Meios de Penhora Atípicos: Criatividade e Eficácia na Execução Judicial

Por Mariana B. Simões e Rhuana Rodrigues César

As execuções judiciais, muitas vezes, se assemelham a um enredo de suspense, onde o credor, como o detetive obstinado de Sherlock Holmes, precisa conectar pistas para localizar bens ocultos do devedor.

A penhora atípica tem se destacado como uma ferramenta inovadora para a execução de dívidas no Brasil, especialmente diante de devedores que ocultam ou não possuem bens tradicionais passíveis de penhora. Regulamentada pelo artigo 139, IV, do Código de Processo Civil (CPC), essa modalidade permite que o juiz adote medidas coercitivas criativas, respeitando a proporcionalidade e o contraditório.

Na prática, inicialmente, o credor utiliza as chamadas penhoras típicas (parte final do caput do art. 513 e art. 825 do CPC), que abrangem dentre outras modalidades, a penhora de bens móveis e imóveis, o bloqueio de valores bancários, penhora de faturamento etc., para somente então, esgotadas todas as alternativas, serem solicitadas as medidas chamadas de atípicas ao juízo.

Nesta modalidade (atípicas) não existe uma ordem de preferência que precisa ser seguida, pelo contrário, o poder do juiz é ampliado, podendo adotar outras medidas que visem a efetiva restituição do crédito, conforme se esclarece a seguir:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

IV – Determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; ¹

A adoção de medidas atípicas nas execuções judiciais é essencial para superar os desafios impostos pela ocultação de bens e pelas novas dinâmicas econômicas e tecnológicas.

Embora essa modalidade de penhora represente uma inovação no âmbito das alternativas passíveis de apreensão, é fundamental que se observe com atenção as questões jurídicas de maior complexidade, assim como a conformidade legal que regula a efetividade dessas práticas.

Ainda há divergências e intensos debates no campo jurídico sobre o que pode ou não ser feito, por isso é imprescindível que os profissionais do direito estejam constantemente qualificados e preparados para lidar com os desafios impostos.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp 1788950/MT, estabeleceu requisitos mais específicos para a adoção de medidas executivas atípicas:

Dentre os exemplos mais recentes e impactantes de medidas atípicas, destacam-se:

  • Penhora de Milhas Aéreas: Em uma decisão da 8ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), foi determinada a penhora de 62.929 milhas aéreas de um devedor. A justificativa foi que as milhas possuem valor econômico e podem ser convertidas em recursos para o credor. Este tipo de decisão reforça a capacidade do Judiciário de buscar bens menos convencionais para assegurar o cumprimento de obrigações​;
  • ​Criptoativos como Alvo de Penhora: Com o avanço das finanças digitais, criptoativos, como Bitcoin, Ethereum, Solana, dentre outras, têm sido reconhecidos como bens penhoráveis. Em 2023, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) equiparou esses ativos a dinheiro, permitindo sua penhora para garantir o pagamento de dívidas, destacando-se pela facilidade de conversão e monitoramento no mercado. Uma novidade, ainda pouco explorada é a possibilidade de penhora sobre o percentual recebido pelo investidor de cripto em pools de liquidez​;
  • Bloqueio de Perfis em Redes Sociais: A monetização em plataformas digitais também se tornou alvo de medidas atípicas. Em um caso da 2ª Vara Cível de Mogi das Cruzes, um influenciador digital teve parte dos ganhos de seu canal no YouTube penhorados. O Judiciário determinou que 30% da receita gerada fosse destinada ao pagamento da dívida, ilustrando como essas novas fontes de renda podem ser exploradas sem inviabilizar a atividade profissional​;
  • Restrições de CNH e Passaporte: Em um marco importante, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou a constitucionalidade de medidas como a apreensão de passaportes e carteiras de habilitação para pressionar devedores ao pagamento. Tais restrições devem ser aplicadas com parcimônia, respeitando os direitos fundamentais, mas têm se mostrado eficazes em casos em que outros meios falharam​;
  • Aplicativos de comida e transportes: A remuneração obtida pela força de trabalho nessas plataformas pode se tornar objeto de penhora. De maneira que haja a garantia do cumprimento da dívida sem comprometer a subsistência do devedor. Este entendimento é essencial para o equilíbrio entre a efetividade da execução e a proteção dos direitos fundamentais de quem deve. Assim, embora a penhora da remuneração obtida por meio de aplicativos seja uma ferramenta legítima para a satisfação de dívidas, ela deve ser aplicada com cautela, respeitando-se sempre os limites que asseguram a dignidade do indivíduo;
  • Streamings de filmes, músicas e vídeos: Atualmente, diversas plataformas de streaming de filmes, músicas e vídeos oferecem a possibilidade de remuneração com base na visualização de vídeos ou na reprodução de músicas e filmes. Nesse contexto, quando ocorre a monetização dessas atividades, observando-se os direitos autorais, as diretrizes e os termos estabelecidos pela plataforma, o valor obtido pode ser passível de penhora. É importante destacar que, caso a monetização gerada por esses serviços não prejudique a subsistência do devedor, ela poderá ser penhorada, desde que respeitados os parâmetros legais que garantem a dignidade do indivíduo;
  • Quotas Sociais: A restrição atípica à penhora de quotas sociais ou ações de sociedades nas quais o devedor possua participação poderá, sim, ser objeto de penhora, total ou parcial, conforme entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Tal possibilidade fundamenta-se no fato de que essas quotas ou ações podem ser utilizadas como garantia para o cumprimento das obrigações pecuniárias do devedor, especialmente quando este é sócio da empresa, o que implica a existência de bens substanciais em seu patrimônio. O juiz tem a prerrogativa de determinar a penhora das quotas ou ações do devedor, desde que a sociedade em questão não seja de pequeno porte e que tal decisão judicial não prejudique a continuidade das atividades empresariais. Essa cautela tem por objetivo assegurar um equilíbrio entre o pagamento da dívida e a preservação da atividade econômica, evitando que a penhora resulte na obstrução ou extinção da empresa;
  • Bloqueio de cartão de crédito: No contexto jurídico atual, o bloqueio do limite de crédito de um cartão pode ser configurado como uma penhora atípica, especialmente quando o devedor possui um limite de crédito suficiente para liquidar a dívida, mas não dispõe de outros bens que possam ser efetivamente utilizados para garantir o cumprimento da obrigação. É importante destacar que essa medida só será viável se o bloqueio do cartão não comprometer a subsistência do devedor nem prejudicar a continuidade de suas atividades empresariais. Em outras palavras, a utilização do limite de crédito como garantia deve ser cuidadosamente analisada, de modo a equilibrar o interesse do credor com o pagamento da dívida e com a preservação da dignidade e da sobrevivência do devedor;
  • Decretação da indisponibilidade de imóveis da parte executada por meio da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB): A CNIB reúne informações sobre ordens de indisponibilidade de bens, decretadas pelo Judiciário ou por autoridades administrativas, que atingem o patrimônio imobiliário de pessoas físicas e jurídicas e a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que, em uma execução civil, o juízo pode determinar a busca e a decretação da indisponibilidade de imóveis da parte executada, o que dificultará que o patrimônio se desfaça com tanta facilidade, já que é público o ato de indisponibilidade;

Essas decisões não apenas ampliam o rol de bens penhoráveis, mas também refletem a necessidade de adaptação do Judiciário às dinâmicas econômicas e tecnológicas atuais.

E ainda várias outras medidas podem ser utilizadas e certamente começarão a ser levadas ao judiciário, como a penhora de créditos de carbono, antecipação de recebíveis por serviços públicos, penhora de direitos de imagem e propriedade intelectual, aproveitamento de crédito retido em e-commerces e marketplaces e penhora de benefícios em programas de sustentabilidade empresarial, penhora de restituição de imposto de renda, dentre tantas outras possibilidades.

Assim como em Caça-Fantasmas, em que os protagonistas enfrentam desafios sobrenaturais com equipamentos inovadores, a penhora de criptomoedas, milhas aéreas e créditos futuros permite que o Judiciário enfrente a invisibilidade dos bens patrimoniais modernos.

Mas como nem tudo são flores, os credores devem esperar encontrar desafios, como determinar o valor preciso de bens como direitos autorais, marcas registradas e patentes, a necessidade de colaboração de plataformas e instituições financeiras para a penhora de ativos digitais, milhas e créditos, bem como a própria resistência do devedor que certamente se utilizará dos meios processuais disponíveis para questionar, suspender e até mesmo cassar decisões mais progressistas.

A penhora atípica é um campo em constante evolução, moldado pela criatividade judicial e pelas mudanças econômicas e tecnológicas. Seu desenvolvimento promete ampliar as possibilidades de recuperação de créditos, equilibrando a proteção de direitos do devedor e do credor.

As medidas atípicas nas execuções judiciais não apenas abrem novos caminhos, mas também transformam o processo em um verdadeiro laboratório de possibilidades. Desde a penhora de criptomoedas até o bloqueio de créditos futuros em plataformas digitais, o direito processual começa a explorar territórios antes inatingíveis, adaptando-se às complexidades da economia moderna.

A cada nova aplicação, revela-se um potencial quase ilimitado para superar as barreiras da inadimplência e garantir a satisfação do crédito.

Mas qual será o próximo passo? Poderíamos chegar a um ponto em que até ativos sustentáveis, como créditos de carbono, se tornem rotina nos tribunais? O futuro das execuções promete mais inovação do que jamais imaginamos – e talvez esteja apenas começando.

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