Boas Práticas Trabalhistas e a Virada Cultural da Conformidade Interna

* Mariana Machado Pedroso

A experiência tem mostrado que, no universo corporativo — especialmente em setores técnicos, regulados e altamente pressionados como a indústria farmacêutica —, não são apenas os atos ilícitos evidentes que geram responsabilização. A maneira como o trabalho é estruturado, os fluxos são desenhados, as metas são distribuídas e as lideranças atuam pode ser tão decisiva quanto o conteúdo de uma norma ou cláusula contratual.

Em reflexões recentes promovidas no setor, ganharam destaque os impactos trabalhistas da desorganização interna, da ausência de escuta, da rigidez excessiva e da cobrança desproporcional como causas relevantes de adoecimento, rotatividade e judicialização. A prática mostra que, mesmo com políticas bem escritas, a cultura do dia a dia tem sido determinante para a responsabilização — ou a proteção — da empresa.

Entre os pontos debatidos, chamou atenção a constatação de que nem sempre o problema está em quem age com má-fé, mas sim em gestores despreparados para liderar com equilíbrio e conformidade. A falta de clareza sobre como orientar, corrigir, cobrar e comunicar é um dos gatilhos clássicos de conflitos internos que se transformam em ações trabalhistas ou em fiscalizações do MPT.

Feedbacks não estruturados, metas que não dialogam com a realidade operacional, ausência de retorno sobre demandas sensíveis e punições desconectadas do histórico funcional foram reconhecidos como práticas que comprometem a segurança jurídica das relações e, cada vez mais, são juridicamente analisadas sob a ótica do assédio institucional.

Além disso, destacaram-se temas como:

  • A necessidade de que lideranças conheçam os limites legais da sua atuação cotidiana, inclusive sobre questões disciplinares e metas de equipe;
  • A valorização do papel da CIPA como espaço de diálogo e escuta estruturada, em alinhamento com a NR-5;
  • A urgência de alinhar a atuação de áreas como jurídico, RH, segurança do trabalho e supervisão operacional;
  • A importância de distinguir problemas de desempenho de situações de adoecimento psíquico — uma fronteira que, se ignorada, pode levar à responsabilização civil e previdenciária da empresa.

Nesse cenário, a discussão em torno da nova obrigação trazida pela NR-1, alterada pela Portaria MTE nº 765/2025, revelou um novo vetor de risco — agora formalmente regulamentado. A partir de 26 de maio de 2025, será obrigatório incluir os fatores psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), com possibilidade de autuação fiscal a partir de maio de 2026.

Segundo a norma, devem ser considerados fatores como metas abusivas, ausência de apoio, conflitos interpessoais, desorganização, rotinas imprevisíveis e sobrecarga crônica. E mais: não basta mencionar esses riscos — é preciso diagnosticá-los com metodologia técnica, promover a participação dos trabalhadores e registrar medidas concretas de prevenção com cronograma, responsáveis e metas de melhoria contínua.

Essa nova obrigação consolida um movimento que já vinha sendo ensaiado nos tribunais e que agora se torna vinculante: a omissão diante de riscos organizacionais, mesmo intangíveis, pode configurar falha na gestão da saúde ocupacional e gerar consequências previdenciárias, administrativas e judiciais.

Com esse pano de fundo, fica evidente que boas práticas trabalhistas não podem mais ser tratadas como pauta secundária ou apenas reativa. Elas são instrumento de proteção da empresa, da equipe e da liderança. Mas exigem preparo, método, linguagem comum e, sobretudo, decisão institucional de tratá-las com a seriedade que a lei — e a realidade — impõem.

Nem todos os debates internos precisam virar norma. Mas todo ambiente de trabalho que adoece, cedo ou tarde, vira processo.

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