Artigos - Postado em: 18/10/2021

O que muda nas relações trabalhistas com a LGPD?

Por Evelyn Carine Vilas Bôas Evangelista

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD – lei 13.709/2018) tem como principal objetivo garantir a proteção à privacidade do titular dos dados, pessoa natural identificada ou identificável à qual o dado se refere. Assim, as disposições da LGPD se aplicam não apenas a consumidores e clientes, mas também aos empregados, prestadores de serviços e qualquer pessoa física da qual seja feita a coleta e o tratamento de dados pessoais. 

Nas relações trabalhistas, a coleta e o tratamento dos dados pessoais acontecem desde a fase pré-contratual até após o encerramento do contrato de trabalho. Por isso, as áreas de Departamento Pessoal e Recursos Humanos das empresas costumam ser áreas críticas e fortemente atingidas pelas determinações da LGPD. Nas empresas que não lidam diretamente com o cliente ou consumidor pessoa física, por vezes a área de Recursos Humanos é a que mais concentra tratamentos de dados pessoais. 

Dessa forma, as empresas precisam adequar suas áreas de Recursos Humanos e Departamento Pessoal ao que é disposto na LGPD, bem como revisar os seus processos, políticas e procedimentos internos sob o ponto de vista da proteção dos dados pessoais. 

Fase pré-contratual

Desde a fase anterior à contratação, os dados pessoais dos candidatos são coletados e tratados pelas empresas. Assim, as adequações tornam-se necessárias desde o momento de recrutamento e seleção, quando são coletados dados como nome do candidato, histórico acadêmico, histórico profissional, entre outros. 

Todo o fluxo de vida do dado pessoal no processo de recrutamento deve ser pensado do ponto de vista de proteção de dados, como por exemplo: como o dado pessoal ingressa na empresa, como esses dados pessoais são armazenados, quem terá acesso a eles e quando serão eliminados.

Assim, alguns pontos importantes devem ser estruturados nesta etapa do tratamento:

  • Definir o procedimento de recebimento de currículos, com a coleta dos dados pessoais estritamente necessários à finalidade de seleção do candidato;
  • Caso haja algum fornecedor ou prestador de serviços envolvido nesta etapa de seleção, o contrato com esse terceiro deve ser revisado para que conste cláusula de proteção de dados pessoais, de acordo com os papéis e responsabilidades de cada uma das partes; 
  • Deve ser estabelecido o fluxo de recebimento e compartilhamento interno desses currículos para que os dados pessoais não fiquem expostos e para que somente as áreas que precisam ter acesso consigam acessar os dados pessoais dos candidatos;
  • Devem ser estabelecidos procedimentos adequados de armazenamento dos dados pessoais, assim como deve ser feita a definição de tempo de armazenamento desses currículos. 

É importante ressaltar que a LGPD traz o princípio da não-discriminação, que é a proibição de tratamento para fins discriminatórios, ilícitos ou abusivos, cuidado que deve ser tomado desde a fase pré-contratual e ao longo de toda relação com o trabalhador. 

Fase Contratual

Superada a fase de recrutamento e seleção, diversos outros dados deverão ser coletados durante a relação trabalhista, inclusive dados pessoais sensíveis.

Nesse sentido, é importante pensar e estruturar alguns pontos principais para que os riscos existentes no setor sejam minimizados: 

  • Adequação dos procedimentos internos e documentos para dar transparência aos titulares dos dados. Logo, faz-se necessário realizar a revisão das políticas e procedimentos internos sob o ponto de vista da proteção dos dados pessoais e os colaboradores precisam estar cientes dessas alterações. Faz parte ainda das ações a realização de outras revisões documentais, como por exemplo, a revisão do modelo utilizado pela empresa de contrato de trabalho, para a inclusão de cláusula de proteção de dados pessoais dando ciência ao titular dos dados sobre a forma que seus dados pessoais serão tratados;
  • Revisão de contratos com terceiros com os quais há compartilhamento de dados pessoais, para que sejam definidos os papéis e responsabilidades de cada uma das partes. É necessário ainda dar transparência ao titular quanto ao compartilhamento de seus dados com outros agentes de tratamento;
  • Criação de estrutura de governança e controle de acesso sobre os dados pessoais armazenados pela empresa e estruturação das áreas de Departamento Pessoal e Recursos Humanos face às disposições da LGPD. É importante ainda revisar os procedimentos de armazenamento de dados, bem como o estabelecimento de controle de acesso aos documentos, preferencialmente com restrição de acesso apenas às pessoas que precisem tratar os dados pessoais;
  • Criação de fluxo e estrutura para o atendimento às solicitações dos titulares dos dados, que estão dispostas no artigo 18 da LGPD;
  • Além disso, é necessária uma análise jurídica para indicação da base legal de tratamento para cada atividade, conforme dispõe os artigos 7º e 11 da LGPD.

Outro ponto fundamental a ser considerado é que, os empregados, além de titulares dos dados pessoais, constituem parte determinante e atuante na proteção dos dados pessoais tratados pela empresa. Por isso, é muito importante que a empresa realize treinamentos recorrentes e conscientize as equipes quanto às práticas de proteção de dados pessoais que devem adotar em seu dia a dia, estabelecendo como os dados devem ser tratados dentro da organização. 

Diante de um cenário em que o trabalho remoto se tornou mais comum, existe a necessidade ainda maior de conscientização e aplicação de medidas de segurança da informação para a proteção dos dados pessoais tratados pelos funcionários em suas atividades laborais. Sem o treinamento constante dos colaboradores, o programa de privacidade de uma empresa acaba não funcionando adequadamente.

Fase Pós-Contratual

Mesmo após o término da relação trabalhista, é importante que a empresa mantenha transparência com o titular dos dados com relação aos tratamentos de dados pessoais, sobretudo considerando que diversos dados deverão ser mantidos para o cumprimento de obrigações legais e exercício regular de direitos por parte da empresa. É importante que o procedimento demissional seja transparente para que o titular tenha ciência das obrigações da empresa.  

Além disso, é importante que a empresa se estruture para respeitar o prazo necessário de manutenção dos dados e eliminá-los quando já não forem mais necessários. 

É importante lembrar que durante todas as fases da relação empregatícia, seja ela pré-contratual, contratual ou pós-contratual, o titular poderá exercer seus direitos previstos na LGPD. É possível que a área de Recursos Humanos e Departamento Pessoal seja procurada ou envolvida neste processo de exercício de direito de titulares.  

Diante do exposto, fica evidente a necessidade de toda uma estruturação das áreas de RH e Departamento Pessoal das empresas para respeitar a LGPD, surgindo uma demanda muito alta de adequações documentais, conscientização dos trabalhadores e criação de infraestrutura interna para atendimento às solicitações dos titulares dos dados pessoais. Nesse sentido, é importante contar com o apoio e assessoria de advogado especializado na matéria, para que os antigos processos sejam adequados e para que as novas atividades respeitem as obrigações definidas na lei.

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