Por Andressa Melgaço da Cunha
Advogada especializada em Direito do Trabalho Empresarial
Introdução
No cenário das médias e grandes corporações, os benefícios corporativos desempenham papel essencial na valorização e retenção de talentos. Auxílios como vale-transporte, alimentação, planos de saúde, bolsas educacionais e apoio à infância tornaram-se elementos integrados à estrutura contratual moderna, conferindo vantagens mútuas a empregadores e empregados.
Contudo, o aumento da complexidade e da capilaridade desses sistemas tem revelado um fenômeno preocupante: a ocorrência de fraudes internas, muitas vezes promovidas por empregados ou decorrentes de falhas nos mecanismos de controle.
Tais condutas, ainda que pontuais, podem gerar repercussões severas à empresa, sendo elas jurídicas, reputacionais e financeiras, e igualmente sérias ao trabalhador, especialmente quando caracterizado o rompimento da fidúcia necessária à manutenção do vínculo empregatício.
Importante ressaltar, inclusive, que tais benefícios não integram o salário para fins trabalhistas, nos termos do art. 457, §2º da CLT, o que reforça seu caráter estritamente assistencial e destaca ainda mais a gravidade de eventuais fraudes praticadas com finalidade de enriquecimento indevido.
Este artigo analisa as principais formas de fraudes em benefícios, os deveres contratuais envolvidos, a possibilidade de dispensa por justa causa e os caminhos preventivos sob a ótica do Direito do Trabalho Empresarial.
Formas comuns de fraudes em benefícios
As fraudes relacionadas a benefícios consistem em condutas dolosas voltadas à obtenção indevida de vantagem pecuniária ou pessoal, por meio de falsidade, omissão ou simulação. Entre as práticas mais recorrentes, destacam-se:
- Declarações falsas de endereço para recebimento de vale-transporte;
- Inclusão irregular de dependentes em planos de saúde;
- Solicitação de reembolsos simulados em bolsas educacionais;
- Uso indevido de cartões refeição/alimentação por terceiros;
- Apresentação de documentos adulterados para fins de auxílio-creche;
- Conluio com terceiros, como prestadores ou fornecedores, para obtenção de vantagens ilícitas.
Esses atos extrapolam o campo da mera infração contratual, podendo ensejar sanções trabalhistas, civis e penais. O impacto jurídico para o trabalhador é significativo, com potencial para comprometer não apenas sua relação atual de emprego, mas também sua credibilidade profissional e integridade civil e criminal.
Responsabilidade do empregado: dever de boa-fé e justa causa
- Boa-fé objetiva nas relações de trabalho
Embora a CLT não traga previsão expressa sobre a boa-fé, o princípio é amplamente reconhecido como integrador do contrato de trabalho, especialmente por força do art. 422 do Código Civil, aplicado de forma subsidiária. A boa-fé objetiva impõe às partes deveres de lealdade, transparência e colaboração mútua.
Fraudes cometidas pelo empregado, ao violarem tais deveres, constituem afronta direta à ética contratual, legitimando a ruptura do vínculo por justa causa.
- Configuração da justa causa
Nos termos do art. 482 da CLT, a fraude pode configurar justa causa, especialmente sob os seguintes fundamentos:
- Ato de improbidade (alínea “a”): conduta desonesta com o intuito de lesar o patrimônio ou a confiança do empregador;
- Mau procedimento (alínea “b”): comportamento inadequado que rompe com os padrões de conduta esperados;
- Ato lesivo da honra (alínea “h”): quando a fraude é praticada em conluio ou afeta diretamente terceiros no ambiente laboral.
A jurisprudência majoritária exige, contudo, a observância de requisitos cumulativos para validação da dispensa por justa causa, sendo eles:
- Gravidade da conduta;
- Imediatidade da punição;
- Proporcionalidade da medida;
- Nexo causal entre o ato e a quebra da confiança;
- Ausência de perdão tácito ou tolerância reiterada.
A justa causa exige prova robusta e inequívoca e o ônus da comprovação recai integralmente sobre o empregador, conforme art. 818 da CLT c/c art. 373, II, do CPC.
Assim, a adoção de medidas como auditorias internas, coleta de documentos e garantias mínimas de defesa do empregado são práticas recomendáveis para sustentação da penalidade em eventual ação judicial.
Consequências jurídicas ao empregado
A depender da natureza e extensão do ato fraudulento, o empregado poderá sofrer múltiplas consequências jurídicas, tais como:
1. Dispensa por justa causa
Com perda de direitos rescisórios como aviso prévio, 13º proporcional, férias proporcionais e saque do FGTS.
2. Ação de regresso ou indenização
Caso a fraude gere prejuízo financeiro mensurável à empresa, poderá ser proposta ação de ressarcimento, com fundamento nos arts. 462 da CLT e 927 do Código Civil.
3. Responsabilidade penal
Falsidade ideológica, estelionato e associação criminosa são alguns dos delitos que podem ser configurados, a depender do caso concreto.
4. Danos reputacionais e restrições de recontratação
A demissão por justa causa e eventual envolvimento em processos judiciais pode comprometer a imagem profissional do trabalhador e restringir suas oportunidades futuras, especialmente em empresas que operam com políticas de integridade.
5. Responsabilidade moral
Em casos de repercussão externa ou prejuízo institucional, é possível a condenação por danos morais à empresa ou à coletividade afetada.
O Papel do compliance trabalhista na prevenção
A gestão de benefícios corporativos deve estar alinhada a políticas claras, acessíveis e auditáveis. O compliance trabalhista, ao integrar controles internos com treinamento e apuração de condutas, torna-se essencial à prevenção e mitigação de riscos.
Entre as práticas recomendadas, destacam-se:
- Formalização de políticas de elegibilidade e uso de benefícios;
- Auditorias periódicas de dados e documentos comprobatórios;
- Validação cruzada de informações cadastrais (CPF, vínculo, endereço);
- Programas de conscientização sobre ética e integridade;
- Canal de denúncias com proteção ao denunciante;
- Investigação interna com contraditório e registro formal dos atos.
Além de evitar condutas ilícitas, tais mecanismos servem como elementos de defesa em eventuais ações trabalhistas e podem atenuar a responsabilidade empresarial em casos de danos coletivos.
Conclusão
A fraude em benefícios corporativos representa um desafio complexo e multifacetado no ambiente empresarial contemporâneo, exigindo das organizações uma atuação preventiva, sistêmica e estratégica. Embora a responsabilização do empregado seja legítima e necessária, especialmente por violação do dever de boa-fé e lealdade, é imprescindível que a empresa exerça um controle eficaz e contínuo, promovendo uma cultura organizacional pautada na transparência e integridade.
Desta forma, a adoção de medidas preventivas eficazes como a estruturação de programas de compliance trabalhista, auditorias periódicas, mecanismos de denúncia seguros e treinamentos contínuos representa não apenas uma resposta à necessidade jurídica de mitigação de riscos, mas também uma vantagem competitiva. Empresas que fortalecem seus controles internos e promovem uma cultura de integridade não apenas reduzem passivos, mas também fortalecem sua reputação institucional, retêm talentos e estabelecem um ambiente propício ao crescimento sustentável.
Portanto, a prevenção de fraudes em benefícios não é apenas uma exigência de conformidade legal, mas uma estratégia corporativa inteligente, alinhada à governança moderna e à valorização do capital humano.
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