Artigos - Postado em: 05/01/2023

A Interpretação da Cláusula de Não Concorrência

A cláusula de não concorrência é um importante instrumento jurídico para coibir atos de concorrência desleal entre contratantes e é utilizada tanto em contratos trabalhistas, em que há a obrigação do empregado de se abster de concorrer com o antigo empregador, quanto em contratos empresariais e em documentos societários, como no caso de contratos de parceria, contratos de compra e venda de estabelecimento, acordos de sócios (no caso das sociedades limitadas) e acordo de acionistas (no caso das sociedades anônimas), por exemplo.

É importante ressaltar que a livre iniciativa é apontada no caput do artigo 170 da Constituição Federal de 1988 como fundamento da ordem econômica nacional, o que significa um esforço de construção de uma política pública pautada na defesa da livre concorrência, conforme elencado no inciso IV do mesmo artigo.

Disso decorre, portanto, o entendimento de que a regra é a concorrência e a restrição à concorrência deve ser medida excepcional, empregada apenas na medida do necessário para coibir eventuais abusos de poder econômico.

Isso porque, limitar demasiadamente a concorrência entre agentes econômicos pode causar prejuízos à economia, haja vista que um cenário de concentração econômica excessiva pode trazer ineficiências ao mercado, tais como baixo grau de inovação tecnológica, elevação nos preços e qualidade inferior nos serviços prestados.

Considerando que a limitação da concorrência é medida excepcional e que deve atender certos limites para não ser abusiva e para não gerar prejuízos ao mercado, o entendimento consolidado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – sobretudo nas Câmaras de Direito Empresarial – bem como no Superior Tribunal de Justiça e também na jurisprudência administrativa prévia realizada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica sobre a limitação da concorrência é firme no sentido de que devem ser observados critérios objetivos para que a obrigação de não concorrer seja válida, os quais serão explorados abaixo:

  • Interpretação restritiva e literal:

Em primeiro lugar, os tribunais judiciais e administrativos brasileiros entendem que há de ser conferida interpretação restritiva e literal às cláusulas de não concorrência. Isso é especialmente importante quando consideramos que interpretações ampliativas podem estender o alcance das cláusulas para além do que foi estritamente acordado pelos contratantes ao momento da celebração do contrato, beneficiando um dos contratantes em detrimento do outro e restringindo, por conseguinte, a livre iniciativa.

É desejável, ainda, que a redação da cláusula de não concorrência seja a mais completa e precisa possível, vez que somente é considerado pelos julgadores a redação em sua literalidade, restando defesa a busca pelos julgadores de intenções que não as expressamente manifestadas nos contratos.

Como exemplo da importância da completude das redações das cláusulas de não concorrência, podemos mencionar o julgamento da Apelação Cível 1013902-98.2017.8.26.0004, no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo. No acórdão, os magistrados pontuaram que a única imposição expressamente assumida pela ré foi a proibição de contratar funcionários da autora, não havendo dispositivos expressos quanto à proibição de celebrar contratos com clientes, sendo, portanto, a contratação com a clientela da autora, lícita.

No que tange à precisão na redação, há de se mencionar dois julgados em que, dada a imprecisão empregada nos termos da cláusula, a validade da obrigação de não concorrer restou prejudicada. Trata-se da Apelação Cível 1003823-94.2015.8.26.0565 do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Ato de Concentração nº 08700.012594/2015-19 analisado pelo CADE.

Na Apelação Cível 1003823-94.2015.8.26.0565 entendeu-se que a cláusula de não concorrência, ao utilizar os termos “herdeiros” e “sucessores” e não “filhos”, apenas proibiu a concorrência pelos parentes após a morte dos contratantes, não havendo disposições sobre a concorrência pelos filhos durante a vida dos genitores.

Já no Ato de Concentração mencionado, a ausência de definição clara e objetiva do termo “atividade concorrente” redigido na cláusula de não concorrência tornou-a sem efeito, uma vez que não é permitido que a indefinição das atividades abra margem para interpretações ampliativas dos mercados atingidos.

  • Limitação temporal:

Com relação à limitação temporal, é importante esclarecer que a vedação à concorrência não pode ser vitalícia, sob pena de ser considerada abusiva. O limite temporal deve ser estabelecido na medida do adequado à proteção da clientela, sendo, muitas vezes, concedido o prazo máximo de 05 anos.

É nesse sentido o entendimento da Súmula nº 5 do CADE: “É lícita a estipulação de cláusula de não concorrência com prazo de até cinco anos da alienação de estabelecimento, desde que vinculada à proteção do fundo de comércio”.

  • Limitação geográfica:

A análise criteriosa do espaço geográfico em que determinada sociedade exerce suas atividades empresariais é fundamental ao momento da redação da cláusula de não concorrência. A jurisprudência judicial e administrativa tem manifestado o entendimento de que é abusiva a cláusula de não concorrência que impede a atuação do contratante em áreas não exploradas pela outra parte.

A cláusula de não concorrência deve se limitar às áreas de atuação da empresa contratante, na medida em que visa proteger a exploração da sua atividade. Proibir a exploração comercial de uma determinada região em que a empresa não exerce suas atividades é considerado pelos tribunais brasileiros abusivo, sendo rechaçadas cláusulas com previsões do tipo.

  • Limitação de atividade ou escopo:

Com relação às atividades exploradas, ao entenderem que a cláusula de não concorrência deve ter como objetivo tão somente a proteção da clientela dos contratantes, a jurisprudência estabelece que a obrigação de não concorrer deve se restringir aos mercados explorados pela empresa, sendo vedada a proteção de mercados ainda não explorados. É nesse sentido o acórdão proferido no âmbito do Ato de Concentração nº 08700.012594/2015-19.

  • Remuneração:

Em que pese a previsão de contrapartida nos contratos empresariais não seja requisito fundamental para a validade da cláusula de não concorrência, é importante esclarecer que o pagamento de remuneração pelo tempo em que vigente a obrigação de não concorrer é entendido, pelos tribunais brasileiros, como um elemento que reforça a não concorrência pactuada.

Já nos contratos de trabalho, para que a vedação de exercer a atividade seja válida, é fundamental que haja remuneração compatível com o sacrifício imposto pela obrigação de não concorrer, além de dever ser a obrigação limitada temporalmente e espacialmente, conforme o acórdão proferido no âmbito do Agravo de Instrumento nº 2138607-90.2022.8.26.0000, do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Conclui-se, portanto, que havendo dúvida acerca dos limites de uma cláusula de não concorrência, a dúvida deve se resolver em prol da livre iniciativa e da livre concorrência, mandamentos constitucionais pela Constituição Federal de 1988.

Caso haja a necessidade de esclarecimentos adicionais sobre a redação de cláusulas versando sobre a limitação da concorrência, nossa equipe de consultoria empresarial encontra-se inteiramente à disposição.

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