Por Rhuana Rodrigues César
Introdução
A gestão de risco de crédito é essencial à saúde financeira das organizações. No entanto, práticas como a criação e o compartilhamento de listas internas de inadimplentes vêm sendo amplamente questionadas à luz da legislação brasileira sobre proteção de dados e defesa do consumidor.
O ponto central da controvérsia reside na tensão entre o direito do credor à informação — como forma de proteger suas atividades — e o direito do consumidor à privacidade e à autodeterminação informativa.
Esse tema ganha ainda mais força diante do aumento da inadimplência e dos pedidos de recuperação judicial no Brasil. Em outubro de 2024, 68,11 milhões de consumidores estavam negativados, representando 41,23% da população adulta. Paralelamente, o país registrou 2.273 pedidos de recuperação judicial em 2024, um aumento de 61,8% em relação ao ano anterior, sendo o maior número desde o início da série histórica em 2005.
Diante desse cenário, é imperativo analisar os desafios enfrentados pelos credores na concessão de crédito e a importância do compartilhamento de informações para mitigar riscos.
Imagine uma empresa que mantém uma lista interna de clientes inadimplentes, acessível apenas a seus departamentos de cobrança e comercial. Em determinado momento, essa lista é compartilhada com empresas do mesmo grupo econômico, com o intuito de evitar novos prejuízos.
Estaria esse compartilhamento amparado pela LGPD? E quanto à proteção conferida pelo Código de Defesa do Consumidor?
Esse artigo busca refletir sobre os limites legais do uso e do compartilhamento dessas listas internas de inadimplência, à luz da LGPD, do CDC e da jurisprudência. Ao final, propõe-se orientações práticas para empresas que desejam atuar com segurança jurídica na gestão da inadimplência.
1. LGPD e CDC: Bases Legais, Princípios Aplicáveis e Limites ao Compartilhamento de Informações.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabelece que o tratamento de dados pessoais deve estar amparado em uma das bases legais previstas no art. 7º. No caso de listas internas de inadimplentes, a base legal mais apropriada costuma ser a do art. 7º, X: “proteção do crédito, inclusive quanto ao disposto na legislação pertinente”.
A ANPD, no Guia Orientativo sobre Tratamento de Dados Pessoais para a Proteção do Crédito, esclarece que o tratamento para proteção ao crédito não pode ser genérico e deve ser limitado ao estritamente necessário.
O documento reforça que “não basta o enquadramento formal em uma base legal”, exigindo-se que o controlador adote práticas de governança, como o Registro de Operações de Tratamento e Relatórios de Impacto à Proteção de Dados Pessoais (RIPD).
Autores como Bruno Bioni reforçam que a LGPD opera sob o regime da responsabilidade demonstrada (accountability), cabendo ao controlador comprovar a conformidade do tratamento com os princípios da lei.
O simples enquadramento em uma hipótese legal não exime o agente de tratamento do dever de observar os demais requisitos legais e éticos, especialmente quando se trata de dados potencialmente sensíveis como a inadimplência.
Já Danilo Doneda, um dos principais arquitetos da LGPD, já alertava que a proteção ao crédito não poderia ser uma “cláusula de abertura” para flexibilizar direitos fundamentais, destacando que o uso indiscriminado de informações pessoais pode reproduzir mecanismos de exclusão e discriminação econômica.
E embora o inciso X, do art. 7º da LGPD tenha sido largamente invocado como amparo jurídico para a análise e compartilhamento de dados em operações de crédito, essa hipótese legal não concede liberdade irrestrita aos agentes de tratamento.
Ao contrário, o exercício desse direito está condicionado à observância dos princípios fundamentais estabelecidos no artigo 6º da LGPD, que orientam todas as atividades de tratamento de dados, inclusive aquelas relacionadas à proteção do crédito.
Destacam-se, nesse contexto, os seguintes princípios:
- Finalidade (art. 6º, I): exige que o tratamento ocorra com propósito legítimo, específico e informado ao titular, ou seja, é vedado o uso de dados para finalidades genéricas ou futuras sem transparência;
- Adequação (art. 6º, II): determina que o tratamento seja compatível com as finalidades informadas ao titular no momento da coleta, evitando surpresas ou desvios de uso;
- Necessidade (art. 6º, III): impõe a limitação do tratamento ao mínimo necessário, de modo a restringir a coleta e o compartilhamento de dados apenas aos estritamente essenciais para a operação;
- Transparência (art. 6º, VI): assegura que os titulares tenham acesso claro, preciso e facilmente acessível sobre o tratamento de seus dados, incluindo informações sobre o compartilhamento com terceiros.
Assim, a invocação da base legal do art. 7º, X da LGPD não afasta a necessidade de observância cumulativa desses princípios e o art. 6º da LGPD também impõe que os dados tratados respeitem os princípios da livre iniciativa e proteção à dignidade humana, o que significa que o interesse empresarial não pode justificar práticas opacas, discriminatórias ou arbitrárias.
A criação de “listas internas de inadimplentes” — muitas vezes utilizadas de forma sigilosa ou compartilhadas entre parceiros comerciais ou entidades do mesmo grupo econômico — pode configurar violação direta aos princípios da transparência e da finalidade, especialmente quando inexistente qualquer aviso prévio ao consumidor ou ausência de mecanismo para exercício dos direitos previstos no art. 18 da LGPD.
Além disso, o compartilhamento de dados pessoais sem respaldo legal e sem garantir os direitos dos titulares também pode afrontar o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). O art. 43 do CDC dispõe expressamente:
Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre suas respectivas fontes.
O §2º do mesmo artigo impõe a obrigatoriedade de prévia comunicação ao consumidor sobre sua inscrição em cadastros de inadimplentes, concedendo-lhe a oportunidade de correção ou contestação:
§2º A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
Segundo Nelson Nery Jr., em seu Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado, o art. 43 do CDC “deve ser interpretado restritivamente” e a comunicação prévia ao consumidor é “pressuposto de validade da negativação”. Sua ausência gera dano moral presumido.
O CDC, portanto, complementa essa proteção ao impor o dever de informação prévia e clara ao consumidor sobre qualquer registro negativo ou inserção em bancos de dados. A omissão dessa comunicação compromete não só o direito de defesa e correção dos dados (art. 43, §2º), como também pode configurar prática abusiva.
2. Caso hipotético: os riscos do compartilhamento informal de listas internas de inadimplentes.
Imagine-se o seguinte cenário: uma grande rede varejista nacional começa a compartilhar, sem o devido consentimento, listas internas de inadimplentes com parceiros comerciais — como franqueados e operadores logísticos. Essas listas não são integradas a sistemas oficiais dos birôs de crédito nem são de conhecimento do público consumidor.
A ausência de transparência gera uma série de problemas. Muitos consumidores têm suas compras recusadas com base em informações constantes nesses registros internos, sem jamais terem sido informados sobre sua existência. Por isso, não conseguem exercer os direitos assegurados pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), especialmente quanto ao acesso, correção e eliminação dos dados, conforme previsto no artigo 18 da referida norma.
Além das potenciais violações à LGPD, tal prática também pode afrontar o Código de Defesa do Consumidor (CDC), notadamente o artigo 43, §§ 2º e 3º, que impõem o dever de informação prévia ao consumidor sobre qualquer abertura de cadastro, ficha ou banco de dados, bem como asseguram o direito à correção imediata de informações equivocadas.
Em um desdobramento hipotético, a autoridade de defesa do consumidor poderia entender que há uma prática abusiva e ilegal, determinando a suspensão imediata do compartilhamento de dados internos, a revisão da política de concessão de crédito da empresa e a elaboração de um plano de conformidade com a LGPD, sob pena de sanções administrativas e civis.
Para além da responsabilização jurídica, esse cenário evidencia um aspecto frequentemente negligenciado pelas empresas: o risco reputacional.
Em um mercado no qual o consumidor está cada vez mais atento à proteção de seus direitos (incluindo dados), práticas que envolvam tratamento não transparente, mesmo que interno, podem comprometer profundamente a confiança na marca.
Situações como essa reforçam que a informalidade no tratamento de informações pessoais custa caro — seja em termos de penalidades regulatórias, seja em perda de mercado e credibilidade.
O exemplo, portanto, funciona como alerta à iniciativa privada sobre a urgência da revisão de práticas internas de coleta, retenção e compartilhamento de informações financeiras.
3. Jurisprudência: STJ e Tribunais Estaduais.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado o entendimento de que o tratamento de dados pessoais, sobretudo em contextos envolvendo negativação ou recusa de crédito, deve observar rigorosamente os deveres de informação e transparência.
No REsp 1758799/SP, segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora, em se tratando de compartilhamento das informações do consumidor pelos bancos de dados, deve ser observada a regra do inciso V do artigo 5º da Lei 12.414/2011, a qual assegura ao cadastrado o direito de ser informado previamente sobre a identidade do gestor e sobre o armazenamento e o objetivo do tratamento dos dados pessoais, confira-se breve trecho:
“O fato, por si só, de se tratar de dados usualmente fornecidos pelos próprios consumidores, quando da realização de qualquer compra no comércio, que não se afiguram como os chamados dados sensíveis ou sigilosos”, não afasta a responsabilidade do gestor do banco de dados, na medida em que, quando o consumidor o faz “não está, implícita e automaticamente, autorizando o comerciante a divulgá-los no mercado” – explicou a ministra ao destacar que, nessas situações, o consumidor confia na proteção de suas informações pessoais.”
Para a resolução do caso, ela destacou a relevância de observar as determinações legais relativas ao dever de informação, ressaltando que esse dever inclui a obrigação de notificar formalmente o consumidor sobre a criação de cadastro, ficha, registro ou inclusão de dados pessoais e de consumo não solicitada, conforme dispõe o § 2º do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Nancy Andrighi pontuou, ainda, que a situação em análise se diferencia daquela tratada pela Segunda Seção no julgamento do Tema 710 dos recursos repetitivos, em 2014. Naquela ocasião, o colegiado concluiu que, no contexto do sistema de credit scoring, não é necessário obter o consentimento prévio e expresso do consumidor avaliado, pois o modelo não configura um cadastro ou banco de dados, mas sim um sistema estatístico de análise.
Esse entendimento reflete uma interpretação sistemática e principiológica da LGPD e do Código de Defesa do Consumidor (CDC), em que a proteção à privacidade, à autodeterminação informativa e ao devido processo informacional são pilares essenciais das relações jurídicas baseadas em dados.
No âmbito dos Tribunais de Justiça Estaduais, esse posicionamento também tem sido reiterado.
Confira este julgado do TJMG:
INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – INSCRIÇÃO DO NOME DA CONSUMIDORA NOS CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO – LEGITIMIDADE PASSIVA DO ÓRGÃO QUE COMPARTILHA A IMFORMAÇÃO – AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA – OBRIGAÇÃO DO ÓRGÃO MANTENEDOR DO CADASTRO – DEVER DE INDENIZAR. Aquele que possui banco de dados com informações acerca do cumprimento, ou não, das obrigações financeiras dos consumidores, utilizado pelo comércio para análise de crédito, tem legitimidade para responder pelos danos causados em razão da ausência de notificação prévia do negativado, ainda que somente compartilhe informações de outro cadastro. O art. 43, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor determina que o consumidor deve ser notificado sobre a inclusão de seu nome em cadastros de proteção ao crédito pelo órgão mantenedor do cadastro restritivo . Ausente a notificação prévia de inscrição do nome do devedor, inconteste é o dever de indenizar pelos danos morais sofridos. (TJMG – Apelação Cível: 50115089420228130567 1.0000.24 .209919-0/001, Relator.: Des.(a) Antônio Bispo, Data de Julgamento: 26/07/2024, 15ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 31/07/2024).
A decisão afirma que mesmo o órgão que apenas compartilha informações de inadimplência extraídas de outros cadastros também tem o dever de notificar previamente o consumidor sobre a negativação, conforme exige o art. 43, §2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Ao não fazê-lo, assume o risco da responsabilidade civil pelos danos morais decorrentes da ausência dessa notificação, ainda que não tenha sido o originador da informação.
Ressaltando a possibilidade de compartilhamento dos dados, desde que sejam observados os dispositivos legais, o TJSP tem se pronunciado:
APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA. Retificação do valor atribuído à causa de ofício. Inteligência do art. 292, II e § 3º, do CPC. Irregularidade no polo passivo. Inocorrência. Análise nos moldes do art. 1.009, § 1º, do CPC. Demanda ajuizada em face de entidade mantenedora de cadastro restritivo de proteção ao crédito. Pretensão de anulação da anotação restritiva lançada em detrimento do autor sem observância do disposto no art. 43, § 2º do CDC. Legitimidade passiva ad causam que emerge da clareza do dispositivo legal invocado como fundamento da pretensão. Entendimento cristalizado no enunciado da súmula 359 do E. STJ . Afastamento da extinção anômala do feito. Aplicação do disposto no art. 1.013, § 3º, I, do CPC . Compartilhamento de dados entre entidades mantenedoras de cadastros restritivos de proteção ao crédito. Admissibilidade. Notificação prévia em estrita consonância com o disposto no art. 43, § 2º do CDC levada a efeito pelo arquivista originário, inclusive com expressa menção ao compartilhamento de dados com o SPC Brasil . Escopo finalístico do preceito normativo respeitado. Ilegalidade não identificada. Ausência de questionamento sobre a veracidade dos dados compartilhados. Ação improcedente . Determinação de envio de peças a conhecimento do NUMOPEDE. Recurso provido, para afastar-se o decreto de extinção anômala do feito, passando-se ao julgamento do mérito, na forma do art. 1.031, § 3º, I do CPC, quando então julgado improcedente o pedido deduzido. (TJ-SP – AC: 10244210720188260196 SP 1024421-07.2018.8.26 .0196, Relator.: Airton Pinheiro de Castro, Data de Julgamento: 17/04/2020, 29ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/04/2020).
APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA. Retificação do valor atribuído à causa de ofício. Inteligência do art. 292, II e § 3º, do CPC. Irregularidade no polo passivo. Inocorrência. Análise nos moldes do art. 1.009, § 1º, do CPC. Demanda ajuizada em face de entidade mantenedora de cadastro restritivo de proteção ao crédito. Pretensão de anulação da anotação restritiva lançada em detrimento do autor sem observância do disposto no art. 43, § 2º do CDC. Legitimidade passiva ad causam que emerge da clareza do dispositivo legal invocado como fundamento da pretensão. Entendimento cristalizado no enunciado da súmula 359 do E. STJ . Afastamento da extinção anômala do feito. Aplicação do disposto no art. 1.013, § 3º, I, do CPC . Compartilhamento de dados entre entidades mantenedoras de cadastros restritivos de proteção ao crédito. Admissibilidade. Notificação prévia em estrita consonância com o disposto no art. 43, § 2º do CDC levada a efeito pelo arquivista originário, inclusive com expressa menção ao compartilhamento de dados com o SPC Brasil . Escopo finalístico do preceito normativo respeitado. Ilegalidade não identificada. Ausência de questionamento sobre a veracidade dos dados compartilhados. Ação improcedente . Determinação de envio de peças a conhecimento do NUMOPEDE. Recurso provido, para afastar-se o decreto de extinção anômala do feito, passando-se ao julgamento do mérito, na forma do art. 1.031, § 3º, I do CPC, quando então julgado improcedente o pedido deduzido. (TJ-SP – AC: 10244210720188260196 SP 1024421-07.2018.8.26 .0196, Relator.: Airton Pinheiro de Castro, Data de Julgamento: 17/04/2020, 29ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/04/2020).
Tais decisões refletem a crescente judicialização da proteção de dados, exigindo dos agentes de tratamento uma conduta proativa de conformidade não apenas formal, mas material, com os direitos do titular.
4. Como compartilhar dados com segurança jurídica: orientações práticas para empresas sob a ótica da LGPD.
Diante dos riscos legais e reputacionais associados ao uso de listas internas de inadimplentes, é fundamental que as empresas adotem práticas robustas e juridicamente seguras para o tratamento e o compartilhamento de dados relacionados à inadimplência.
Abaixo, são apresentadas orientações práticas que conciliam a proteção do crédito com o respeito aos direitos dos titulares, à luz da LGPD e do CDC:
- Escolha de base legal adequada e proporcionalidade do tratamento. Antes de qualquer operação de tratamento ou compartilhamento de dados de inadimplência, a empresa deve identificar a base legal mais adequada, com especial atenção ao art. 7º, X, da LGPD (proteção ao crédito).
É recomendável que esse enquadramento seja registrado formalmente, preferencialmente por meio de um Registro de Operações de Tratamento de Dados Pessoais (ROPA), contemplando as finalidades específicas do compartilhamento e os dados tratados.
Exemplo prático: Uma administradora de condomínios decide compartilhar com outras administradoras, do mesmo grupo empresarial, uma base de dados contendo histórico de inadimplência de moradores. Para isso, justifica a operação com base na proteção do crédito (art. 7º, X, LGPD), limita os dados a nome, CPF e valores em atraso, e informa previamente os titulares sobre essa prática.
A adoção de medidas de governança é vista pela ANPD como um elemento atenuante em caso de fiscalização ou incidente, como previsto no Regulamento de Dosimetria de Sanções.
- Consentimento em casos não enquadráveis como proteção ao crédito. Em situações em que o compartilhamento de dados não possa ser adequadamente fundamentado na proteção ao crédito — como, por exemplo, para fins estatísticos, marketing ou análise de comportamento de consumo — o consentimento do titular será necessário. Esse consentimento deve ser livre, informado e inequívoco, nos termos do art. 8º da LGPD.
Modelo de cláusula de consentimento:
“Declaro, de forma livre e informada, que autorizo o compartilhamento dos meus dados pessoais (nome, CPF, histórico de pagamentos) com empresas parceiras da [nome da empresa], exclusivamente para fins de análise de concessão de crédito, conforme as disposições da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018).”
- Informação prévia e clara ao consumidor. Nos termos do art. 43, §2º, do CDC, é obrigatória a comunicação prévia ao consumidor sobre a abertura de qualquer ficha, cadastro ou registro de inadimplência. Essa comunicação deve conter linguagem clara, acessível e deve ser realizada em tempo hábil para que o titular possa exercer seu direito à retificação ou contestação.
Exemplo prático: Uma empresa de e-commerce envia e-mail automático ao consumidor inadimplente com o seguinte aviso:
“Prezado(a) cliente, informamos que, em razão do não pagamento da fatura nº 123456, seus dados poderão ser incluídos em nossos registros internos de inadimplência. Você poderá, a qualquer tempo, solicitar esclarecimentos, retificações ou exercer seus direitos conforme previsto na LGPD.”
- Respeito ao princípio da minimização e limitação do acesso O compartilhamento deve restringir-se ao mínimo necessário para atingir a finalidade legítima. Isso inclui limitar o número de dados pessoais envolvidos, o número de pessoas com acesso e o tempo de retenção. Evite compartilhamentos em massa ou sem critérios claros de relevância.
Medida recomendada: Implementar perfis de acesso nos sistemas internos, com logs de auditoria para controlar quem acessou os dados e com qual finalidade.
- Elaboração de cláusulas contratuais de proteção de dados. Em operações de compartilhamento de dados com parceiros comerciais ou empresas do mesmo grupo econômico, é essencial estabelecer cláusulas contratuais que delimitem a responsabilidade de cada parte, conforme exigido pelo art. 39 da LGPD.
Modelo de cláusula contratual:
“As PARTES se comprometem a tratar os dados pessoais compartilhados exclusivamente para as finalidades previstas neste instrumento, observando os princípios da boa-fé, transparência, necessidade e segurança, responsabilizando-se por eventuais violações legais, inclusive no tocante a incidentes de segurança e atendimento aos direitos dos titulares.”
- Elaboração de Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais (RIPD). Sempre que o tratamento de dados possa representar risco relevante aos direitos dos titulares, recomenda-se a elaboração de um Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais, previsto no art. 38 da LGPD. O RIPD ajuda a demonstrar a boa-fé da empresa, identificar riscos e implementar salvaguardas preventivas.
Exemplo prático: Uma fintech pretende utilizar um banco interno de dados de inadimplentes para automatizar decisões de crédito. Antes de colocar o sistema em funcionamento, elabora RIPD detalhado, avaliando os impactos dessa prática nos direitos dos titulares, os riscos de discriminação e as medidas de mitigação adotadas, como explicabilidade das decisões automatizadas.
4.1 Como compartilhar dados com segurança jurídica: orientações práticas para empresas sob a ótica do CDC.
Sob a perspectiva do credor, o uso adequado de listas internas de inadimplência pode funcionar como ferramenta de prevenção ao inadimplemento, desde que respeitados os limites do CDC.
O artigo 43 do Código permite a criação de cadastros de consumidores com informações pertinentes à sua vida creditícia, desde que os dados sejam verdadeiros, claros e o consumidor seja previamente informado.
Boas práticas para uso preventivo:
- Realizar análise de risco com base em informações próprias e registros públicos, desde que respeitada a privacidade e a finalidade específica;
- Utilizar históricos internos de pagamento como critério de concessão de crédito ou de exigência de garantias adicionais;
- Notificar previamente o consumidor sobre o uso dessas informações, explicando a finalidade e garantindo o contraditório.
Exemplo prático: Uma empresa de cursos online identifica um alto índice de inadimplência em alunos que já tiveram contratos anteriores cancelados por falta de pagamento. A empresa cria um sistema de avaliação interna de crédito, com base no histórico do cliente, e, quando identifica risco elevado, oferece alternativas como plano trimestral com garantia ou pagamento antecipado com desconto. A medida é informada com transparência ao consumidor no momento da contratação.
Modelo de cláusula contratual preventiva:
“O CONTRATANTE declara estar ciente de que a CONTRATADA poderá consultar histórico interno de relacionamento contratual para fins de avaliação de risco de crédito, conforme art. 43 do Código de Defesa do Consumidor e art. 7º, X, da LGPD, comprometendo-se a prestar informações verídicas para viabilizar essa análise.”
Essas medidas não apenas garantem a conformidade legal, como também agregam valor à reputação da empresa e fortalecem a confiança do consumidor na relação contratual. O compartilhamento responsável de dados é possível, desde que amparado em uma cultura de proteção de dados centrada na ética, na transparência e no respeito à privacidade e pode ajudar de forma significativa credores a melhorarem seus índices de inadimplência.
5. Considerações Finais.
A criação e o compartilhamento de listas internas de inadimplentes, quando realizados à margem dos princípios da LGPD e do CDC, constituem prática ilícita e geradora de responsabilidade civil, administrativa e até criminal, nos termos do art. 65 da LGPD.
A base legal da proteção ao crédito (art. 7º, X da LGPD) não autoriza práticas obscuras, tampouco permite ignorar os deveres de informação e transparência. Como adverte Bruno Bioni, “o legítimo interesse não pode ser um salvo-conduto para práticas lesivas aos direitos fundamentais do titular”.
O uso de sistemas formais, com auditoria e controle — como SPC, Serasa e registradores autorizados pelo Banco Central — permanece como o meio mais adequado para mitigar riscos, garantir segurança jurídica e evitar danos reputacionais, além de muitos outros meios extrajudiciais disponíveis.
A gestão de inadimplência é um desafio legítimo e recorrente das empresas.
No entanto, mesmo em casos de listas internas, é indispensável que o compartilhamento de dados observe os princípios da LGPD, a proteção ao consumidor e as balizas da jurisprudência.
Com a implementação de boas práticas de governança e transparência, é possível conciliar eficiência empresarial e conformidade legal, evitando riscos reputacionais e jurídicos e reduzir a inadimplência.
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Autora: Rhuana Rodrigues César, advogada com mais de 19 anos de experiência nas áreas de Contencioso Cível e Direito Tributário. Sócia do escritório CHENUT, atualmente, tem se dedicado à estruturação de soluções jurídicas inovadoras em recuperação de crédito, relações de consumo e treinamentos corporativos. Especialista em Direito Digital e Compliance e Finanças Públicas, atua em projetos voltados à prevenção da inadimplência e de riscos legais em contratos e políticas empresariais e passivos contenciosos consumeristas.