Virou “lugar comum” dizer que o tempo anda cada vez mais rápido. Já vencemos o 1º semestre, e parece que o Carnaval foi ontem. Contudo, e a despeito de correr da mesma forma para todos, a partir de 2026 o tempo terá “custos” diferentes para a União e para o Contribuinte.
Fazendo jus às excentricidades tributárias do Brasil, a Portaria MF nº 1.430 (de 04/07/25) regulamenta a Lei nº 14.973 (de 16/09/24) no sentido de que os depósitos judiciais realizados após 31/12/2025 serão corrigidos pelo “índice oficial que reflita a inflação”. Leia-se, o IPC-A.
Contudo, a União continuará a aplicar a galopante SELIC na cobrança de seus tributos. Ou seja, manterá em seu favor os atuais 15% da SELIC, enquanto ao Contribuinte se impõe os 5% do IPCA. A disparidade dos números (x200%) só não é maior que a ofensa ao Direito!
E tudo isso assume uma feição ainda mais absurda pelo fato de que os depósitos são realizados “diretamente na Conta Única do Tesouro Nacional”, tomando a União posse de valores que não lhe pertencem para lhes dar o uso que quiser.
Para que fique ainda mais claro: quando calejado por nova ilegalidade, o Contribuinte decide ir a Juízo e, em boa-fé, deposita os valores em prejuízo de sua disponibilidade e em favor da União, esta utiliza-os livremente para, ao final do processo, devolvê-los ao Contribuinte + IPCA, mesmo que paralelamente continue a União a cobrar tributos deste mesmo Contribuinte + SELIC.
Talvez alguém diga que o fato de a legislação prever que os valores serão convertidos em favor da União “sem a incidência de remuneração” afastaria a discrepância. Contudo, este entendimento mereceria alguma reflexão se os valores fossem mantidos na CEF, mas não quando vertidos para a famosa “Conta Única”.
Em se tratando de “tributo”, do “tempo” e de “correção/atualização”, estes elementos devem ser perenes, sem variar em favor de Chico ou de Francisco, sob pena do pau que bater em um poupar o outro.
É neste contexto que se ofende o Princípio da Isonomia, o que por certo motivará novos debates nos Tribunais. Lembre-se aqui que, ao examinar a constitucionalidade da Lei n. 9.703/98 (que igualmente dispunha sobre depósitos de tributos), o STF reconheceu não haver violação a este Princípio mesmo porque “(…) a lei corrigiu uma discriminação, já que instituiu a taxa SELIC como índice de correção dos depósitos.” (ADI n. 1.933).
Ora, considerando que a SELIC não mais será o “índice de correção dos depósitos”, a Lei nº 14.973/24 e a Portaria MF nº 1.430/25 em uma única tacada ressuscitam a discriminação vedada pelo STF e matam a isonomia assentada na CR/88.
Talvez se diga, no conforto de quem desconhece o dia a dia de uma Companhia no Brasil, que o depósito seria uma “opção”. Ora, no exercício do direito de defesa, o depósito frequentemente assume a condição de única opção viável, mesmo que isso impacte o caixa em prol de décadas de indisponibilidade.
Mesmo porque as alternativas se esvaem…, cada vez mais (i) limares são negadas em temas fiscais (especialmente afeto a créditos), (ii) tão só o depósito suspende a exigibilidade (v.g. anulatórias), (iii) a União resiste em aceitar bens em garantia e (iv) as fianças e seguros têm maior custo financeiro (e aumentará, em face da maior procura).
Infelizmente, o fato de o depósito ser ato de boa-fé (pois alinha a cautela à crença no Direito) tão favorável à União não foi suficiente para que o Legislador deixasse de desestimular sua prática, em inconfessável propósito de desencorajar a defensa de direitos e fomentar o pagamento do que não se deve.
Por outro lado, a substituição da SELIC pelo IPCA dará novo gás aos debates sobre a tributação desta parcela, pois em se tratando este último de índice de recomposição inflacionária, não mais poderá subsistir o entendimento fazendário pelo “acréscimo patrimonial”.
Pois bem, é neste contexto que em todo o mundo o tempo anda cada vez mais rápido para todos, mas no Brasil ele custa mais caro só para o Contribuinte.
A equipe de Direito Tributário do CHENUT tem assessorado diversos de seus Clientes quanto ao tema, não somente quanto ao seu questionamento, mas principalmente na revisão de estratégias dos processos em que realizados depósitos recorrentes.