Sunshine Act no Brasil: Um Caminho em Construção

A transparência nas relações entre médicos e a indústria farmacêutica tem se tornado uma prioridade global, e o Brasil está dando um passo importante nessa direção. Em março de 2025, entrou em vigor a Resolução nº 2.386/2024, do Conselho Federal de Medicina (CFM), que estabelece novas regras para a divulgação de vínculos entre profissionais da saúde e empresas do setor. A medida busca alinhar o país a padrões internacionais, como o Physician Payments Sunshine Act (EUA) e a Loi Bertrand (França), reforçando a ética e a confiança na prática médica.

A norma determina que médicos registrem publicamente qualquer relação financeira ou contratual com a indústria farmacêutica, de insumos ou de equipamentos médicos. Isso inclui contratos, consultorias, participação em pesquisas remuneradas e palestras patrocinadas. As informações devem ser disponibilizadas na plataforma CRM-Virtual, garantindo acesso público e facilitando a identificação de possíveis conflitos de interesse. Além disso, os profissionais são obrigados a declarar esses vínculos em situações públicas, como entrevistas, debates ou eventos científicos.

Outro ponto é a proibição de benefícios relacionados a produtos sem registro na ANVISA, exceto em pesquisas aprovadas por comitês de ética. O objetivo da norma é evitar a promoção de tratamentos não comprovados e proteger o sistema de saúde de custos desnecessários e judicializações.

Embora a Resolução do CFM seja um avanço significativo, ela não é a primeira iniciativa nesse sentido. O Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018) e, principalmente, as Leis nº 22.440/2016 e 22.921/2018 do estado de Minas Gerais, pioneiras sobre o tema, já abordavam potenciais conflitos de interesse, regulando a relação entre profissionais da saúde e a indústria.

Internacionalmente, diversos países implementaram normas de transparência médica há mais de uma década. Nos Estados Unidos, o Physician Payments Sunshine Act (2010) estabeleceu um banco de dados público onde empresas devem declarar todos os pagamentos feitos a médicos e instituições de saúde. Na Europa, o Código de Conduta da EFPIA (Federação Europeia das Indústrias Farmacêuticas) já regulamenta há anos as relações financeiras entre indústrias e profissionais de saúde.

O Reino Unido criou o Disclosure UK, uma plataforma transparente que detalha todos os benefícios e pagamentos concedidos a médicos e organizações de saúde. Já a França aprovou em 2011 a Loi Bertrand, considerada uma das legislações mais rigorosas do mundo no que diz respeito à divulgação de acordos financeiros entre profissionais da saúde e a indústria farmacêutica.

Essas normas ao redor do mundo mostram não só uma forte tendência, mas que a transparência deixou de ser uma opção e se tornou um requisito ético visto como essencial na relação entre médicos, indústria e pacientes. Assim, ao publicar a Resolução 2.386/2024, o CFM inicia a adequação do Brasil às práticas internacionais de transparência nas relações médicas.

O desafio passa a ser, então, a implementação efetiva de tais mudanças, aprendendo com as experiências internacionais e adaptando-as à realidade brasileira. E, um dos principais obstáculos, até então constatado, é a cultura de transparência, ainda em construção no país.

Muitos profissionais e empresas precisarão se adaptar a essa nova realidade, o que exigirá campanhas de conscientização e treinamentos para esclarecimento das regras para prestação de informações e seus benefícios.

Noutro giro, a fiscalização será um ponto importante. A plataforma CRM-Virtual precisará ser bem estruturada, acessível e de fácil compreensão para o público. Experiências pretéritas demonstram que o portal somente atinge seus objetivos quanto à transparência se os dados são facilmente disponíveis e interpretáveis (a exemplo do Portal de dados abertos do Governo Federal).

Portanto, investimentos em tecnologia e comunicação serão essenciais para facilitar não só os acessos, como também a compreensão das informações.

Sem uma abordagem integrada, que una educação, fiscalização e tecnologia, a Resolução pode acabar se tornando inócua, propiciando um campo fértil para conflitos de interesse não declarados.

A Resolução 2.386/2024 é um marco importante para o avanço da ética médica no Brasil, mas seu sucesso dependerá de um esforço contínuo, pautado no engajamento dos profissionais, investimento em infraestrutura e uma cultura mais aberta à prestação de contas.

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