Artigos - Postado em: 25/03/2024

2 anos de Open Finance no Brasil: Desafios e estratégias na construção de uma relação de confiança com os usuários

Por Brenda Beltramin

Desde o início de sua implementação no Brasil pelo Banco Central em 2021[1], as discussões sobre Open Finance têm ganhado espaço no setor financeiro. No ano de 2023, o tema ganhou novas proporções em termos de adesão e complexidade, como demonstram o aumento crescente do número de usuários[2] e a implementação da fase de Open Investment para grandes bancos a partir de outubro[3]. Cabe ressaltar que o Open Finance tem ganhado relevância para além do Brasil, a exemplo da proposta legislativa em curso na União Europeia para criação do Framework for Financial Data Access.

O Open Finance visa criar uma infraestrutura interconectada de informações entre instituições financeiras. Embora as origens do conceito remetam à Europa[4], sua implementação na realidade brasileira – marcada pelo grande número de instituições financeiras e usuários e pela ampla diversidade de produtos e serviços com características específicas – exigiu uma série de aperfeiçoamentos. O Banco Central assumiu a difícil tarefa de regulamentar a padronização e viabilizar o compartilhamento, cujo resultado pretendido é a criação de um ambiente competitivo mais justo, com igual acesso das instituições financeiras às informações sobre os usuários e, em última instância, melhores das ofertas de serviços e produtos para os consumidores.

Neste artigo, não se pretende destrinchar os benefícios da implementação do Open Finance. Esses benefícios já foram discutidos em outros artigos[5] publicados por nosso escritório à época do início da implementação.

Nosso objetivo, neste artigo, é justamente compreender quais os aprendizados que podemos extrair sobre o Open Finance após quase dois anos de existência.

Primeiramente, cumpre destacar que o Open Finance é uma infraestrutura e não um serviço. Diferentemente do Pix, que é um serviço com o qual o usuário interage em sua rotina, o Open Finance não se trata de algo que o usuário possa utilizar diretamente[6].

O usuário deve optar por compartilhar suas informações para finalidades específicas, o que geralmente é feito por meio de uma seção “Open Finance” no aplicativo do banco. A partir desse momento, embora o acesso aos dados possa representar um maior nível de personalização no atendimento por parte da instituição financeira, o usuário não necessariamente observa de forma direta quais os ganhos de ter aderido ao Open Finance. É possível que ele perceba a melhora nas ofertas e direcionamentos, mas simplesmente não atribua a referida melhora ao Open Finance.

Por outro lado, essa autorização é chave para a instituição financeira. A inteligência de dados permitida pelo Open Finance se torna cada vez mais importante quando notamos as tendências de aprimoramento da experiência do cliente por meio de um alto nível de personalização, que tem sido um diferencial competitivo no setor financeiro. Nesse contexto, o acesso a mais informações permite à instituição individualizar os serviços e produtos oferecidos de acordo com o perfil de cada usuário, permitindo a criação de um relacionamento que otimize os ganhos para ambos as partes.

Considerando esse diferencial oferecido pelo ingresso dos usuários no Open Finance para as instituições financeiras, o recomendável seria que, para além de oferecer o Open Finance em suas plataformas, essas instituições criem incentivos à adesão. Porém, como fomentar esta ação em um cenário historicamente marcado por forte desconfiança pela população em relação às instituições financeiras?

O surgimento do tema nos aplicativos, websites e ambientes de discussão deve vir aliado a uma demonstração do compromisso das instituições com a segurança e o uso lícito dos dados, em especial no que tange à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais[7] (Lei 13.709/18 – “LGPD”). De forma mais específica, devem ser considerados três aspectos: a transparência, o consentimento e a segurança cibernética.

Ao falar de transparência, cabe lembrar que a informação pode se demonstrar uma poderosa aliada na medida em que permite à instituição demonstrar, de forma específica, o que será feito com os dados e com quais objetivos. Com isso, é possível desmistificar impressões errôneas sobre o funcionamento do Open Finance. Afinal, parte do contexto de desconfiança no setor financeiro tem origem justamente no medo, traduzido no pensamento de: “sabe-se lá o que farão com meus dados”.

Dessa feita, a disponibilização de fácil acesso das informações de que o compartilhamento só será feito mediante consentimento e para finalidades específicas decididas pelo usuário permite esclarecer como funciona o Open Finance e, assim, atenuar os receios sobre o tema.

O consentimento do usuário, por sua vez, é um requisito estabelecido pelo Banco Central para que os dados sejam compartilhados[8]. Esse consentimento pode ser concedido via plataforma da instituição financeira, mas deve atender aos requisitos estabelecidos na LGPD, ou seja: ser uma autorização livre, informada e inequívoca com finalidade específica e, no caso do Open Finance, por tempo determinado. O direito de revogação do consentimento a qualquer tempo, previsto na LGPD, também deve ser ressaltado.

Por fim, em termos de segurança, é relevante que os usuários saibam que somente instituições autorizadas pelo Banco Central são participantes do Open Finance e que essas instituições estão sujeitas aos normativos de Segurança Cibernética e à ampla fiscalização quanto a suas práticas de segurança da informação.

No ano de 2023, a sociedade vivenciou um significativo aumento dos golpes cibernéticos e dos vazamentos de dados pessoais[9]. Com isso, tornaram-se cada vez mais importantes as demonstrações de compromisso com a segurança, em especial em um setor que lida com informações estratégicas relacionadas à vida financeira dos usuários.

A implementação do Open Finance na realidade brasileira só será viável se vier aliada à privacidade e à proteção de dados pessoais. A criação de um ecossistema financeiro interconectado tem potencial para beneficiar a todos: desde usuários, que dispondo de opções personalizadas poderão optar pelos serviços que mais os beneficiem, até as instituições financeiras, as quais serão capazes de otimizar os serviços prestados em um ambiente de competitividade mais justo.

O Banco Central tem feito um excelente trabalho em regulamentar o funcionamento do Open Finance. No entanto, para que possamos observar seu desenvolvimento na prática, não podemos ignorar as preocupações da população com o compartilhamento de dados. A divulgação não pode ser focada somente nos benefícios do Open Finance. Torna-se igualmente necessário demonstrar o compromisso das instituições financeiras com a proteção dos dados pessoais de seus usuários.


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[1] https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/openfinance

[2] https://febrabantech.febraban.org.br/temas/open-finance/consentimentos-do-open-finance-crescem-72-e-chegam-a-38-milhoes

[3] https://www.cnnbrasil.com.br/economia/bc-inaugura-nova-fase-do-open-finance-que-permite-a-instituicoes-compartilhar-dados-de-investimentos/

[4] https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/SPEECH_23_1819

[5] https://chenut.online/o-open-banking-e-os-beneficios-do-aumento-de-transparencia-nas-ofertas-de-produtos-e-servicos-pelas-instituicoes-financeiras/

[6] https://www.youtube.com/watch?v=7hCtHzdcQuU&t=979s

[7] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm

[8] https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/openfinance

[9] https://valorinveste.globo.com/educacao-financeira/noticia/2023/12/20/fraudes-envolvendo-bancos-puxam-a-lista-e-golpes-digitais-crescem-35percent-em-2023.ghtml

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