Artigos - Postado em: 26/06/2024

A validade das normas coletivas sem autorização do MTE, em caso de prorrogação de jornada em atividade insalubre: uma realidade em construção

Por Cintia Batista Pereira

É necessária a autorização prévia da autoridade competente para prorrogação de jornada em atividade insalubre, quando há negociação coletiva sobre o tema?

A resposta a esta pergunta permeia uma séria de disposições constitucionais e legais. De um lado, o art. 60 da CLT estabelece que, qualquer prorrogação de jornada em ambiente insalubre somente poderá ser acordada mediante autorização prévia das autoridades competentes.

Por essa razão, muitas empresas, mesmo diante de instrumentos coletivos (seja acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho) legitimamente firmados pelos sindicatos representantes da categoria profissional correspondente, entendem ser necessária a autorização da autoridade competente para a prorrogação de jornada em ambiente insalubre.

Por atividade ou operação insalubre entende-se, nos termos do art. 189 da CLT, como “atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos”. E, de acordo com o art. 190 do mesmo diploma legal, o quadro de atividades insalubres é aprovado pelo Ministério do Trabalho.

Assim, com base nos artigos indicados acima, infere-se que, em tese, o empregador que exerce atividade insalubre somente poderia prorrogar a jornada de trabalho dos seus empregados com prévia autorização do MTE, mesmo diante da existência de um instrumento coletivo que o autorize.

Do outro lado, temos a Lei 13.467/2017, em vigor desde o dia 17/11/2017, que inseriu o art. 611-A à CLT, incluindo em seu inciso III a autorização do sindicato para negociar sobre a prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem autorização prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho.

E, de acordo com o disposto no art. 6º na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, uma nova lei produz efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, restando evidente, portanto, a extinção da necessidade de se obter autorização da autoridade competente para a prorrogação da jornada insalubre, nos casos em que a empresa possui instrumento coletivo firmado sobre o tema.

Importante pontuar, ainda, que a CF/88 reconheceu a validade das normas coletivas, bem como a flexibilização da jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento, sem nenhum outro condicionante, conforme se infere do seu art. 7º, inciso XIII. Assim, também sob a ótica constitucional, pode-se concluir que a previsão convencional acerca da prorrogação da jornada insalubre exime a necessidade de autorização das autoridades competentes.

Mas não é só! O STF, por meio de decisão proferida pelo E. STF – TEMA 1046 quando do julgamento do ARE1.121633, transitada em julgado em 09/05/2023, dispôs sobre a validade das negociações e acordos coletivos, confirmando a autonomia negocial coletiva desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis, dispostos no art. 7º da CF/88, e validando o art. 611-A, XIII da CLT.

E não há dúvidas de que os direitos aqui avaliados não são direitos indisponíveis pois, caso contrário, estariam incertos no art. 611-B da CLT, em que o legislador tornou ilícita a negociação sobre qualquer direito lá contido.

Não obstante, mesmo após a autorização constitucional e legal para a prorrogação de jornada insalubre por meio de negociação coletiva, sem necessidade de prévia autorização das autoridades competentes, devidamente convalidada pelo e. STF conforme decisão mencionada acima, não raro nos deparamos com decisões impondo a prévia autorização do MTE.

Entretanto, tais decisões se distanciam das novas diretrizes de liberdade e autonomia das negociações coletivas quanto ao tema, uma construção feita ao longo do tempo e sedimentada (ao menos esperava-se) com o recente posicionamento do e. STF.

A título de exemplo, colaciona-se a decisão do e. Ministro Douglas, que demonstra um protótipo para um dos caminhos que seremos conduzidos:

(…)

No caso presente, o Tribunal Regional invalidou a norma coletiva em que previsto o turno ininterrupto de revezamento em ambiente insalubre, sem prévia autorização da autoridade competente (CLT, art. 60, caput). Registrou que “em que pese as normas coletivas autorizando o turno ininterrupto de revezamento e prorrogação da jornada, sem a prévia licença do MTE, no presente caso, em que o autor trabalhava em ambiente insalubre, não há como atribuir validade ao turno ininterrupto de revezamento sob análise” (fl. 684).

Vale ressaltar que, nos termos do caput do art. 60 da CLT, nas atividades consideradas insalubres, quaisquer prorrogações só poderão ser acordadas mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho.

É certo ainda que esta Corte Superior sedimentou, em data anterior à vigência da Lei 13.467/2017, o entendimento de ser inválido o acordo de compensação em atividade insalubre, sem a permissão da autoridade competente (CLT, art. 60, caput), ainda que previsto em norma coletiva, conforme diretriz do item VI da Súmula 85/TST.

Ocorre que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 02.06.2022 (Ata publicada no DJE de 14/06/2022), ao julgar o Recurso Extraordinário com Agravo 1.121.633 (Relator Ministro Gilmar Mendes), com repercussão geral, decidiu pela constitucionalidade das normas coletivas em que pactuada a restrição ou supressão de direitos trabalhistas, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis, independente da fixação específica de vantagens compensatórias.

No referido julgamento, o STF apreciou a validade de normas coletivas em que suprimidos direitos relativos às horas in itinere, cujo pagamento encontrava previsão no art. 58, § 2º, da CLT, na redação anterior à vigência da Lei 13.467/2017.

(…)

Verifica-se que a matéria em debate – validade de norma coletiva em que previsto o regime ininterrupto de revezamento – guarda pertinência com o Tema 1046 do Ementário de Repercussão Geral do STF, objeto de recente decisão proferida pelo Plenário daquela excelsa Corte (julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo 1.121.633), em que firmadas as diretrizes para a validade de normas coletivas com previsão de limitação ou supressão de direitos.

Assinalo ainda que, versando a norma coletiva em debate sobre a possibilidade da extensão da jornada de trabalho em local insalubre – é certo que diz respeito a direito disponível, passível de limitação ou redução por norma coletiva, cumprindo destacar, por oportuno, o disposto nos incisos XIII e XIV do art. 7º da Constituição Federal.

(…)

De igual modo, o art. 611-A, XIII, do mesmo diploma também passou a consagrar a prevalência do negociado sobre o legislado em matérias concernentes à “prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho”.

(…)

Diante do exposto, configurada a transcendência política, CONHEÇO do recurso de revista por ofensa ao art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, e, no mérito, DOU-LHE PROVIMENTO para, reconhecendo a validade do regime em turno ininterrupto de revezamento em atividade insalubre, previsto em norma coletiva, excluir da condenação o pagamento de horas extras excedentes da 6ª diária e horas extras com adicional para aquelas laboradas além da 36ª hora semanal e respectivos reflexos.

(PROCESSO Nº TST-AIRR-11439-30.2015.5.01.0551 – Min. Douglas Alencar Rodrigues. DJET 04/05/2023).”

Tem-se assim que, após a vigência do art. 611-A da CLT, somado ao julgamento do E. STF quanto ao Tema 1046, tornou-se desnecessária a autorização da autoridade competente para prorrogação de jornada em ambiente insalubre, quando devidamente constante e negociado em instrumento coletivo da categoria profissional.

Sustentar o contrário, como algumas decisões judiciais ainda insistem em fazer, seria negar validade ao que foi expressamente estipulado e corresponderia à própria negação das prerrogativas sindicais insculpidas nos incisos III e VI, do artigo 8º, da CF/88.

Trata-se, portanto, de uma realidade em construção, para a qual espera-se breve pacificação por parte dos Tribunais pátrios.


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