Artigos - Postado em: 03/03/2023

As cláusulas contratuais como ferramentas de alocação de riscos e de limitação de responsabilidade

Os contratos representam compromissos  nos quais as partes assumem deveres e direitos a serem exercidos no futuro ou no momento de sua celebração.

Considerando que, em geral, os contratos documentam obrigações cuja execução se projeta no tempo, seu cumprimento está sujeito à ocorrência de eventos adversos e imprevisíveis, cuja probabilidade ocorrência aumenta em face de prazos de vigência contratual mais longos. Do mesmo modo, a vigência prolongada de um contrato também aumenta a possibilidade de ocorrência de desentendimentos entre as partes.

Na medida em que toda relação comercial apresenta um determinado grau de risco que, a depender das condições, poderá ser maior ou menor, os contratos comerciais, ao documentarem referidas relações, têm como uma de suas principais funções, garantir a segurança e previsibilidade no comportamento das partes. Assim, pode-se dizer que os contratos gerenciam os riscos do seu próprio descumprimento.

Para além de garantir o cumprimento das obrigações assumidas, os contratos também são importantes ferramentas de alocação de riscos. Para a adequada distribuição dos riscos do negócio e satisfação dos interesses das partes, é indispensável que os contratantes, assessorados por seus advogados, realizem, em primeiro momento, uma avaliação de sua própria aversão ao risco. Isso é especialmente importante quando consideramos que diferentes indivíduos têm distintos comportamentos e percepções com relação ao risco dos empreendimentos. Nesse sentido, há contratantes cujo perfil negocial é de aversão aos riscos e aqueles cujo perfil é apreciador de riscos.

A diferença de apetite pelo risco dos agentes no mercado é o que possibilita, inclusive, a celebração de alguns negócios que, caso fossem ambos os contratantes avessos ao risco na mesma intensidade, restariam inviabilizados. É o caso dos contratos de seguro celebrados por uma empresa voltada à exploração da atividades de mineração e uma companhia seguradora, por exemplo.

Uma vez realizada a avaliação de seu próprio perfil comportamental, passa-se à mensuração dos riscos do negócio pretendido. Referida mensuração é, conforme mencionado anteriormente, uma questão subjetiva e que é afetada pela forma com que os contratantes reagem à probabilidade de ocorrência de eventos adversos. É certo que a análise do risco está também intimamente ligada ao lucro esperado pela empresa com a exploração do negócio.

Mensurados os riscos do negócio pretendido e tomada a decisão de avançar com a contratação, faz-se necessária a elaboração de um documento que reflita as negociações havidas entre as partes e aloque os riscos da execução do contrato na forma de distribuição de responsabilidades e atribuição de consequências em face da ocorrência de eventos adversos durante a execução do contrato.

Um dos preceitos básicos da distribuição de responsabilidades é a alocação do risco ao contratante que é capaz de evitar a ocorrência da situação indesejada de maneira mais eficiente. Para além dessa solução, há que se falar também nos seguintes mecanismos de alocação de riscos a serem previstos contratualmente: i) delimitação do objeto do contrato e distribuição das responsabilidades das partes; ii) cláusula penal; iii) cláusula de inversão do ônus da prova; e iv) obrigação de contratação de seguro. Vejamos todas elas abaixo:

  • Delimitação do objeto do contrato e distribuição das responsabilidades das partes

A forma de descrever o objeto do contrato, isto é, as obrigações dos contratantes, é elemento fundamental na definição das responsabilidades das partes. Por meio desse mecanismo, é possível, por exemplo, definir o grau de diligência e os níveis do serviço contratados, além de transformar uma obrigação de realizar determinado serviço sem vinculação ao resultado – também chamada de “obrigação de meio” – em uma obrigação vinculada ao resultado, – chamada de “obrigação de resultado”.

Ademais, os contratantes podem, intencionalmente, excluir do escopo do objeto determinados aspectos da obrigação que não lhes sejam de interesse.

A jurisprudência dos tribunais brasileiros é clara no sentido de que, em contratos paritários, como é o caso dos contratos comerciais celebrados entre empresas, as partes são livres para definir o conteúdo do contrato da forma que melhor lhes convier, ressalvada a observância às normas de ordem pública e os direitos essenciais à natureza do negócio, que devem ser mantidos.

Nesse sentido, além de definirem o objeto do contrato, as partes são livres para distribuir entre si as responsabilidades inerentes ao negócio contratado. Questões como a quem caberá determinada providência, quais os direitos do contratante e do contratado, quem deve providenciar a obtenção de licenças e deveres e formas de noticiar determinados fatos, devem ser previstas no contrato, de forma a se evitar futuras infindáveis discussões.

Assim, o mais importante é que o objeto e as reponsabilidades do contrato sejam descritos da forma mais detalhada possível, definindo-se claramente as expectativas, entregas esperadas, prazos, etapas e obrigações acessórias a serem cumpridas.

  • Cláusula penal

A fixação de multa para o caso de inadimplemento de obrigações é um mecanismo que pode ter dupla função, a depender do tipo de penalidade estipulada. Assim, a pena estabelecida pode ter ou não o caráter compensatório. Quando a pena estabelecida é, por exemplo, uma multa, poderá servir apenas para penalizar a parte inadimplente, que deverá ainda ressarcir a outra parte pelos prejuízos que o seu inadimplemento tenha causado. Por outro lado, tendo a multa o caráter compensatório, o seu pagamento já pressupõe o ressarcimento dos prejuízos causados pelo inadimplemento.

Em qualquer hipótese, a cláusula penal também se presta a incentivar as partes a adimplirem pontualmente suas obrigações.

Quanto ao valor da multa, é importante seja fixado de maneira cuidadosa, não devendo ser excessivamente alto a ponto de se tornar abusivo, o que poderá resultar em sua anulação pelos tribunais. Por isso, há que se guardar proporcionalidade entre a multa e a infração que ela visa evitar.

  • Seguro

A inclusão de cláusula determinando a obrigação de contratar seguro é uma medida que serve, para o credor da obrigação, como uma garantia adicional. Por meio da contratação de seguro em seu benefício, as partes transferem a um terceiro, no caso, a empresa seguradora, os efeitos patrimoniais do inadimplemento das obrigações assumidas.

É importante ressaltar, ainda, que caso os prejuízos com o inadimplemento ultrapassem o valor da apólice contratada, o credor poderá pleitear, em juízo, o pagamento dos valores excedentes, salvo se houver no contrato a delimitação da responsabilidade da parte ao valor do seguro..

  • Ônus da prova

Apesar do artigo 373 do Código de Processo Civil estabelecer que o ônus de provar o fato sobre o qual se fundamentam as suas alegações incumbe a quem alega, não há qualquer vedação legal à distribuição do ônus da prova de forma diversa na celebração do contrato.

Em contratos comerciais que versam sobre direitos disponíveis, a distribuição do ônus da prova de maneira diversa do previsto no Código de Processo Civil é válida, desde que a demonstração das provas não se torne excessivamente difícil para uma das partes contratantes.

A implementação dos mecanismos acima descritos, ainda que não possa eliminar por completo os riscos do negócio pretendido pelos contratantes, colabora com a sua prevenção e mitigação.

Caso deseje se resguardar dos riscos envolvidos em determinada operação comercial, o Chenut Oliveira Santiago Advogados conta com equipes especializadas em diversas áreas de direito para a revisão e elaboração de contratos complexos.

Luiz Gustavo Rocha Oliveira Rocholi

Luiza Gouveia Marques Dias

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