Arrecadação e Onerosidade Excessiva no âmbito das Bets

Por Vitor Rodrigues

Concorre como um dos temas de maior relevância no cenário político nacional as apostas esportivas e seus mais diversos reflexos socioeconômicos. Em razão da novidade de sua regulamentação e propagação, como é natural na popularização de qualquer tendência, os principais atores políticos do País têm rivalizado em demonstrações estapafúrdias de incompetência, proselitismo, populismo e contradição, esquivando-se do debate saudável que permita o crescimento sustentável do segmento econômico.

Por um momento, e para o incentivo ao debate, esqueçamos um pouco dos vieses morais e políticos sobre o tema. Ignorar a relevância e potencial do mercado de apostas esportivas, em um país profundamente imerso no futebol, é relegar o desenvolvimento econômico à servidão ideológica.

Sob a perspectiva histórica, as apostas esportivas são quase tão antigas quanto as principais instituições que moldaram a mentalidade Ocidental. Há relatos que a colocam ao lado da criação da filosofia e da democracia ainda na Grécia Antiga, em que os palpites sobre o ganhador de competições olímpicas poderiam vir a recompensar o apostador com um pool de dracmas.

Em termos de relevância econômica, basta utilizarmos como exemplo os dados mais recentes divulgados pela American Gaming Association sobre o mercado de sports betting nos EUA: a receita bruta do segmento foi de USD 6,3 bilhões no primeiro trimestre de 2025.

Apesar das óbvias e conhecidas diferenças culturais e socioeconômicas com relação ao Brasil, não se pode ignorar a inacreditável capacidade de geração de riqueza, empregos e circulação de capital. E isso reflete, invariavelmente, no recolhimento de cifras bilionárias de tributos e encargos legais que todos os meses inundam os cofres públicos, revertendo-se em saúde, educação, segurança etc.

E, apesar do espetáculo público que se formou em volta do tema, não se pode ignorar que o Congresso Nacional e o Governo Federal têm ampla pretensão de capitalização sobre o assunto. Não fosse verdade, não se teria aprovado e sancionado a Lei n. 13.756/18 (com as posteriores e importantes alterações promovidas pela Lei n. 14.790/23), que legalizou e regulamentou as apostas esportivas (modalidade lotérica denominada de “apostas de quota fixa”).

Dentre outros fatores, o mencionado marco legal estabeleceu com precisão qual será o destino do produto da arrecadação pelos agentes operadores (as empresas popularmente conhecidas como “bets”).

Em resumo, determinou-se que do produto total da arrecadação, excluídos os valores destinados ao pagamento dos prêmios aos apostadores, 88% seriam destinados à cobertura de despesas do agente operador, ao passo que os 12% remanescentes seriam destinados (repassados) a diversos órgãos e entidades governamentais e não governamentais.

Independentemente da natureza jurídica do referido repasse legal, determinou-se que referido percentual seria, mensal e compulsoriamente, transferido das bets para essas entidades públicas ou de finalidade pública.

A Lei n. 13.756 não estabeleceu em detalhes como esses repasses seriam operacionalizados, o que ficou a cargo da Secretaria de Prêmios e Apostas, vinculada ao Ministério da Fazenda, que tem o condão de regulamentar e fiscalizar as atividades desenvolvidas do setor.

Dentre a longa lista de repasses legais, chama atenção o percentual que é destinado às entidades do Sistema Nacional do Esporte e aos atletas brasileiros ou vinculados às organizações de prática esportiva sediada no País, em contrapartida ao uso de suas denominações e similares para divulgação e execução de apostas de quota fixa.

Referidos repasses foram regulamentados e detalhados pela Portaria SPA/MF n. 41, de 10 de janeiro de 2025, que estabeleceu o recolhimento mensal a ser diretamente realizado pelas bets aos beneficiários segundo as seguintes diretrizes:

(i) por meio do rateio dos recursos de forma proporcional à arrecadação auferida em cada competição esportiva; e

(ii) de acordo com o regulamento da competição que discipline a divisão dos recursos, que deverá prever a repartição dos recursos, as entidades de prática, os atletas e os procedimentos e meios de pagamento para a efetivação dos repasses. Caso não haja regulamento, caberia às bets “buscar” os organizadores para solicitar a estipulação de regramento, sob pena de impedimento das apostas.

Além disso, previu-se que:

  • A contrapartida pelo uso ou pela cessão de direitos de imagem e demais dos atletas para divulgação e execução da loteria será pactuada em contrato civil;
  • Quando os participantes do evento esportivo não integrarem entidade do SNE e quando a organização da competição não seja realizada por entidade brasileira, os repasses serão revertidos integralmente à organização nacional da modalidade;
  • Quando entidade de prática nacional tomar parte em competição internacional não organizada por entidade brasileira, os repasses deverão ser realizados por partida ou jogo, isoladamente, e serão divididos equanimemente entre a entidade de organização nacional de administração da modalidade e as entidades de prática nacional, e;
  • Em competições estrangeiras com a participação de atletas ou clubes brasileiros, o agente operador dever conhecer e aplicar as regras da competição internacional.

Finalmente, e como uma espécie de “alternativa”, autorizou-se que aos agentes operadores a possibilidade de instituir uma “associação” para ordenar, sistematizar e racionalizar a operacionalização dos repasses, lhes concedendo prazo de 3 (três) meses (prorrogável por igual período) para constituição.

A leitura do resumo acima, por si, é suficiente para que qualquer um com mínimo conhecimento operacional das bets concluir pela completa inexequibilidade das referidas obrigações legais.

Há uma infinidade de jogos passíveis de aposta, uma infinidade de combinações para fins do rateio entre uma infinidade de entidades desportivas. Nesse cenário por si caótico de possíveis entidades envolvidas nas apostas ofertadas, tem-se que as bets precisam, mensalmente, atravessar as seguintes etapas para recolhimento dos repasses:

  • 1ª Etapa: Apurar, mensalmente, até o último dia de cada mês, o valor a ser repassado para o SNE;
  • 2ª Etapa: Promover o rateio dos recursos (7,3%) de forma proporcional à arrecadação auferida em cada uma das diversas competições esportivas. Como se viu linhas acima, a Consulente disponibiliza em seu site cerca de 36 modalidades esportivas, que se dividem em aprox. 1.700 competições, resultando em nada mais nada menos que 111.000 partidas esportivas. E este cenário é, obviamente, crescente, de forma que se torna fácil perceber que, novamente, tem-se aqui tarefa impossível;
  • 3ª Etapa: Obter e analisar os regulamentos de cada uma das milhares de competições esportivas para, então, se fixar a previsão da divisão dos recursos a serem destinados a cada um dos organizadores, entidades esportivas e atletas, assim como prover os procedimentos e meios de pagamento que se fizerem necessários. Ou seja, após obter e analisar cada um dos milhares de regulamentos, o que por si só se afigura impossível, os agentes operadores deverão, dentro do mesmo mês, interpretar e adotar os procedimentos de rateio e implementar as formas de pagamento (que, também, podem variar aos milhares…);
  • 4ª Etapa: Caso a competição não possua regulamento próprio, os agentes operadores deverão localizar e ter acesso aos representantes dos organizadores para “verificar a possibilidade de que seja estipulado regramento específico sobre o tema”, sob pena de restar vedada aposta. Assim, e em face de cada um dos milhares de eventos, os agentes operadores se aventurarão em “verificar a possibilidade” de se obter (sabe-se lá como…) um regramento (ou formalizá-lo se inexistente), algo não somente impossível, mas impreciso e inespecífico. Em verdade, atribui-se aos agentes reguladores a missão de regulamentar. E tudo isso sob pena de restar vedado o exercício do objeto social dos agentes operadores, pois impedidas as apostas sobre respectivas competições, restrição esta que nem mesmo a Lei n. 13.756/18 (alterada pela Lei n. 14.790/13) pretendeu.
  • 5ª Etapa: Os agentes operadores deverão firmar contrato individual com cada um dos atletas quanto aos direitos de imagem para divulgação e execução da loteria. Ora, considere-se as cerca de 1.700 competições, caberão às bets as tratativas negociais, as formalizações e as assinaturas de instrumentos contratuais com número facilmente superior a 1.000.000 (!!!) de atletas (boa parte deles residente fora do Brasil). Assim, muito não se requer para concluir ser tal tarefa igualmente impossível.
  • 6ª Etapa: Caso os participantes do evento não sejam integrantes do SNE, ou quando a organização da competição não se der por entidade brasileira, as bets deverão reverter os repasses para as diversas organizações nacionais da modalidade de que tratar o evento. Assim, em primeiro momento, atribui-se às bets o encargo de descobrir e confirmar se os participantes de cada evento são formalmente integrantes do SNE e, em não sendo, deverão coletar todas as informações necessárias aos repasses em favor das respectivas organizações.

Não há, portanto, qualquer exagero em se afirmar que, em apenas 1 único mês poderá se alcançar cerca de (i) 40.000.000 de apostas, divididas em (ii) 111.000 partidas, realizadas no âmbito de (iii) 1.700 competições, em (iv) 36 modalidades distintas, não sendo materialmente possível se percorrer cada uma das 6 etapas acima detalhadas, e ao fim se dar integral e tempestivo (lembre-se: no mesmo mês de apuração…) cumprimento aos repasses na forma pretendida pela Portaria SPA/MF n. 41/25.

Esta impossibilidade é tamanha que acaba por inviabilizar até mesmo o próprio exercício da fiscalização da Secretaria de Prêmios e Apostas, pois, ainda que identificasse a tempestividade dos pagamentos, dificilmente teria condições em validar os valores em um universo crescente de milhões e milhões de operações.

A ânsia arrecadatória alcançou altura sem qualquer precedente em qualquer outra modalidade de autorização de serviço público, arriscando até mesmo a própria subsistência da atividade econômica desenvolvida das apostas de quota fixa.

A irresignação das empresas do setor em face da absurda regulamentação, aliás, resultou na prorrogação por 3 meses do prazo de possível constituição da associação das bets, possibilitando-lhes fôlego quanto à efetivação dos repasses, ainda que não se tenha resolvido (ou, aparentemente, se preocupado…) com a exequibilidade dessa obrigação legal.

Essa excruciante divergência, entre as bets e a SPA, quanto à exequibilidade dos repasses e a sua onerosidade excessiva, como só poderia ocorrer no Brasil, tende a resultar em judicialização, sendo necessária a intervenção do Poder Judiciário para que se garanta o direito à continuidade da atividade econômica sem que lhe seja imposta obrigação completamente dissociada da razoabilidade e da própria realidade operacional do segmento.

Finalmente, como inexiste segurança jurídica no Brasil, todo esse caótico e desastroso cenário de regulação do segmento é ainda surpreendido pela notícia de que o Governo Federal negociou com o Congresso Nacional a MP n. 1.303, que, dentre outras medidas com a finalidade de substituição da recente majoração do IOF, aumentou o percentual dos repasses de 12% para 18%, como se o estrangulamento financeiro das bets com a Reforma Tributária, com a incidência de CBS/IBS e Imposto Seletivo a partir de 2027, não fosse suficiente.

Caso haja necessidade de qualquer esclarecimento, inclusive para estruturação das melhores alternativas para essa modalidade de operação, nossa Equipe Tributária encontra-se à disposição.

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Geraldo Mascarenhas L. C. Diniz / Vitor S. Rodrigues

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