Artigos - Postado em: 01/06/2020

Cláusula take or pay na cadeia do gás natural

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A cadeia de fornecimento de gás natural envolve um conjunto de relações e incertezas provenientes de sua própria natureza e origem. O processo inicia-se na extração do gás natural, que pode gerar alguma insegurança, em virtude da complexidade dos processos necessários para a localização e delimitação da área produtora, e do próprio processo de extração.

Entre as décadas de 1950 e 1960 surgiu, nos Estados Unidos, o instituto jurídico que ficou conhecido como cláusula take or pay, decorrente de instabilidade na demanda por gás natural, que resultou em drásticas perdas financeiras para os produtores e investidores na cadeia de exploração de gás (quando a demanda baixava, as empresas deixavam de comprar dos produtores, e estes precisavam arcar sozinhos com o prejuízo gerado pelo excesso de volume produzido, tendo em vista que não existia nenhuma garantia contratual neste sentido).

No Direito Brasileiro, a Lei nº 10.312, de 27 de novembro de 2001, define a cláusula take or pay, em seu artigo primeiro, parágrafo quarto, como sendo a disposição contratual pela qual a pessoa jurídica vendedora compromete-se a fornecer, e o comprador compromete-se a adquirir, uma quantidade determinada de gás natural canalizado, sendo este obrigado a pagar pela quantidade de gás que se compromete a adquirir, mesmo que não a utilize. Essa obrigação de adquirir uma quantidade mínima de gás pode ser diária, mensal, trimestral ou anual, por exemplo, sempre observando as cláusulas contratuais. Quanto maior o período, maior a possibilidade de ajuste das flutuações das demandas ocasionais do consumidor, diminuindo a expectativa de compromisso efetivo da cláusula.

Assim, a cláusula take or pay é encontrada principalmente em contratos de médio a longo prazo, tendo a função de conferir mais segurança e previsibilidade à relação jurídica, funcionando como um mecanismo contratual que assegura o pagamento de uma quantidade mínima de gás natural, independentemente do seu consumo. Essa espécie de compromisso procura garantir o retorno do investimento para os fornecedores, além de proporcionar um melhor financiamento para infraestrutura da própria cadeia do gás natural.

Em resumo, a cláusula take or pay pode ser definida como uma cláusula que fixa um pagamento obrigatório mínimo a partir de uma quantidade de volume estimada com base na necessidade do comprador e tem como principal objetivo garantir a estabilidade no fornecimento do gás, tanto do ponto de vista do fornecedor, quanto do comprador. Uma das vantagens proporcionadas por esse tipo de mecanismo é a garantia de um fluxo de caixa mínimo para os fornecedores do produto.

No entanto, em determinadas hipóteses, a cláusula take or pay pode deixar de ser uma solução para transformar-se em um desafio, tanto para o comprador como para o fornecedor. Isso porque eventos supervenientes, imprevisíveis, podem alterar as bases jurídicas e econômicas observadas quando da celebração do contrato, de modo que a execução regular do take or pay, na forma originalmente fixada, torne-se insustentável para o fornecedor ou, na maioria das vezes, para o comprador.

Um bom exemplo para tal situação é a Pandemia Covid-19 que, infelizmente, implicou em uma retração econômica impensável poucos meses antes, causando grande instabilidade nas relações comerciais em escala global. Nesse cenário, a parte pode até mesmo pretender, como medida extrema, a resolução do contrato, ao fundamento de que sua execução se tornou excessivamente onerosa “em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis” (art. 478 do Código Civil).

De qualquer forma, tendo em vista que, em acordando uma quantidade mínima de aquisição de gás natural, ambas as partes assumem um compromisso, é sempre aconselhável ponderar sobre possíveis dispêndios que possam advir do pagamento de alguma penalidade decorrente da estipulação equivocada do volume a ser consumido e, portanto, do valor a ser pago, devendo tal ponto ser analisado cuidadosamente antes da assinatura do contrato.

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