmente consolidada entre a população, o funcionamento de empresas de comunicação e o serviço prestado por elas.

Na avaliação de Rafael Lins e Silva Nascimento, sócio da área societária do escritório Costa Tavares Paes Advogados, a MP é bem sustentada do ponto de vista jurídico, em que pese o caráter questionável de tratar o tema por MP depois de o Congresso Nacional ter legislado sobre o tema tão recentemente.

Nascimento destaca que a MP atribui a um órgão administrativo o poder de editar normas infralegais que, eventualmente, poderão ser contrárias à disposição prevista em lei, o que fere o princípio da hierarquia das normas.

“Ademais, nota-se a instalação de uma contradição na norma societária, ao atribuir à CVM o poder de decidir a respeito da publicação e registro de atos que já estão indicados em outros dispositivos da própria lei como obrigatórios”, diz.

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