Artigos - Postado em: 05/02/2024

Contratos de pesquisa clínica e a responsabilidade dos agentes executores

Por Maria Alice M. O. Kitano

A pesquisa clínica tem por objetivo avaliar a eficácia e segurança de um determinado produto para o uso em seres humanos. Isso inclui diversas formas de pesquisa, como estudos com pacientes, ensaios clínicos e pesquisa translacional. É importante ressaltar que o termo “pesquisa clínica” é utilizado genericamente para abranger todas as investigações científicas realizadas para observar, investigar, experimentar e utilizar dados pessoais e sensíveis de seres humanos, denominados participantes de pesquisa, que podem ser pacientes ou não.

A pesquisa clínica, também conhecida como ensaio clínico ou estudo clínico, representa um campo crucial na busca por avanços na medicina e no desenvolvimento de novos tratamentos. Essas nomenclaturas, embora distintas, convergem para o mesmo propósito: a condução de investigações científicas que envolvem seres humanos, visando avaliar a eficácia e segurança de medicamentos ou dispositivos médicos por meio da coleta de dados. A Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde no Brasil define pesquisa clínica como qualquer pesquisa que envolva direta ou indiretamente seres humanos, incluindo o manejo de seus dados, informações ou materiais biológicos.

O contrato de pesquisa clínica, que regula as obrigações e responsabilidades das partes envolvidas – patrocinador, investigador principal e instituição de pesquisa -, é uma peça central nesse processo. Essa tríade comumente celebra o contrato, que não apenas define os direitos e deveres, mas também estabelece os valores financeiros associados à pesquisa. No entanto, a complexidade e atipicidade desse contrato tornam sua negociação desafiadora, muitas vezes prolongada, devido à falta de uma regulamentação única.

A pesquisa clínica envolvendo seres humanos é um campo complexo permeado por riscos e benefícios que demandam uma cuidadosa consideração ética e legal. Nesse contexto, a Resolução CNS nº 466/2012 estabelece diretrizes fundamentais no Brasil para garantir a proteção dos participantes e regular a responsabilidade dos agentes executores ao longo do processo.

O Título V da referida Resolução, intitulado “Dos Riscos e Benefícios,” delineia os critérios para a admissibilidade de pesquisas com seres humanos. A norma enfatiza que o risco inerente à pesquisa é aceitável quando justificado pelo benefício esperado, sendo crucial, em pesquisas experimentais na área de saúde, que esse benefício seja igual ou superior às alternativas já existentes para prevenção, diagnóstico e tratamento. O documento, no Título II, detalha termos e definições, destacando o risco de pesquisa como a possibilidade de danos nas diversas dimensões humanas.

A responsabilidade dos agentes executores se desdobra em diferentes aspectos. Em primeiro lugar, a Resolução define a indenização como a cobertura material para reparação de danos causados ao participante da pesquisa. O dano, por sua vez, pode ser associado direta ou indiretamente à pesquisa, abrangendo agravo imediato ou posterior, destacando a amplitude do conceito.

A assistência ao participante é uma preocupação central da Resolução, conforme estabelecido no Título V.

Pesquisadores, patrocinadores e instituições envolvidas devem fornecer assistência imediata, entendida como emergencial, e assumir a responsabilidade pela assistência integral em relação a complicações e danos decorrentes da pesquisa. Além disso, a norma estabelece que participantes que sofram danos têm direito à indenização, independentemente de estar previsto ou não no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – instrumento essencial para a condução de pesquisa clínica, no qual devem ser descritos de maneira detalhada a justificativa, os objetivos e os métodos a serem empregados no estudo. Ainda, esse instrumento deve incluir uma explicitação clara dos potenciais desconfortos e riscos associados à participação na pesquisa, assim como as medidas preventivas e cautelares a serem adotadas para evitar ou reduzir efeitos adversos, considerando as características e o contexto específico do participante da pesquisa.

No entanto, a Resolução não aborda uma ordem de preferência entre os agentes executores em relação à responsabilidade pelos danos causados ao participante. A ausência de tal disposição pode criar uma solidariedade entre os agentes executores, o que significa que cada um deles pode ter que responder individualmente pela totalidade da dívida, sem distinção. Essa solidariedade, embora não imposta por lei, é por vezes reconhecida na.

Importante ressaltar que a Resolução CNS nº 466/2012, embora seja um marco normativo para a pesquisa clínica no país, possui caráter infralegal. Tal natureza pode gerar questionamentos quanto ao seu peso frente ao princípio da legalidade, estabelecido na Constituição Federal. Diante dessa lacuna legal, o contrato de pesquisa clínica emerge como instrumento jurídico crucial para regulamentar os deveres e obrigações dos agentes executores.

No âmbito da solidariedade, que precisa ser prevista em lei ou resultar da vontade das partes, a Resolução reconhece a responsabilidade solidária entre patrocinador, pesquisador e instituição. Essa disposição possibilita ao participante de pesquisa escolher contra quem demandar, sem prejuízo da possibilidade de o demandado buscar, por meio de ação regressiva, a reparação daquele que, conforme o contrato, seja o responsável específico pela obrigação.

Ao analisar a solidariedade entre os agentes de pesquisa, observamos que ela se alinha com a função da responsabilidade civil. Independentemente do agente responsável pelo dano, seja por ato direto ou indireto, a solidariedade é estabelecida para em tese facilitar a reparação contra o risco de insolvência de qualquer um dos responsáveis.

O contrato, no contexto da pesquisa clínica, assume uma importância significativa. Ele permite que as partes estabeleçam claramente a forma e o grau de responsabilidade perante possíveis demandas, sendo comum o patrocinador concordar em assumir a responsabilidade sobre pedidos de indenização decorrentes de lesões causadas durante o estudo clínico.

A importância do contrato como instrumento regulatório não pode ser subestimada. Ele não apenas define obrigações e responsabilidades, mas também permite a inclusão de cláusulas que assegurem a equidade nas relações. A solidariedade entre os agentes, embora não legalmente imposta, demonstra sua eficácia prática, oferecendo opções claras aos participantes em busca de reparação.

Assim, a responsabilidade na pesquisa clínica é uma narrativa complexa, onde resoluções normativas e contratos convergem para garantir não apenas avanços científicos, mas também assegurando a proteção dos direitos dos participantes.


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