Artigos - Postado em: 09/06/2022

Arbitragem em demandas societárias

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Por: Yasmin Peron Pereira

 

A arbitragem é um procedimento de resolução de conflitos extrajudicial, onde as partes buscam solucionar seus impasses por intermédio de uma ou mais pessoas – árbitros – sempre em número ímpar, e, às vezes, até mesmo por meio de um juiz togado, mas, ainda assim, fora do poder judiciário.

A convenção de arbitragem pode ser livremente convencionada pelas partes no contrato, antes do litígio – através da inclusão de uma cláusula compromissória, ou após o surgimento do litígio – através da celebração de um compromisso arbitral.

O árbitro ou árbitros têm a missão de solucionar o mérito do litígio de acordo com a lei escolhida pelas partes. No entanto, em caráter excepcional, esses poderão declarar um empate desde que as partes lhe atribuam essa missão específica – seria, então, um caso de composição amigável.

Dentre uma das maiores vantagens da eleição desse método de resolução de disputas, se destaca a obrigação de confidencialidade, sendo este, inclusive, em muitos casos, até um elemento fomentador da busca por essa alternativa, pois, em regra, a arbitragem é uma discussão privada cujo conteúdo é conhecido apenas pelas partes envolvidas no conflito. Na grande maioria dos casos, não há publicidade do procedimento, nem publicação da sentença, ou seja, terceiros não têm acesso aos termos e circunstâncias da matéria levada à arbitragem.

Contudo, uma recente alteração normativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), visando aumentar a transparência e a proteção aos investidores e acionistas minoritários das companhias, determinou que as companhias abertas com valores mobiliários negociados em mercados regulamentados registradas na categoria A, devem apresentar informações sobre demandas societárias instauradas, sejam elas, judiciais ou arbitrais, cujas partes sejam as próprias companhias, seus acionistas e/ou administradores.

Conforme disposto na Resolução CVM nº 80 de 29 de março de 2022, que teve sua vigência iniciada em 02 de maio de 2022, as companhias terão sete dias úteis para informar (por meio do Sistema Empresas.NET e no seu website) quais são as partes do processo, os valores, bens ou direitos envolvidos, os fatos principais e o que está sendo pleiteado. O texto deixa claro que a normativa é aplicável aos processos judiciais e arbitrais baseados na legislação societária ou do mercado de valores mobiliários, nas normas editadas pela CVM e/ou que envolvam direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. 

Além das informações destacadas acima, a norma passa a exigir que nos casos de demandas societárias objeto de procedimentos arbitrais, sejam divulgadas ainda, as seguintes informações: apresentação de resposta, celebração de termo de arbitragem ou documento equivalente que represente estabilização da demanda, decisões sobre medidas cautelares ou de urgência, decisões sobre jurisdição dos árbitros, decisões sobre inclusão ou exclusão de partes e sentenças arbitrais, parciais ou finais, bem como a divulgação sobre a celebração de quaisquer acordos realizados nas demandas em debate. Destaca-se, no entanto, que não é necessária a disponibilização do inteiro teor de tais documentos, mas, tão somente, a realização do informe.

Na hipótese de uma informação acerca da existência de demanda ou de algum de seus desdobramentos configurar ato ou fato relevante, nos termos estabelecidos em norma específica, a companhia não está isenta de divulgar tais eventos, portanto, o emissor deverá também observar os termos e prazos legais afetos a essa obrigação. Contudo, é facultado ao emissor divulgar apenas o aviso de fato relevante, desde que contenha todas as informações exigidas pelo Anexo I e esclareça que a divulgação se dá em atendimento tanto à presente norma como à norma específica sobre divulgação de informações sobre ato ou fato relevante.

Nesse sentido, resta claro que a inovação trazida pela norma em vigor não configura uma duplicação das obrigações de divulgação já existentes, visto que entabula um regime próprio de informação cuja essência não decorre somente da relevância preponderantemente econômica. 

Devido à sua natureza pautada na proteção de investidores e acionistas minoritários, a normativa acaba por viabilizar o exercício de direitos dos indivíduos a que se destina, tanto para ingressar nos procedimentos objetos da divulgação, quanto para suspender ações individuais na presença de demandas coletivas, uma vez que os legítimos interessados passam a conhecer e ter o poder de avaliar as questões que potencialmente os afetem, garantido o exercício de direitos processuais e materiais de acionistas minoritários em um cenário no qual o sigilo da tutela jurisdicional se tornou regra e a publicidade, exceção. 

No tocante ao sigilo das informações, a Autarquia se posicionou ainda em sede da Audiência Pública SDM 01/2021 – a qual tratou da alteração da Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009, para criação de um novo comunicado sobre demandas societárias – que as companhias não poderão se valer da cláusula de sigilo disposta nos regulamentos de câmaras arbitrais, convenções de arbitragem ou qualquer outra convenção, para deixar de cumprir com a divulgação do comunicado; posicionamento este que foi consagrado no parágrafo segundo do artigo 1º do Anexo I da Resolução recém editada.

Assim, tendo em vista que esse tipo de processo arbitral normalmente é conduzido por entidades autônomas, as quais costumam ter regras rígidas sobre o sigilo das causas, sendo esta, como já dito anteriormente, por vezes, a maior motivadora da adoção desse tipo de meio para conflitos societários – levando-se em conta o potencial impacto que uma demanda societária pode ter no mercado de capitais – mesmo antes da entrada em vigor da normativa, levantou-se alguns debates em torno de eventual possibilidade de conflito normativo entre as regras que estabelecem o sigilo das demandas arbitrais e a nova obrigação estabelecida pela CVM.

Diante disso, por se tratar de um tema novo, ainda sem jurisprudência formada por meio de decisões precedentes, é de suma importância que administradores e acionistas de companhias estejam atentos e atualizados quanto aos entendimentos da CVM, na qualidade de autarquia reguladora e fiscalizadora, no que tange a divulgação de informações relevantes, que devem ser realizadas de forma cuidadosa, clara, e, principalmente, tempestiva pelas companhias, a fim de conferir a transparência e a proteção almejadas pela autarquia no mercado de valores mobiliários.

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