Por Luiza Gouveia Marques Dias
Três sócios de uma clínica especializada — referência em medicina diagnóstica em sua região — decidiram iniciar conversas com investidores interessados em discutir um aporte para atuar no setor. Após rodadas iniciais bem-sucedidas, foi assinado um memorando de entendimentos. A operação parecia madura: bons indicadores financeiros, marca consolidada e atuação relevante no mercado local.
Mas o fechamento nunca aconteceu.
Com o avanço da auditoria conduzida pelos potenciais compradores, surgiram os entraves: licenças sanitárias vencidas em algumas unidades, vínculos informais com parte da equipe, contratos mal redigidos com operadoras e disputas sobre a titularidade de ativos estratégicos. Diante da insegurança jurídica e da dificuldade em quantificar os riscos, o investidor optou por retirar-se da transação.
Embora fictício, esse cenário ilustra com precisão o que ocorre, com frequência, em operações de M&A no setor da saúde. Negociar uma empresa nesse setor vai muito além do valuation. A falta de preparação jurídica pode adiar o negócio — ou inviabilizá-lo por completo.
No setor da saúde, essa preparação exige uma análise jurídica aprofundada, alinhada às especificidades do segmento. O ponto de partida é a conformidade regulatória: é essencial verificar a regularidade de todas as licenças sanitárias e autorizações de funcionamento emitidas por órgãos estaduais e municipais, além dos registros perante a ANVISA, como AFE (Autorização de Funcionamento de Empresa), AE (Autorização Especial) e eventuais registros de produtos, a depender do mercado de atuação da empresa. Irregularidades nessa documentação são um sinal vermelho para qualquer comprador.
Sempre que aplicável, a análise deve se estender à relação da empresa com operadoras de planos de saúde, que diversas vezes são as principais fontes de receita no setor. Contratos frágeis — com cláusulas desequilibradas, vedação à mudança de controle (change of control) ou com vigência insuficiente — podem afastar investidores. É igualmente crítico mapear eventuais dependências de poucos convênios, o que representa risco de concentração e impacto direto no valuation.
Outro ponto sensível em diversas empresas atuantes no setor é a estrutura de contratação dos profissionais de saúde. Em clínicas e hospitais de pequeno e médio porte, por exemplo, é comum que médicos, técnicos e outros profissionais atuem sob vínculos informais. Essa prática pode gerar passivos trabalhistas expressivos. A due diligence deve identificar essas fragilidades e propor soluções de regularização antes da negociação avançar. Contratos bem estruturados, com cláusulas claras e alinhadas à legislação vigente, são sinais de uma boa gestão.
A conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) também se tornou um divisor de águas. Empresas que lidam com prontuários eletrônicos e dados sensíveis precisam demonstrar maturidade em governança de dados, controle de acessos e segurança da informação. A ausência de políticas claras de tratamento e descarte de dados pode elevar o risco percebido e impactar o valor da operação. Estar em conformidade com a LGPD não é apenas uma exigência legal — é uma exigência de mercado, cada vez mais valorizada por investidores institucionais e fundos estrangeiros.
A propriedade intelectual é outro ativo estratégico que merece atenção. Marcas, patentes e softwares devem estar formalmente protegidos e registrados em nome da empresa. Se estiverem em nome de sócios ou terceiros, o negócio pode ser reavaliado ou até mesmo descartado, a depender da viabilidade de transferência dessa propriedade para a empresa. Em mercados complexos como o da saúde, uma gestão ativa de riscos jurídicos pode ser um diferencial competitivo. Empresas com estrutura de governança robusta, auditorias internas periódicas e histórico de compliance ganham pontos com fundos, investidores estratégicos e até bancos.
A situação tributária da empresa também precisa ser cuidadosamente avaliada. Divergências na apuração de tributos, regimes fiscais mal enquadrados ou contingências não provisionadas podem levar à revisão de preço ou à imposição de garantias. Uma análise tributária detalhada evita surpresas e dá ao vendedor argumentos para defender o valuation proposto.
Por isso, a vendor due diligence tem um caráter multidisciplinar e estratégico. Deve abranger, sobretudo, aspectos regulatórios, trabalhistas, marcários, tributários, societários e, sempre que possível, operacionais e contábeis. O principal objetivo não é detectar problemas, mas construir uma empresa pronta para o investimento, afim de se obter a melhor negociação possível.
Esse preparo reduz litígios, evita retenções excessivas (Escrow accounts de elevado valor, que reduzem a liquidez da operação, por exemplo) e protege contra exigências contratuais onerosas. Mais que isso: conduzem a operação com previsibilidade, controle e maior poder de negociação. Investidores profissionais valorizam não apenas ativos saudáveis, mas negócios previsíveis. Quando a documentação está organizada, os riscos estão mapeados e a empresa conhece sua própria exposição, o comprador se sente mais confiante para avançar — e disposto a pagar mais.
Ignorar essa etapa é ceder o controle da operação. Quem detecta falhas, define as soluções — geralmente sob pressão e com impacto financeiro direto: descontos no preço, garantias onerosas ou, no limite, desistência da proposta. O vendedor, nesse cenário, perde tempo, dinheiro e autonomia.
Para sócios que enxergam a venda como reestruturação, aposentadoria ou captação de recursos para crescer, a preparação jurídica prévia é o caminho mais seguro e eficaz. A vendor due diligence deve ser tratada como um investimento estratégico, capaz de maximizar valor, reduzir riscos e garantir que a operação aconteça nos termos ideais.
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