Paola Ladeira Bernardes e Flavia Regina Alves Carmo
O acesso à saúde é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988. Nos artigos 6º e 196, a Carta Magna estabelece que a saúde é um direito social e um dever do Estado, a ser assegurado por meio de políticas públicas. Nesse contexto, a judicialização da saúde surge como mecanismo para efetivar esse direito diante da inércia ou omissão do poder público.
Nos últimos anos, a judicialização tornou-se um fenômeno crescente e complexo, especialmente quando envolve a obrigatoriedade do Estado em fornecer medicamentos não incorporados ao SUS ou ainda não registrados pela Anvisa. O impacto desse fenômeno vai além das garantias individuais: gera forte pressão financeira e administrativa sobre o SUS e sobrecarrega o Poder Judiciário com milhares de ações individuais. Diante disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido provocado a estabelecer diretrizes uniformes que tragam segurança jurídica ao tema.
📌 O STF e a consolidação de entendimentos
Buscando pacificar o entendimento sobre o tema, o STF enfrentou a matéria sob a sistemática da repercussão geral, analisando diversos recursos paradigmáticos — com destaque para os Temas 06, 500, 793 e 1234. As decisões proferidas nesses casos agora servem como parâmetros vinculantes para o Judiciário e norteiam a atuação da Administração Pública.
Antes de apresentar os critérios fixados, é importante destacar a relevância prática do tema. Um estudo do INSPER, por exemplo, identificou um crescimento de 130% nas demandas judiciais relacionadas à saúde entre 2008 e 2017. Os custos da judicialização para o governo federal também saltaram de R$ 122 milhões (em 2010) para R$ 1,6 bilhão (em 2016), impactando diretamente o orçamento do SUS. O Ministério da Saúde gastou apenas no ano de 2024, R$ 3,2 bilhões de reais com demandas judiciais de medicamentos, sendo R$1,9 bilhão referente a gastos próprios de empenhos.
Vale destacar que a judicialização da saúde não é um fenômeno homogêneo. Há diferenças significativas entre demandas envolvendo medicamentos da RENAME — que já integram o orçamento público — e pedidos de fármacos de alto custo ainda fora da política oficial.
Os principais entendimentos do STF
Abaixo, os principais precedentes consolidados e seus efeitos práticos:
- Tema 06: O STF decidiu que, em regra, o Estado não é obrigado a fornecer medicamentos registrados na Anvisa, mas não incorporados ao SUS. A concessão judicial é possível em casos excepcionais, desde que o paciente comprove: (i) insuficiência financeira; (ii) inexistência de alternativa terapêutica na lista do SUS; (iii) eficácia comprovada; e (iv) necessidade imprescindível.
- Tema 793: Firmou-se que a responsabilidade pelo fornecimento de medicamentos é solidária entre União, Estados, DF e Municípios. O cidadão pode acionar qualquer ente federativo, sem prejuízo do direito de regresso entre eles.
- Tema 500: O fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa somente pode ser determinado judicialmente em casos excepcionais, com base em quatro critérios cumulativos: (i) mora excessiva da Anvisa no exame do pedido de registro; (ii) existência de pedido de registro no Brasil; (iii) registro em agências regulatórias internacionais de referência; e (iv) inexistência de substituto terapêutico registrado no país. Nesses casos, a ação deve ser proposta exclusivamente contra a União.
- Tema 1234: O STF definiu que, quando o valor do tratamento anual com medicamento registrado na Anvisa, mas não incorporado ao SUS, for igual ou superior a 210 salários mínimos, a competência será da Justiça Federal.
Impactos estratégicos para a indústria farmacêutica
As diretrizes fixadas pelo STF têm impactos imediatos na rotina da Administração Pública, que passou a adotar protocolos internos mais criteriosos para análise de pedidos administrativos e evitar a judicialização desnecessária. Estados e municípios também vêm investindo em ferramentas tecnológicas e bases de dados integradas para avaliar a efetividade dos tratamentos e coibir fraudes.
Para a indústria farmacêutica, esses precedentes representam um novo marco regulatório e comercial. Empresas que fornecem medicamentos de alto custo ao Estado devem observar atentamente os critérios de excepcionalidade definidos pelo STF, pois eles influenciam diretamente nas possibilidades de comercialização via decisão judicial.
É fundamental que as estratégias de mercado considerem exigências como:
- Registro na Anvisa;
- Inexistência de substituto terapêutico disponível no SUS;
- Comprovação científica robusta de eficácia e necessidade.
Além disso, a previsibilidade jurídica criada pelas decisões do STF favorece o planejamento de investimentos, o desenvolvimento de produtos e a relação institucional com o setor público.
Um cenário mais previsível e sustentável
Ao padronizar critérios e reafirmar a responsabilidade federativa compartilhada, o STF oferece um caminho para tornar o sistema de saúde mais racional e justo, ao mesmo tempo em que cria um ambiente mais seguro e previsível para a atuação da indústria farmacêutica e de empresas que operam com saúde pública.
O acompanhamento atento desse cenário jurídico e de suas evoluções tornou-se um diferencial competitivo para empresas do setor — não apenas para fins de compliance, mas também para alinhamento estratégico com as novas exigências do mercado e da Administração Pública.
A visão do Chenut sobre o cenário atual
O Chenut Advogados acompanha de perto a evolução da judicialização da saúde e os impactos regulatórios e comerciais para os players do setor. Com atuação consolidada junto a empresas nacionais e multinacionais da área farmacêutica, hospitalar, de biotecnologia e de saúde suplementar, o escritório oferece assessoria estratégica que vai além do contencioso: buscamos alinhar o jurídico ao negócio.
Para o Chenut, as decisões recentes do STF não apenas redefinem o relacionamento entre Estado e cidadão, mas também exigem novas posturas por parte das empresas que fornecem soluções de saúde ao setor público. É nesse contexto que nosso escritório se posiciona como parceiro jurídico de negócios, atuando de forma proativa na:
- análise jurídica de riscos e oportunidades regulatórias;
- formação de estratégias preventivas para evitar judicializações;
- acompanhamento de ações estruturantes ou de grande impacto comercial;
- orientação em processos de inovação, precificação e incorporação de tecnologias em políticas públicas;
- construção de protocolos internos e boas práticas para relacionamento com o Estado.
Com uma equipe multidisciplinar e experiente, o Chenut oferece soluções jurídicas alinhadas com os princípios de sustentabilidade econômica, responsabilidade institucional e compliance regulatório. Nosso compromisso é contribuir para a construção de um ecossistema de saúde mais justo, eficiente e previsível — tanto para os entes públicos quanto para as empresas que nele atuam.