Aspectos Contratuais da Formação do Preço em Aquisições Societárias na Área da Saúde

Por Luiza Gouveia Marques Dias

Transações de M&A no setor da saúde, e em especial as aquisições de participações societárias, envolvem muito mais do que a simples transferência de quotas ou ações. Em um ambiente no qual ativos intangíveis, exposição regulatória e dependência de profissionais-chave moldam o valor do negócio, a estrutura contratual assume papel central para o êxito da operação.

Para empresários que estejam avaliando a venda ou aquisição de clínicas, hospitais, laboratórios ou operadoras de planos de saúde, compreender a lógica por trás de cláusulas contratuais específicas é essencial para proteger o patrimônio, mitigar riscos e alinhar expectativas.

Neste artigo, abordamos alguns dos aspectos contratuais que merecem atenção especial: a formação do preço, os mecanismos de ajuste, as cláusulas de performance atreladas ao earn-out e as declarações e garantias prestadas pelas partes envolvidas na transação. Esses elementos compõem o núcleo jurídico de qualquer operação bem estruturada no setor.

  1. Formação de Preço

A estruturação do preço costuma ir além do número anunciado como valor total da transação. Frequentemente, esse montante corresponde a um preço base, ajustável conforme parâmetros contábeis acordados entre as partes, e pode incluir parcelas futuras condicionadas ao desempenho do negócio.

Assim, o valor base, cuja parcela ou total geralmente é pago no Fechamento, é apenas uma parte da equação, que pode ser complementada por montantes retidos em conta garantia ou vinculados a metas de desempenho.

É importante, portanto, que o vendedor compreenda que o valor final recebido pode divergir do inicialmente divulgado, enquanto o comprador deve assegurar-se de que está adquirindo um ativo com viabilidade e continuidade operacional.

Muitos contratos adotam, como referência, um modelo de pagamento em três etapas. A primeira corresponde ao valor base, pago pela transferência de quotas, do qual parcela relevante geralmente é quitada no momento do fechamento da operação. A segunda abrange os valores retidos como forma de garantia por eventuais passivos ocultos, que são depositados em conta escrow ou pagos em parcelas vinculadas ao decurso do tempo. Já a terceira envolve uma parcela complementar variável, chamada earn-out, que poderá ser acrescida ao valor pago ao vendedor, condicionada ao atingimento de resultados futuros.

Essa estrutura de três etapas busca equilibrar interesses e reduzir riscos, mas deve ser cuidadosamente desenhada para evitar conflitos e garantir que todos os incentivos estejam alinhados.

  1. Ajustes Pós-Fechamento

Os ajustes pós-fechamento, por sua vez, têm por objetivo assegurar que a empresa será entregue em determinado estado financeiro previamente pactuado. Indicadores como dívida líquida e capital de giro são comumente utilizados como referência. Se, por exemplo, o contrato estabelece que a empresa deve possuir um capital de giro de R$ 1,5 milhão e, no momento do fechamento, verifica-se que esse valor é de apenas R$ 1,2 milhão, a diferença será descontada do valor total da transação.

Para que esse ajuste funcione de forma justa e transparente, é fundamental que os conceitos contábeis sejam previamente definidos e aplicados de forma consistente entre as partes, eventualmente inclusive criando um anexo contratual que apresente exemplos de cálculo dos ajustes pós-fechamento. Além disso, é recomendável que o contrato contemple alternativa para definição dos ajustes pós-fechamento em caso de divergência entre as partes, como a possibilidade de nomeação de peritos independentes.

No setor da saúde, ajustes dessa natureza demandam atenção redobrada, dada a existência de fatores como glosas de convênios, regimes híbridos de remuneração de profissionais e variações operacionais que podem distorcer os indicadores. Por isso, o envolvimento de contadores e a realização de uma due diligence financeira criteriosa são medidas indispensáveis para mitigar riscos e evitar disputas.

  1. Earn-Out

Em determinadas operações, especialmente quando o vendedor permanece vinculado à empresa por um período após a venda, é comum a inclusão de cláusulas de earn-out. Nelas, parte do preço fica atrelada ao desempenho do negócio em períodos futuros. Essa cláusula busca garantir que a empresa manterá seu valor e continuará produzindo resultados, além de incentivar a colaboração do vendedor na transição. No entanto, sua implementação requer cautela.

Para evitar divergências, recomenda-se definir fórmulas objetivas e auditáveis, estabelecer regras claras de governança durante o período do earn-out e prever mecanismos de mediação ou resolução de disputas.

No setor da saúde, é comum vincular o earn-out a indicadores como número de atendimentos, taxa de ocupação de leitos, receita por procedimento ou expansão de unidades. Quando bem calibradas, essas métricas refletem o desempenho real da operação e garantem uma remuneração justa às partes.

  1. Declarações e Garantias

Outro ponto essencial é o conjunto de declarações e garantias prestadas pelas partes, especialmente pelo vendedor. Essas cláusulas asseguram ao comprador a veracidade das informações fornecidas e permitem a responsabilização em caso de omissões ou imprecisões. No contexto da saúde, além das declarações padrão aplicáveis à aquisição de participação societária, declarações relacionadas à regularidade das licenças sanitárias, ausência de sanções ético-profissionais, validade de contratos com operadoras de planos de saúde e conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados ganham especial relevância.

Essas declarações servem como base para a alocação de responsabilidades. Caso, após o fechamento, o comprador incorra em perda decorrente da inveracidade ou incompletude de determinada informação, poderá pleitear a reparação de danos.

  1. Conclusão

A elaboração de um contrato de compra e venda no setor da saúde não se resume a um exercício jurídico formal. Trata-se de uma engenharia de riscos, voltada a preservar o valor do ativo, garantir a previsibilidade financeira da operação e alinhar os interesses de todas as partes envolvidas. O preço pactuado só é eficaz quando acompanhado de cláusulas que assegurem o equilíbrio da relação e a sustentabilidade do negócio no pós-fechamento.

Para empresários do setor da saúde que estejam considerando uma venda ou expansão por meio de aquisições, compreender os fundamentos dessas cláusulas contratuais é o primeiro passo para uma negociação bem-sucedida. E, nesse processo, contar com uma assessoria jurídica especializada pode representar o diferencial entre uma operação fluida e um litígio futuro.

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