Entenda os efeitos do tema 247 do STF sobre a base de cálculo do ISS no serviço de concretagem: O contribuinte ganhou, mas não levou?

Em 03/02/2023, transitou em julgado o Tema nº 247 do STF[1] decidido em sistemática de repercussão geral.

O acórdão de mérito desse Leading Case (RE nº 603.497/MG) confirmou, após mais de 10 anos (!!!), a decisão monocrática então proferida pela Ministra Ellen Gracie  especificamente quanto à recepção do art. 9º, § 2º, “a”, do Decreto-Lei nº 406/68[2] pela Constituição Federal de 1988.

Veja-se o teor desse dispositivo normativo:

“Na prestação dos serviços a que se referem os itens 19 e 20 da lista anexa o imposto será calculado sobre o preço deduzido das parcelas correspondentes:   

a) ao valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços; (g.n)

Em outras palavras, o normativo prevê a dedução na base de cálculo do ISS do valor dos materiais utilizados na construção civil (MCC), incluído, em tese, a dedução dos materiais utilizados no serviço de concretagem[3] (como o cimento, a brita, a areia etc.).

À primeira vista, a decisão de mérito do STF (Tema 247) parece ser amplamente favorável ao Contribuinte, afinal, a redação do art. 9º, § 2º, a, do DL nº 406/68 (agora com sua “constitucionalidade” confirmada) é clara e, em princípio, não daria margem a divergências interpretativas.

Ledo engano…, explica-se:

Antes da decisão monocrática da Ministra Ellen (31/08/2010), o STJ entendia – com base na interpretação da Súmula n. 167[4] (1996) – que a base de cálculo do ISS deveria ser o custo total do serviço de concretagem, sem a possibilidade de dedução do valor dos materiais utilizados no serviço.

Para o STJ, se não incide ICMS nesses materiais, não haveria que se falar em redução da base de cálculo do ISS (interpretação mais restritiva para o contribuinte).

A exceção à regra – com base na interpretação do art. 7º, § 2º, I, da LC nº 116/2003[5]  – é que, tão somente, os materiais produzidos pelo prestador fora do local da prestação de serviços (adquiridos de terceiros – sujeitos ao ICMS) seriam passíveis de abatimento.

Após a referida decisão monocrática da Ministra Ellen em sede de repercussão geral (08/2010), o STJ reviu seu entendimento e a ela se alinhou, vez que  se reconheceu a possibilidade da pretendida dedução, sem qualquer condicionante, balizando-se em precedentes do STF[6] favoráveis aos Contribuintes.

Portanto, o STJ abandonou a interpretação originária da Súmula n. 167 e passou a adotar uma interpretação mais ampliativa[7] para o contribuinte.

Pois bem, especificamente em relação ao curso do RE nº 603.497/MG (Tema nº 247), então interposto pelo Contribuinte em face do Acórdão desfavorável do STJ (anterior a 08/2010), tem-se, de fato, que ele ganhou, mas não levou!!!

Isso porque, apesar de o STF ter acolhido o entendimento de que o art. 9º, § 2º, “a”, do DL nº 406/68 fora recepcionado pela CR/88 (tese do Contribuinte), também decidiu no sentido de que caberia ao STJ “a delimitação do alcance do dispositivo regulamentar[8], por se tratar de matéria infraconstitucional.

Ou seja, ao mesmo tempo em que o STF reconhece a recepção do dispositivo (em favor do Contribuinte), limita-se a concluir, quanto à dedução pretendida e negada à época pelo STJ, que “essa exegese é restritiva, mas não se mostra ofensiva à Constituição da República.” (voto da Ministra Rosa Weber)[9]

Diante do exposto, questiona-se:

  • Qual passou a ser o entendimento do STJ após a decisão do STF (2022), que considerou que o posicionamento restritivo do STJ quanto à dedutibilidade (anterior a 08/2010) não seria ofensivo à CR/88?

Pois bem, a 2ª Turma[10] manteve a interpretação mais ampliativa quanto à legalidade da dedução, inclusive para os serviços de concretagem.

Por outro lado, a 1ª Turma[11] alterou o entendimento até então favorável ao contribuinte para retornar à interpretação mais restritiva (anterior a 08/2010), decidindo que “há de voltar a ser prestigiada a vetusta jurisprudência do STJ sobre o tema”.

Nesse contexto, afirmar que a recente decisão do STF teria posto fim aos debates sobre a matéria seria uma “fake news jurídica”…

A uma, porque o STF atribuiu ao STJ a delimitação do alcance do dispositivo, e a duas, porque o próprio STJ não tem entendimento uníssono sobre a matéria!!!

Este cenário, de idas e vindas, bem denota um ambiente de insegurança jurídica. Esperava-se que o STF decidisse (de uma forma ou outra…) o mérito da questão, contudo (e infelizmente), optou o órgão por devolvê-lo ao STJ, que até o momento continua proferindo decisões conflitantes entre as suas Turmas.

E não é só…, os processos ainda não apreciados pelo STJ têm agora a chance 50% de sucesso (1ª T. x 2ª T.), inclusive, em eventuais Embargos de Divergência.

No entanto, aqueles que já contam com a decisão negativa no STJ (anterior a 08/2010), mesmo estando o feito ainda em curso, dificilmente terão nova apreciação por aquele Tribunal. E no STF, por sua vez, eventual Recurso Extraordinário enfrentaria óbice na forma “assentada” no Tema n. 247.

A complexidade da questão recomenda análise caso a caso, notadamente diante das particularidades contratuais das prestadoras de serviços de concretagem, de sorte que a equipe de Direito Tributário do Chenut Oliveira Santiago está à disposição para quaisquer esclarecimentos sobre a matéria.

 

[1] “O art. 9º,§ 2º, do DL nº 406/1968 foi recepcionado pela ordem jurídica inaugurada pela Constituição de 1988.”

[2] Art. 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

  • 2º Na prestação dos serviços a que se referem os itens 19 e 20 da lista anexa o imposto será calculado sobre o preço deduzido das parcelas correspondentes:
  1. a) ao valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços;

[3] Durante seu deslocamento até a obra (local da prestação do serviço), o caminhão-betoneira mistura homogeneamente o M.C.C., adicionando água (hidratação – “fixação da relação água-cimento “) pouco antes do despejo/aplicação da “massa” na obra, momento em que concluída a prestação dos serviços.

[4] O fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil, preparado no trajeto até a obra em betoneiras acopladas a caminhões, é prestação de serviço, sujeitando-se apenas à incidência do ISS.

[5] Art. 7o A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. […]

  • 2o Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza:

I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar;

[6] RE 262.598, red. para o acórdão Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJe 27.09.2007; RE 362.666-AgR, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 27.03.2008; RE 239.360-AgR, rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe 31.07.2008; RE 438.166-AgR, rel. Min. Carlos Britto, 1ª Turma, DJ 28.04.2006; AI 619.095-AgR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 17.08.2007; RE 214.414-AgR, rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 29.11.2002; AI 675.163, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 06.09.2007; RE 575.684, rel. Min. Cezar Peluso, DJe 15.09.2009; AI 720.338, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 25.02.2009; RE 602.618, rel. Min. Celso de Mello, DJe 15.09.2009

[7] REsp 1.678.847/MS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/9/2017, DJe 9/10/2017; AgRg no REsp 1.425.580/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 9/3/2017, DJe 20/3/2017; AgRg no AREsp 634.871/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 5/3/2015, DJe 11/3/2015; AgRg nos EREsp 1.360.375/ES, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/12/2014, DJe 16/12/2014; AgRg no AREsp 182.462/RJ, Rel. Min. Og Fernandez, Segunda Turma, julgado em 2/12/2014, DJe 11/12/2014; e AgRg no AREsp 409.812/ES, Rel. Min. Ari Pargendler, Primeira Turma , DJe 11/4/2014.

[8] RE n. 603.497-AgR-segundo, Ministra Relatora Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 29/6/2020, Repercussão Geral – Mérito, DJe de 13/8/2020

[9] RE n. 603.497-AgR-segundo, Ministra Relatora Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 29/6/2020, Repercussão Geral – Mérito, DJe de 13/8/2020

[10] STJ – AgInt no AREsp: 1900715 SP 2021/0146993-3, Relator Herman Benjamin, Julgamento: 21/02/2022, 2ª T., DJe 15/03/2022

[11] STJ – REsp: 1916376 RS 2021/0011137-9, Relator Gurgel De Faria, Julgamento: 14/03/2023, 1ª T., DJe 18/04/2023

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