Por Rhuana César
1. Introdução.
O Brasil enfrenta uma realidade preocupante de inadimplência empresarial. As
sucessivas crises econômicas, somadas a problemas de gestão e desequilíbrios
financeiros, têm criado um cenário cada vez mais desafiador para empresas que
precisam receber seus créditos.
Os números são alarmantes: em maio de 2025, o número de inadimplentes alcançou
70,73 milhões de pessoas físicas — 42,59% da população adulta —, com crescimento
anual de 6,28% e aumento de 11,15% no total de dívidas em atraso em comparação a
maio de 2024. O número médio de credores por consumidor inadimplente foi de 2,18,
com dívidas médias acima de R$ 4.600,00 por pessoa1
.
Trata-se do maior patamar de negativados já registrado desde o início da série
histórica, evidenciando um ambiente macroeconômico de alta restrição ao crédito e
perda de capacidade de pagamento por parte das famílias brasileiras.
E as projeções para o segundo semestre de 2025 e para o ano de 2026 apontam
continuidade da elevação da inadimplência, especialmente diante do aumento do
endividamento familiar.
O quadro se torna ainda mais crítico quando observamos que 77,6% das famílias
brasileiras estão endividadas, segundo a CNC, com quase um terço delas tendo contas
em atraso. As perspectivas para 2026 não são animadoras, especialmente se novos
programas de crédito forem lançados2
.
A própria CNC estima que esse percentual se mantenha elevado ou cresça, caso
novos programas de crédito popular venham a ser implementados, aumentando ainda
mais o comprometimento da renda.
Esse ambiente impacta diretamente a saúde financeira das empresas credoras e
evidencia a urgência da adoção de estratégias jurídicas mais eficazes para
responsabilização patrimonial dos devedores.
1 Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e SPC Brasil. Mapa da Inadimplência e
Renegociação de Dívidas. Maio de 2025. Disponível em: https://site.cndl.org.br/com-recorde-historico-
inadimplencia-atinge-7029-milhoes-de-consumidores-em-abril-aponta-cndlspc-brasil. Acesso em: 05 ago.
2025.
2 Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Pesquisa de Endividamento
e Inadimplência do Consumidor – PEIC. Abril de 2025.
Disponível em: https://www.cnc.org.br/sites/default/files/2025-05/PEIC-abr25.pdf. Acesso em: 05 ago.
2025.Nesse contexto, as empresas credoras precisam buscar alternativas jurídicas mais
eficazes para recuperar seus valores. Um problema comum é encontrar empresas
devedoras formalmente constituídas, mas sem patrimônio suficiente para quitar suas
dívidas – seja por má gestão ou por esvaziamento proposital.
Esse esvaziamento patrimonial, muitas vezes deliberado ou resultante de gestão
ineficiente, exige do credor um olhar mais técnico e jurídico sobre as obrigações
assumidas no momento da constituição da sociedade por tais devedores.
É aqui que entra uma estratégia pouco explorada: a análise da integralização do capital
social. Quando os sócios não cumprem sua obrigação básica de integralizar o capital
prometido, surge uma possibilidade concreta de responsabilizá-los diretamente, sem
precisar recorrer à complexa desconsideração da personalidade jurídica.
Isso porque a falta de integralização configura inadimplemento autônomo, apto a
ensejar a responsabilização direta dos sócios, independentemente da instauração de
incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Trata-se de uma responsabilidade objetiva e documental, que pode ser arguida com
base nos registros societários e reforçada pela inércia dos sócios em demonstrar o
cumprimento de seus aportes, quando intimados a fazê-lo (situação muito comum na
prática).
Casos comuns incluem sociedades limitadas com capital social elevado formalmente
registrado, mas sem comprovação de qualquer aporte efetivo, bem como empresas
desativadas com passivos relevantes ou, ainda, pessoas jurídicas operacionais que
ocultam a ausência de integralização por meio da informalidade contábil.
Em tais hipóteses, a responsabilização direta dos sócios pelo capital não integralizado
surge como via legítima e estratégica para viabilizar a satisfação do crédito, ou ao
menos parte deste, evitando, inclusive, os riscos sucumbenciais de uma
desconsideração da personalidade jurídica quando se tem muito claro o cenário de
confusão patrimonial, por exemplo.
Este artigo vai explorar como usar essa estratégia para aumentar as chances de
recuperar créditos, analisando a legislação brasileira e mostrando como ela se
diferencia da desconsideração da personalidade jurídica.
2. Fundamentos legais.
2.1 Integralização obrigatória do capital social.
A integralização do capital social é cláusula constitutiva essencial em sociedades
limitadas pois, ao firmar o contrato social, cada sócio subscreve quotas e compromete-
se a aportar os valores ou bens acordados, seja à vista ou em prazo determinado.Nesse sentido o art. 1.055, §1.º, do Código Civil estabelece:
“O capital social deve ser integralizado pelos sócios nos prazos
estipulados no contrato social.”
Já o art. 1.052 impõe que:
“Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao
valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela
integralização do capital social”
A norma, portanto, cria uma exceção expressa ao princípio da limitação da
responsabilidade, pois enquanto o capital subscrito não for integralmente aportado, os
sócios permanecem conjuntamente responsáveis pelo remanescente não integralizado,
o que afasta a limitação patrimonial individual.
E essa responsabilidade solidária por incompleta integralização tem respaldo
doutrinário firme. Gonçalves Neto e coautores, por exemplo, destacam que mesmo
aqueles sócios que integralizaram integralmente sua quota respondem pelo montante
subscrito pelos demais que não o fizeram, confira:
“Ainda que um dos sócios já tenha integralizado o total de sua
participação, poderá ser responsabilizado por eventual inadimplemento
dos demais, tendo em vista a responsabilidade solidária pela
integralização do capital social.”3
E por que isso importa para o credor?
Em execuções frustradas, especialmente contra sociedades limitadas que não
possuem bens penhoráveis identificáveis, o exame do capital social pode representar
uma estratégia decisiva para romper a inércia processual, afastar o risco da prescrição
e conseguir recuperar ao menos parte dos valores devidos.
No dia a dia, vemos muitas empresas com capital social alto no papel – R$ 200 mil, R$
500 mil, R$ 1 milhão – mas sem nenhuma prova de que esse dinheiro realmente entrou
na empresa. Isso não só fere a transparência empresarial como também descumpre
uma obrigação legal.
Nesses casos, a certidão simplificada da Junta Comercial e o próprio contrato social
funcionam como instrumentos probatórios iniciais, pois a ausência de averbação da
3
— GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis; ANTONIK, Mauricio Fernandes; RIBEIRO, Rafael Nichele.
Responsabilidade dos sócios nas sociedades limitadas. Revista da AJURIS, v. 46, n. 148, p. 71-95,
jan./abr. 2019. Disponível em:
https://revistadaajuris.ajuris.org.br/index.php/REVAJURIS/article/view/730/430integralização ou de alterações posteriores indicando o cumprimento da obrigação
serve como indício robusto de inadimplemento.
Na prática jurídica é muito comum que contratos sociais permaneçam intocados por
anos, mesmo após o vencimento do prazo de integralização fixado na cláusula
contratual e é aí que pode o credor encontrar uma brecha para buscar atingir o
património dos sócios.
O Superior Tribunal de Justiça e diversos Tribunais Estaduais como TJGO, TJDFT,
TJSP e TJDFT, dentre outros, têm consolidado o entendimento de que a ausência de
integralização do capital autoriza a responsabilização solidária dos sócios, até o limite
do valor não aportado — e, mais relevante, sem necessidade de incidente de
desconsideração da personalidade jurídica.
O julgado do TJGO, AI N. 5069112-83.2023.8 .09.0051, é exemplar, confira-se ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 5069112-83.2023.8 .09.0051 COMARCA :
GOIÂNIA 4ª CÂMARA CÍVEL AGRAVANTE : STELLA CRISTINNA DA SILVA
AGRAVADA : PRODATA INFORMÁTICA LTDA RELATORA : DESª.
BEATRIZ FIGUEIREDO FRANCO EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO.
EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL . AUSÊNCIA DE
INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL DA EMPRESA EXECUTADA.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS SÓCIOS. ARTIGO 1.052, CÓDIGO
CIVIL . DESPROVIMENTO. 1. Nos termos do art. 1 .052 do Código Civil, se o
capital social da sociedade limitada não for completamente integralizado,
todos os sócios respondem solidariamente (com seus patrimônios pessoais),
pelo valor remanescente, e não pela integralidade de eventual débito em
execução. 2. Ausência de prova nos autos da integralização do capital social
da executada Dasa Engenharia e Transporte LTDA. ? responsabilidade direta
das sócias da empresa – que independe do procedimento de desconsideração
da personalidade jurídica . 3. Recurso desprovido. (TJGO 5069112-83.2023
.8.09.0051, Relator.: DESEMBARGADORA BEATRIZ FIGUEIREDO
FRANCO, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 31/07/2023)
Esse caminho tem se mostrado uma excelente alternativa para empresas credoras,
advogados e departamentos jurídicos que enfrentam dificuldades com cobranças
estagnadas.
A responsabilização por não integralização do capital social não só permite redirecionar
a execução, mas também dá mais força na hora de negociar com os devedores fora do
tribunal. Afinal, quando os sócios percebem que seu patrimônio pessoal pode ser
atingido por uma obrigação que está claramente documentada, ficam mais abertos ao
diálogo.
Além disso, ao contrário da desconsideração da personalidade jurídica — que exige
dilação probatória e, muitas vezes, se arrasta por anos, podendo ainda ensejar
contingências para os credores —, o pedido de intimação dos sócios paracomprovação do aporte pode ser formulado em manifestação simples no próprio bojo
da execução, com base no art. 1.055, §1.º do Código Civil, e art. 373, §1.º do CPC
(distribuição dinâmica do ônus da prova).
E se os sócios não comprovarem, a jurisprudência majoritária já autoriza sua inclusão
no polo passivo da execução, conforme precedentes examinados neste artigo.
Veja-se algumas decisões nesse sentido:
EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – INCIDENTE DE
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – Decisão que
indeferiu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da empresa
devedora – Insurgência do exequente – Parcial cabimento – Hipótese em que
não restou comprovada a ocorrência de desvio de finalidade ou confusão
patrimonial – Insolvência da empresa devedora que, por si só, não permite a
desconsideração de sua personalidade jurídica, nos termos do art. 50, do
Código Civil – No caso, contudo, observa-se que a exequente pleiteou o
atingimento do patrimônio pessoal dos sócios da devedora ao argumento de
que o capital social da sociedade limitada não foi totalmente integralizado –
Sócios que respondem solidariamente pela integralização do capital social,
nos termos do art. 1.052, do Código Civil – Ausência de integralização que
permite a responsabilização dos sócios pelas dívidas sociais, observado o
limite do valor faltante para complementação do capital social – Precedente
do E . TJSP – Certidão emitida pela Junta Comercial do Rio de Janeiro que
demonstra a ausência de integralização de valores pelos sócios – Sócios que,
intimados especificamente para comprovar a integralização do capital social,
limitaram-se a alegar que depositaram quantias em favor da empresa, sem,
contudo, apresentar qualquer recibo ou elemento que comprovasse a efetiva
entrega de numerários – Possibilidade de inclusão dos sócios no polo passivo
da execução para que respondam pelo débito executado, até o limite do
capital social não integralizado – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSP – AI: 20610040920208260000 SP 2061004-09.2020.8 .26.0000,
Relator.: Renato Rangel Desinano, Data de Julgamento: 11/05/2020, 11ª
Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/05/2020)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
INSURGÊNCIA CONTRA DECISÃO DE INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE
REDIRECIONAMENTO DA DEMANDA EXECUTIVA A SÓCIO.
RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA POR AUSÊNCIA DE
INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL ( CC, ART . 1.052). PENDÊNCIA
DE INTEGRALIZAÇÃO REGISTRADA NA JUNTA COMERCIAL, SEM
ANOTAÇÃO DE SATISFAÇÃO. SÓCIO QUE SILENCIA DIANTE DA
INTIMAÇÃO PARA COMPROVAR O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO .
INCLUSÃO NO POLO PASSIVO DA EXECUÇÃO DEVIDA, OBSERVADO O
LIMITE DO MONTANTE NÃO INTEGRALIZADO. DECISÃO REFORMADA.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n .
5006610-16.2024.8.24 .0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel.
Renato Luiz Carvalho Roberge, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 12-11-2024).
(TJSC – Agravo de Instrumento: 50066101620248240000, Relator.: RenatoLuiz Carvalho Roberge, Data de Julgamento: 12/11/2024, Sexta Câmara de
Direito Civil)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL.
INCLUSÃO DOS SÓCIOS DA SOCIEDADE EXECUTADA NO POLO
PASSIVO. SOCIEDADE LIMITADA . SÓCIOS QUE NÃO COMPROVARAM A
INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA
DO ART. 1 .052 DO CC. OBRIGAÇÃO DOS SÓCIOS QUE É LIMITADA
DESDE QUE INTEGRALIZADO O CAPITAL SOCIAL. DESNECESSIDADE
DE INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE PERSONALIDADE JURÍDICA.
REFORMA DA DECISÃO . Cinge-se a controvérsia a verificar a possibilidade
de responsabilização pessoal dos sócios da pessoa jurídica, diante da
ausência de integralização do capital social, sem a instauração de incidente
de desconsideração da personalidade jurídica. Na origem, trata-se de ação de
execução por título executivo extrajudicial movida por ARENA INDÚSTRIA E
COMÉRCIO DE CALCADOS LTDA, ora agravante, em face de AMERICA’S
SHOES 257 LTDA – ME, ora agravada, visando o pagamento de dívida no
valor histórico de R$ 5.554,70. No decorrer da execução, foi informado pelo
oficial de justiça que a sociedade não mais exerce suas atividades no
endereço constante de seu cadastro (doc . 44). O exequente requereu, então,
a realização de arresto, o qual restou infrutífero. Posteriormente, o exequente
requereu a intimação dos sócios da pessoa jurídica para que comprovassem
a integralização do capital social, sob pena de responderem pela dívida até o
limite do capital não integralizado, conforme petição de fls. 128 dos autos
principais . O pedido foi deferido pelo magistrado (fls. 141), e, efetuada a
diligência, os sócios permaneceram inertes (fls. 152 e 153). O exequente
postulou, então, a inclusão dos sócios no polo passivo, para que respondam
pessoalmente pela dívida da sociedade, com a realização de penhora .
Sobreveio a decisão ora agravada, destacando a necessidade de instauração
de incidente de desconsideração da personalidade jurídica. A decisão, no
entanto, merece reforma. Como cediço, em se tratando de sociedade limitada,
como é o caso da empresa agravada, a pessoa da sociedade não se
confunde com a dos sócios, de maneira que eles, via de regra, não
respondem com seu patrimônio pessoal perante as dívidas contraídas pela
sociedade. Em face da referida distinção entre a pessoa jurídica da sociedade
e as pessoas físicas dos sócios, os terceiros, nesse caso, apenas poderão
exigir seus créditos, negociais ou de outra natureza, perante a sociedade,
executando exclusivamente os bens que integrem o seu patrimônio, não lhes
sendo permitido avançar sobre o acervo patrimonial particular dos sócios,
salvo situações excepcionais . Nesse sentido é o entendimento do C. STJ,
segundo o qual, “os sócios de empresa constituída sob a forma de sociedade
por quotas de responsabilidade limitada não respondem pelos prejuízos
sociais, desde que não tenha havido administração irregular e haja
integralização do capital social.” (REsp 876974 / SP – Ministra NANCY
ANDRIGHI – DJ 27/08/2007). No caso em análise, os sócios foram intimados
para comprovar a integralização do capital social, conforme disposição do
contrato social, porém, permaneceram inertes . Nos termos do art. 1.052 do
Código Civil, na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é
restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela
integralização do capital social. Assim, uma vez integralizado o capital, os
sócios não são responsáveis pelas dívidas da sociedade perante terceiros .No entanto, o tratamento jurídico é diverso quando o capital social não se
encontra integralizado. Ora, o capital social é um dos elementos obrigatórios
na constituição de uma empresa e representa, ao menos no início, a
importância econômica que os sócios aportam no negócio. Em se tratando de
elemento essencial e não cumprido, não podem os sócios se valerem da
cobertura da sociedade ilimitada para lesar credores. Na hipótese em análise,
a sociedade não foi encontrada, os sócios foram intimados por duas vezes,
uma na ação principal, e outra nos autos do presente recurso, como
interessados, e sequer manifestaram defesa . Ou seja, estão cientes da
dívida, bem como da discussão jurídica ora em análise, optando pela inércia.
Destarte, em respeito a eventuais entendimentos contrários, adota-se o
entendimento de que, uma vez não demonstrada a integralização do capital
social, os sócios deverão responder pela dívida contraída perante terceiros,
de forma solidária, com seu patrimônio, até o limite do capital não
integralizado. Observe-se que não se trata de caso de desconsideração da
personalidade jurídica, que exige a instauração de incidente específico, mas
de responsabilidade solidária e direta dos sócios por não terem cumprido com
a obrigação precípua de integralizar o capital social, conforme previsto no art.
1 .052 do CC. Recurso provido. (TJRJ – AGRAVO DE INSTRUMENTO:
00757697220248190000, Relator.: Des(a). RENATA MACHADO COTTA,
Data de Julgamento: 09/12/2024, SEGUNDA CAMARA DE DIREITO
PRIVADO (ANTIGA 3ª CÂMARA CÍVEL), Data de Publicação: 17/12/2024)
Portanto, Identificar a falta de integralização do capital social é mais que uma simples
opção legal – é uma estratégia inteligente e econômica para desbloquear execuções
paradas e aumentar as chances de recuperar créditos.
Imagine uma sociedade limitada registrada com capital social de R$ 500 mil, cujo
contrato social estabelece prazo de 24 meses para integralização. Passados cinco
anos da constituição, não há qualquer registro na Junta Comercial de que os aportes
foram efetivamente realizados, tampouco documentação contábil ou fiscal indicando
esse cumprimento.
Na execução contra essa empresa, que não possui bens penhoráveis, o credor junta
aos autos a certidão simplificada da Junta Comercial, que indica apenas o capital
subscrito, sem qualquer averbação de integralização.
Com essas evidências na mão, dá para pedir que os sócios provem que cumpriram sua
obrigação, apresentando extratos bancários, comprovantes de transferência ou
registros contábeis, etc.
E caso não haja manifestação ou a comprovação se revele insatisfatória, o juiz poderá
autorizar o redirecionamento da execução contra os sócios até o limite do valor não
integralizado, sem necessidade de aplicar o art. 50 do Código Civil ou instaurar oincidente de desconsideração da personalidade jurídica, pois a medida encontra
respaldo direto no art. 1.052 e 1.055 do Código Civil, como visto anteriormente.
E mesmo para aquelas empresas em plena operação, mas sem registro de
integralização, há o risco de seus sócios serem responsabilizados pessoalmente.
Nesse segundo exemplo, temos uma sociedade que mantém atividade regular no
mercado, que possui fornecedores, contratos vigentes, funcionários e movimentação
bancária, mas, ainda assim, a certidão da Junta Comercial revela que o capital
permanece sem subscrição, mesmo após o prazo contratual estipulado para a
integralização.
Esse tipo de estrutura é particularmente sensível do ponto de vista jurídico, pois
demonstra que a empresa está funcionando com aparente normalidade, mas sem o
cumprimento da obrigação básica que garante sua legitimidade econômica perante
terceiros.
E o credor, ao constatar essa situação, pode sustentar que os sócios estão se
beneficiando da personalidade jurídica sem cumprir com as obrigações contratuais
assumidas no momento da constituição — e, portanto, devem responder diretamente
pelo valor não aportado.
Vale lembrar que ter contratos ou faturamento não substitui a necessidade do aporte
inicial, nem serve como prova de integralização ou cumprimento da lei.
E o STJ já deixou claro várias vezes que o contrato social e os registros públicos são
as principais fontes para avaliar se a estrutura da empresa é legal, e que provas de
atividade empresarial não são suficientes para livrar os sócios dessa responsabilidade.
Mas o que há de comum entre os dois exemplos acima?
Em ambas as situações, o credor dispõe de um caminho processual seguro e objetivo:
com base nos documentos arquivados na Junta Comercial e no vencimento do prazo
contratual, pode formular pedido de intimação dos sócios, indicando expressamente
que a medida é necessária diante da ausência de comprovação da integralização.
Esse pedido se baseia no princípio da distribuição dinâmica do ônus da prova (artigo
373, §1º do CPC), já que exige que o sócio prove algo positivo (o depósito do capital)
que só ele tem como comprovar.
É uma inversão lógica e legal do ônus da prova, bem aceita pelos tribunais quando
quem pede mostra uma prova negativa presumida e não tem acesso aos documentos
internos da empresa.Essa estratégia transforma o que seria uma execução frustrada em meio legítimo de
responsabilização patrimonial, alinhado ao ordenamento jurídico e respaldado por
elementos objetivos do processo.
2.2 Responsabilidade legal e objetiva.
Importante lembrar que a responsabilidade dos sócios por não integralização do capital
social configura-se como obrigação direta, objetiva e legal, não dependendo de prova
de culpa, dolo, má-fé ou fraude, tendo origem em descumprimento de uma obrigação
contratual assumida por meio da subscrição de quotas no contrato social e é legitimada
pelas disposições dos arts. 1.052 e 1.055 do Código Civil.
Já o capital social não é mera formalidade – ele tem papel fundamental no mundo
empresarial. Funciona como uma garantia básica para quem negocia com a empresa,
gerando confiança em sua capacidade de honrar compromissos e pagar dívidas.
Quando um sócio deixa de investir o capital que prometeu, compromete essa função
garantidora. É por isso que a lei determina sua responsabilidade objetiva, sem
necessidade de comprovação de culpa. Conforme entendimento de Fábio Ulhoa
Coelho:
Cada contratante assume, perante o outro, a obrigação de
disponibilizar, de seu patrimônio, os recursos que considerar
necessários ao negócio que vão explorar em parceria. Quer dizer, ele
tem de cumprir o compromisso, contraído ao assinar o contrato social,
de entregar para a sociedade, então constituída, o dinheiro, bem ou
crédito, no montante contratado com os demais sócios. Na linguagem
própria do direito societário, cada sócio tem o dever de integralizar a
quota do capital social que subscreveu4
.
Gladson Mamede sobre o tema refere que:
O valor estipulado – e, consequentemente, contratado – para o capital
social da pessoa jurídica é um direito desta em relação aos sócios; e,
por se tratar de um contrato social, é um direito de todos os sócios em
relação a cada um dos demais. Com efeito, tanto a sociedade como os
demais sócios têm o direito de ver realizado o valor das cotas sociais,
não apenas por se tratar de meio necessário para a consecução das
finalidades sociais, mas também em função da responsabilidade
solidária de todos os sócios pela integralização do capital social,
estipulada no artigo 1052, segunda parte, do código civil.
4 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 2: Direito de Empresa. 13. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. P. 409.Quando um sócio não integraliza totalmente o capital social, sua responsabilidade se
limita justamente a essa parte não paga – e isso pode ser um verdadeiro atalho para
resolver cobranças. É uma solução bem mais prática e econômica, que funciona
especialmente bem para:
Desengavetar execuções que estão paradas há tempos;
Evitar aquela dor de cabeça de ter que provar fraude;
Facilitar o redirecionamento da cobrança com documentação simples, já que a
lei é clara e os tribunais concordam com isso.
No fim das contas, essa responsabilidade direta do sócio é muito mais rápida e barata
do que tentar desconsiderar a personalidade jurídica da empresa, principalmente
quando estamos lidando com empresas sem bens, falidas ou que simplesmente
sumiram do mapa.
3. Desconsideração da personalidade jurídica × responsabilização direta.
Para entender melhor quando vale a pena responsabilizar os sócios pela falta de
integralização do capital social (nos casos em que isso é possível), é importante
diferenciar esse mecanismo da desconsideração da personalidade jurídica,
especialmente quando lidamos com execuções contra empresas sem patrimônio
suficiente. Vamos comparar:
A desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil e arts.
133137 do CPC) demanda prova inequívoca de desvio de finalidade ou
confusão patrimonial — ou seja, é necessário comprovar fraude, má-fé ou abuso
de direito em favor dos sócios ou administradores
Já a responsabilização por não integralização do capital (art. 1.052 do Código
Civil) decorre do simples inadimplemento de obrigação legal e contratual
assumida no ato constitutivo da sociedade, sem qualquer exigência de prova de
fraude ou abuso
A desconsideração da personalidade jurídica foi criada para combater fraudes que
prejudicam credores e desviam a empresa de sua função social. É uma medida
drástica, usada apenas em último caso, quando há provas claras de abuso ou confusão
patrimonial.
Por outro lado, cobrar o capital não integralizado é mais direto e objetivo. Como essa
obrigação está claramente prevista nos artigos 1.052 e 1.055 do Código Civil, basta
comprovar que o sócio não fez o aporte prometido – mesmo que não tenha cometido
nenhuma outra irregularidade.Essa leitura cria uma linha sólida de distinção: o capital subscrito — mesmo que não
integralizado — é elemento contratual válido e exigível, enquanto a desconsideração
exige requisitos subjetivos e probatórios amplos.
Veja abaixo breve análise comparativa, que revela que a via contratual de
responsabilização por capital, se verificada a não integralizado não substitui a
desconsideração, mas constitui instrumento independente e menos oneroso para
credores em busca de efetividade.
Como já discutimos, quando os sócios não integralizam o capital social prometido, isso
pode ser demonstrado através de documentos oficiais que evidenciam claramente essa
inadimplência. Com base nesses documentos, o credor pode pedir o redirecionamento
da execução.
Veja-se os principais documentos principais como indícios: A certidão simplificada da Junta Comercial, que mostra o capital que foi
subscrito, mas não tem nenhum registro de que foi de fato integralizado – isso já
é um forte indicativo da falta de aporte;
O contrato social (original ou consolidado) que estabelece quando a
integralização deveria acontecer, mas não tem nenhum aditivo posterior
confirmando que isso foi feito – deixando claro que os sócios não cumpriram sua
parte;
O simples fato de ter passado o prazo definido em contrato sem nenhuma
alteração formal – esse tempo excessivo sem comprovação do aporte já justifica
questionar se a obrigação foi cumprida.
Assim, a responsabilização dos sócios por falta de integralização do capital social
exige planejamento estratégico e técnica processual, mas mostra-se como instrumento
mais fácil de ser aplicado em comparação com o instituto da desconsideração. Veja
como o credor pode estruturar essa atuação:
1. Como requerer certidão da Junta Comercial e comprovar falta de
integralização:
Peça uma certidão simplificada ou de inteiro teor que mostre os dados atuais do
capital social subscrito e sua integralização;
Use certidões recentes (até 30 dias) para maior credibilidade;
Na petição, destaque claramente os trechos que mostram que não houve
integralização do capital
2. Preparação da manifestação no processo:
Entre com petição no processo principal, baseando-se nos artigos 1.052 e 1.055
do CC;
Deixe claro que existe capital subscrito mas não integralizado, usando os
documentos oficiais como prova;
Use o art. 373, §1º do CPC para pedir inversão do ônus da prova, já que os
sócios têm mais facilidade de comprovar os aportes;
Mencione decisões recentes do STJ e tribunais estaduais (TJGO, TJDF, TJSP,
TJSC) que dão suporte ao pedido, especialmente do tribunal em que tramita o
processo.
3. Cuidados na redação da petição:
Deixe claro que a intimação é só para dar chance aos sócios de se defenderem; Reforce que a responsabilidade será limitada ao valor não integralizado,
mostrando boa-fé e facilitando a aceitação pelo juiz
4. Reforço técnico:
Um parecer contábil pode fortalecer muito seu caso, especialmente em
situações mais complexas;
O contador pode esclarecer questões sobre capital previsto, regime contábil e
movimentações patrimoniais;
Se não conseguir o parecer, foque em mostrar por que o ônus da prova deve ser
dos sócios e cite casos similares que foram bem-sucedidos.
Essa estratégia ajuda a cobrar dívidas quando a empresa não tem bens suficientes,
aumentando as chances de acordo ou decisão favorável, sempre dentro da lei.
7. Considerações finais
A responsabilização dos sócios pela não integralização do capital social representa
uma inflexão relevante no paradigma tradicional de cobrança empresarial.
Quando optamos por cobrar diretamente dos sócios com base nas obrigações que eles
assumiram no contrato social, em vez de tentar desconsiderar a personalidade jurídica
da empresa, temos um caminho mais direto e eficiente, apoiado em documentos
claros.
Essa estratégia não se trata de flexibilização indevida da limitação de responsabilidade,
mas sim de aplicação objetiva de regras previstas no próprio Código Civil, que impõem
solidariedade entre os sócios pelo capital subscrito até sua integralização. A ausência
de prova documental da quitação — especialmente após o vencimento contratual —
permite que o credor, com base em certidão da Junta Comercial e na teoria da
distribuição dinâmica do ônus da prova, requeira a intimação dos sócios e,
eventualmente, sua responsabilização direta, limitada ao valor não aportado.
Ao contrário do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, que demanda
comprovação de fraude ou confusão patrimonial, o pedido baseado na inadimplência
do capital subscrito fundamenta-se em deveres originários e públicos. Trata-se de
inadimplemento contratual registrado, cuja prova é negativa (ausência de averbação) e
cujo ônus recai legitimamente sobre os próprios sócios.
E a jurisprudência crescente — como evidenciam os julgados do TJGO, TJDFT, TJSC
e TJPR — tem consolidado essa via como instrumento legítimo de ampliação da
responsabilização, em respeito à boa-fé contratual, à função garantidora do capital
social e à segurança das relações empresariais. A atuação técnica e proativa do credor
pode converter execuções paralisadas em oportunidades reais de recuperação decrédito, inclusive reforçando seu poder de negociação extrajudicial diante da iminência
de redirecionamento processual.
Mais do que uma alternativa à desconsideração, o uso da ausência de integralização
como fundamento de cobrança é uma ferramenta de responsabilização autônoma,
legítima e funcional, que deve compor o repertório estratégico de todos os profissionais
que atuam na defesa de credores.
Rhuana César
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Referências
Código de processo Civil e Código Civil – Acesso disponível em
Jurisprudência: TJGO AI 506911283.2023; TJDFT AC 071726440.2021; TJSC
AI 500661016.2024
GIebler, Michele M. – “A responsabilidade dos sócios perante as obrigações
sociais”
oliricacunha.com.br+2direitosp.fgv.br+2revistadaajuris.ajuris.org.br+2oliricacunha
.com.br+3JusBrasil+3Repositório UFMG+3
Ribeiro & Cervantes – “Responsabilidade solidária dos sócios pela integralização
do capital” direitosp.fgv.br+13ribeirocervantes.com.br+13oliricacunha.com.br+13
Freitas, Edilourdes Vieira e outros – estudo sobre sociedades limitadas
unifanap.edu.br