Artigos - Postado em: 07/06/2021

Os reflexos da pandemia nos contratos de locação de imóveis

Por Philippe Boutaud-Sanz e Yasmin Peron Pereira

Como se tem observado, a Pandemia de COVID-19 (novo coronavírus) gerou impactos nas mais variadas relações pessoais e comerciais, inclusive na esfera contratual.

No âmbito do Direito Imobiliário, observou-se uma grande necessidade de renegociação de valores e condições negociais nos contratos de locação, tanto residenciais, como nos comerciais, considerando a baixa nas respectivas receitas dos locatários e os impactos causados pelas medidas e restrições para prevenção da propagação do vírus, as quais tiveram efeitos diretos na economia como um todo, uma vez que com o aumento exponencial de pessoas desempregadas, o capital circulante no país reduziu bruscamente, afetando de forma geral a economia e a maior parte das empresas.

Diante desse cenário, foi possível perceber um incrível e necessário aumento nas tentativas de redução amigável dos valores devidos à título de aluguel, onde, se por um lado o locatário busca condições mais favoráveis a fim de honrar com seus compromissos em um momento de extrema dificuldade, por outro lado, há locadores que muitas vezes dependem dessa renda para sua subsistência e de sua família, buscando garantir seus direitos.

No entanto, o conflito entre as partes contratantes nem sempre pode ser resolvido de forma amistosa. Assim, nos casos em que não é possível equacionar os interesses de ambas as partes, restam duas alternativas às partes: aos locatários, o ingresso de uma ação judicial de revisão de aluguel e, aos locadores, a busca da desocupação de sua propriedade por meio de uma decisão judicial autorizando o despejo dos inquilinos, se estes ficarem inadimplentes.

Nesse sentido, destaca-se a Lei Federal 14.010/2020, promulgada com o objetivo de instituir regras aplicáveis às relações de direito privado durante o período de calamidade pública causado pela pandemia de COVID-19, e que dentre suas inúmeras disposições, proibiu a concessão de medidas em caráter liminar para desocupação de imóvel urbano em ações de despejo até o dia 30 de outubro de 2020, quando teve fim sua vigência. Para os proprietários de imóveis residenciais locados, a impossibilidade de concessão e execução de ordens de despejos em caráter liminar, aliada às demais incertezas jurídicas causadas por determinações legais transitórias e emergenciais representaram um grande empecilho para a defesa de seus interesses e direitos.

Apesar da disposição referida acima ter vigorado apenas até o final de outubro de 2020, não havendo mais respaldo federal para a mesma, ainda há casos particulares, como o do estado do Rio de Janeiro que, por meio da lei estadual 9.020/2020, determinou a suspensão do cumprimento de mandados de reintegração de posse e imissão na posse, despejos e remoções judiciais ou extrajudiciais enquanto medida temporária de prevenção ao contágio e de enfrentamento da propagação decorrente do COVID-19, pelo tempo que durar o estado de emergência na saúde pública do Estado do Rio de Janeiro.

Nesse sentido, é altamente recomendável que os proprietários de imóveis, atentem-se não somente à regulação federal, mas também à legislação estadual e municipal das localidades onde seus imóveis encontram-se estabelecidos.

Além do ponto de atenção acima, há também a possibilidade da aprovação pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei nº 827/2020, que visa restabelecer limitações legais da Lei 14.010/2020, projeto esse que segue para apreciação do Senado Federal.

Cabe destacar que tais disposições, tanto no âmbito estadual, quanto no âmbito federal, caso o referido Projeto de Lei venha a ser aprovado, não impedem que o proprietário ajuíze a respectiva ação de despejo, uma vez que tais dispositivos visam impedir temporariamente a concessão de medidas em caráter liminar e suas execuções, mas não a distribuição de ações.

Apesar de não haver dúvidas quanto ao enquadramento da Pandemia como um evento de força maior, uma vez que se trata de um acontecimento que escapa ao controle razoável das partes, não sendo previsível nem, tampouco, evitável, na forma do artigo 393 do Código Civil, os tribunais vêm entendendo que tal evento afeta ambas as partes indistintamente, desde que o contrato tenha sido assinado em momento anterior ao decreto que reconheceu o estado de calamidade pública provocado pelo COVID-19. Além disso, antes da rescisão antecipada ou revisão das condições contratuais, o judiciário como um todo, está buscando analisar o real impacto econômico-financeiro gerado no caso concreto em função da Pandemia, em observância aos artigos 317 e 478 do Código Civil que dispõem acerca das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, respectivamente.

A boa-fé das partes interessadas, bem como a abertura e disponibilidade para negociações antes da propositura das ações também vêm sendo levados em consideração pelos julgadores.

Em outras palavras, para acolhimento das pretensões dos autores das ações judiciais, os juízes têm observado duas premissas principais: (i) existência de prova concreta do desequilíbrio contratual e redução da capacidade econômico-financeira do locatário vinculada à Pandemia; e (ii) reação da parte autora diante às soluções oferecidas pela parte ré com o intuito de mitigar os impactos da crise.

Nos casos em que tais requisitos não são verificados, o entendimento que vem prevalecendo é o de não interferência judicial na autonomia das partes e, portanto, a negativa da suspensão ou redução temporária dos valores dos aluguéis.

Se por um lado a legislação caminha em um sentindo de maior proteção aos locadores, por outro vimos observando um olhar mais prudente do judiciário que, apesar das barreiras legais, tem procurado verificar nos casos concretos a interpretação dos contratos de locação pautada no princípio da boa-fé, no equilíbrio contratual e na preservação da segurança jurídica de ambas as partes, incentivando que as mesmas busquem uma solução mais equitativa, como o parcelamento dos valores inadimplidos, a redução do aluguel por um período, a suspensão da aplicação de reajustes e até a alteração do índice de reajuste aplicável, a fim de evitar a resolução contratual, o que impactaria e contribuiria ainda mais para a situação crítica que o País e o Mundo vêm vivenciando.

Diante de todas as questões que permeiam o tema, é extremamente recomendado que em uma situação de desacordo entre locador e locatário, as partes estejam cientes de seus direitos para que possam melhor negociar, respaldadas em bons argumentos jurídicos e, se possível, assessoradas por bons profissionais que possam defender com mais propriedade seus interesses.

A equipe de Direito Imobiliário do Chenut Oliveira Santiago, está à disposição para sanar quaisquer dúvidas e apresentar a devida orientação jurídica.

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