Por Brenda Beltramin
A geração de imagens por inteligência artificial (IA) tem impulsionado tendências virais nas redes sociais. Embora diversos modelos de IA já oferecessem esse recurso, a liberação da funcionalidade no ChatGPT para todos os usuários — inclusive os gratuitos — no final de março ampliou ainda mais sua popularidade, em especial com a disseminação de imagens no estilo “Studio Ghibli” geradas pela ferramenta nas redes sociais.
A tendência foi imediatamente seguida pela pertinente discussão jurídica: como ficam os direitos autorais? A regulamentação existente hoje é suficiente para protegê-los no contexto das novas tecnologias generativas?
Vale notar que o Studio Ghibli não foi o único impactado. Em 2023, a Disney enfrentou situação semelhante, quando o Bing Image Creator (IA da Microsoft) passou a ser amplamente utilizado para editar fotos no estilo “Disney”, gerando grande repercussão nas redes sociais. E nem mesmo a brasileiríssima Turma da Mônica escapou: no último mês, surgiram nas redes imagens geradas por IA com o estilo dos icônicos personagens da Mauricio de Sousa Produções.
O que diz a legislação de direitos autorais?
É importante destacar que a Lei de Direitos Autorais brasileira (Lei nº 9.610/1998) protege obras concretas e expressões originais, não estilos artísticos em si. Nesse sentido, resta claro que os estúdios criadores não poderiam, por exemplo, reivindicar direitos autorais sobre todas as obras que se assemelham ao seu estilo visual.
Por um lado, essa limitação é justificável, uma vez que conceder proteção jurídica a “estilos” criados por determinados autores poderia gerar conflitos com outras obras que compartilham características visuais semelhantes, mesmo que desenvolvidas de forma independente. Além disso, o conceito de estilo é amplo e subjetivo, o que tornaria sua proteção uma fonte de insegurança jurídica no campo dos direitos autorais.
No entanto, por outro lado, o processo criativo por trás da identidade visual de grandes estúdios como Ghibli, MSP e Disney não pode ser ignorado. Inúmeros autores trabalharam por anos a fio para um resultado detalhado e único. A reprodução em massa desse estilo por uma ferramenta automatizada sem qualquer contrapartida para seus criadores ultrapassa o mero incômodo, tornando-se um efetivo desincentivo à criação artística.
Para compreender como os direitos autorais se aplicam no contexto das IA generativas, é preciso, antes, entender a lógica de funcionamento desses modelos. São tecnologias são capazes de processar grandes volumes de imagens e informações, aprender com esses dados e, a partir de comandos específicos, gerar respostas baseadas nesse aprendizado.
Dessa forma, embora as imagens criadas a partir de prompts como “no estilo Studio Ghibli” sejam únicas, a IA só consegue compreender e reproduzir esse estilo porque, muito provavelmente, acessou durante seu treinamento um grande volume de imagens com características visuais associadas a esse mesmo estilo. Essas referências servem como base para a construção da nova imagem solicitada pelo usuário.
Ou seja, o cerne da questão pauta-se no uso de obras protegidas para treinamento dos modelos de IA. Embora a proteção das obras da Disney, Studio Ghibli e MSP já esteja prevista em lei, sua aplicação torna-se complexa frente às novas tecnologias, especialmente porque os dados de treinamento de IA nem sempre são disponíveis ao público. Dessa forma, a mera identificação do uso não autorizado já é difícil, ainda mais sua comprovação em juízo.
Desafios na proteção de direitos no contexto das IA generativas
Dificuldades práticas na proteção dos direitos autorais no contexto das Ias generativas estão sendo enfrentadas em todo o mundo. Nos Estados Unidos e na Europa, diversas ações judiciais foram iniciadas por artistas e seus representantes legais contra grandes empresas de IA, com o objetivo de discutir a legalidade do uso de obras protegidas no treinamento dos modelos generativos. Alguns dos principais processos ainda estão em curso, o que dificulta a compreensão dos possíveis precedentes judiciais.
A Europa também buscou mitigar as dificuldades na proteção de direitos no contexto de treinamento de modelos de IA por meio do EU AI Act, aprovado no Parlamento Europeu em 2024. Essa regulamentação estabelece a obrigatoriedade de disponibilização de um sumário detalhado sobre os dados utilizados no treinamento dos modelos, medida que pode facilitar a identificação de possíveis violações de direitos autorais.
No Brasil, o Projeto de Lei 2338/2023 — também conhecido como “PL de IA” — encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados e prevê a adoção de critérios para a separação e organização dos dados utilizados no treinamento de sistemas de IA. No entanto, diferentemente da abordagem europeia, o projeto brasileiro não trata da obrigatoriedade de divulgar informações sobre os dados de treinamento. Assim, ainda que venha a ser aprovado, o texto atual da proposta não resolve as principais barreiras operacionais hoje enfrentadas na proteção de direitos autorais nesse contexto no Brasil.
Para auxiliar a proteção dos direitos autorais, têm surgido iniciativas como sites que escaneiam bases de dados conhecidas por terem sido utilizadas no treinamento de modelos de IA com o objetivo de identificar imagens, domínios, marcas e outras informações, conforme a consulta do usuário — como é o caso do “Have I Been Trained”.
Conclusão
Embora já existam mecanismos legais de proteção aos direitos autorais, sua forma de aplicação frente novas tecnologias é um processo ainda em construção.
Observando as primeiras repercussões jurídicas relacionadas aos modelos generativos, a lição é clara: treinamento de IA é um assunto de extrema relevância. Empresas que utilizam ou estejam implementando esses modelos devem adotar uma postura proativa quanto à origem dos dados que os alimentam, garantindo que seu uso esteja em conformidade com a legislação vigente e com os direitos de terceiros.
Do outro lado, titulares de direitos autorais e organizações que atuam em sua defesa também precisam se apropriar das ferramentas tecnológicas disponíveis para identificar usos não autorizados de suas obras e fortalecer sua atuação jurídica.
Nossa equipe especializada em direito digital está à disposição para apoiar na implementação responsável dessas tecnologias, com atenção às normas de direitos autorais, proteção de dados e demais exigências regulatórias aplicáveis.
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