Artigos - Postado em: 08/06/2022

Exclusão de sócio por falta grave, é possível?

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A affectio societatis e a exclusão de sócio por falta grave

As sociedades limitadas, diferentemente do que ocorre nas sociedades anônimas, são marcadas pela pessoalidade dos sócios, os quais se reúnem para explorar, em conjunto, a atividade empresarial da sociedade. Uma evidência da pessoalidade presente nas sociedades limitadas é a existência do nome de cada um dos sócios no contrato social da sociedade, em contraposição à inexistência do nome dos acionistas no estatuto social da sociedade anônima.

Em que pese a estima recíproca entre os sócios de uma sociedade limitada não represente elemento essencial para a constituição ou para a manutenção de uma sociedade limitada, a colaboração entre os sócios é indispensável para a consecução dos fins da empresa. 

O elemento subjetivo mencionado acima, que une os sócios na intenção de constituir a sociedade e de permanecer na sociedade na qualidade de sócio é chamado de affectio societatis, conceito este impreciso sob o ponto de vista jurídico, mas que remete ao entendimento e compreensão mútua que une os sócios.

Ocorre, porém, que ao longo da existência da sociedade, e em razão dos desgastes envolvidos na atividade empresarial, é possível que surjam divergências entre um sócio e os demais sócios, culminando na perda da affectio societatis com relação a esse sócio. 

Considerando que affectio societatis, conforme mencionado acima, não é elemento essencial para a constituição da sociedade, nem para a permanência dos indivíduos na qualidade de sócios da sociedade, a perda da affectio societatis não é considerada pela legislação brasileira como motivo para a exclusão de um sócio pelos demais. Permitir o contrário equivaleria a consentir com a arbitrariedade da maioria dos sócios, os quais, fundamentando-se na perda da affectio societatis poderiam excluir um dos sócios minoritários por força de seu mero desejo.

A exceção à regra acima enunciada ocorre nos casos em que a quebra da confiança que ensejou a perda da affectio societatis configure em si falta grave ou ato de inegável gravidade que ponha em risco a continuidade da empresa, sendo certo que tanto a falta grave quanto o “ato de inegável gravidade que põe em risco a continuidade da empresa” são conceitos considerados, para o tema da exclusão do sócio, idênticos.  

Assim, concluímos não ser a mera antipatia ensejadora da exclusão do sócio, mas sim a imputação da falta grave ou do ato de inegável gravidade, conforme acima mencionado, ao sócio que se pretende excluir, o qual será, então, denominado “sócio excluendo”.

Da mesma forma que é impreciso o conceito de affectio societatis, também é impreciso o conceito de “falta grave” mencionado no artigo 1.030 e de “ato de inegável gravidade que põe em risco a continuidade da empresa” previsto no artigo 1.085 do Código Civil. Isso porque inexiste definição precisa desses conceitos na legislação brasileira.

Ainda que a falta grave não seja qualificada pela lei, é possível averiguar no que consiste uma falta grave por meio do contexto no qual inserida a conduta do sócio excluendo em comparação aos costumes da sociedade e o comportamento dos demais sócios. Trata-se, portanto, de análise a ser realizada no caso a caso.  

Ademais, é importante esclarecer que a falta grave deve se referir a uma conduta realizada no âmbito da sociedade, ou que, mesmo cometida antes do ingresso do sócio na sociedade ou fora do âmbito dela, repercuta na sociedade na forma de uma falta grave cometida na qualidade de sócio. Por essa razão, os sócios não podem apontar conduta pontual realizada antes do ingresso do sócio na sociedade como falta grave para fins de exclusão do sócio da sociedade.

Uma vez verificada a ocorrência de falta grave por um dos sócios, fica facultado aos demais proceder aos meios necessários para a sua exclusão, que poderá ocorrer por meios extrajudiciais ou, na impossibilidade de excluir o sócio pela via extrajudicial, mediante o ajuizamento de ação judicial para tanto.

Antes de tratar propriamente dos procedimentos para a exclusão do sócio faltante, importante ressaltar que a exclusão de sócio é medida grave e só pode ser utilizada em casos excepcionais, nos quais não é possível a manutenção do indivíduo no quadro societário da sociedade, sob pena de prejudicar os negócios da empresa. Dentre os princípios norteadores do tema temos a proporcionalidade, a razoabilidade e a igualdade de tratamento conferida a todos os sócios, indistintamente.

Esclarecemos que a exclusão  pela via judicial é permitida a todas as sociedades, ao passo que a exclusão extrajudicial é possível apenas na hipótese de tratar-se de sociedade limitada, em razão do dispositivo específico que trata sobre o tema, qual seja, o artigo 1.085, constar em capítulo específico destinado às sociedades limitadas no Código Civil.

Cometida falta grave por um dos sócios, é importante que ela seja repelida com rapidez, seja pela via judicial ou extrajudicial, para que a demora em proceder à exclusão não possa ser compreendida como perdão por parte da coletividade dos sócios em favor do sócio faltante.

No presente artigo tratamos apenas da exclusão extrajudicial, a qual apresenta dois principais requisitos: i) a existência de cláusula no contrato social da sociedade prevendo a exclusão de sócios por justa causa mediante deliberação dos sócios; e ii) a realização de assembleia convocada especificamente para deliberar a exclusão do sócio faltante, no caso de sociedades com mais de dois sócios.

No que tange à existência de cláusula no contrato social autorizadora da exclusão do sócio por falta grave mediante deliberação, para que seja possível a exclusão do sócio por deliberação da coletividade dos sócios, a falta deverá ser posterior à inclusão da cláusula no contrato social. O ordenamento jurídico, via de regra, veda que atos realizados no passado sejam punidos com base em novas regras.

Ainda, conforme acima tratado, será nula a cláusula que possibilite a exclusão do sócio pela mera vontade dos demais. Além disso, é recomendável que, quando da redação da previsão contratual, haja cautela para que sejam incluídos na redação exemplos do que constituiriam referidas faltas graves, sem que, contudo, as hipóteses de faltas graves se limitem aos exemplos listados.

No que se refere à deliberação dos sócios para deliberar a exclusão do sócio faltante, é indispensável que a exclusão do sócio contendo descrição detalhada da falta a ele imputada integre a ordem do dia. O conhecimento pelo sócio excluendo do teor das acusações contra si torna possível o exercício de seu direito de defesa, mitigando eventuais questionamentos de legalidade do processo de exclusão.

Nesse mesmo sentido, para possibilitar a defesa do sócio excluendo, a reunião em assembleia é indispensável no caso de sociedades com mais de dois sócios, sendo vedado aos sócios decidir a exclusão por escrito. 

No caso das sociedades com apenas dois sócios, as inovações introduzidas pela Lei nº 13.792/2019 (“Lei de Liberdade Econômica”) no Código Civil tornaram  dispensável a deliberação em reunião de sócios, a fim de evitar ineficiências relacionadas à obrigatoriedade de convocação de reunião para discussão da exclusão por, de um lado, o sócio acusador e, de outro, o sócio excluendo.

Por fim, uma vez convocada a deliberação,  ao sócio excluendo será facultado comparecer à reunião com direito à voz para que se defenda das acusações que lhe são feitas. Entretanto, não terá o sócio excluendo direito a voto, porquanto isso configuraria conflito de interesses, vedado pelo Código Civil no parágrafo segundo do artigo 1.074.

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