Artigos - Postado em: 24/05/2021

As hipóteses de afastamento da responsabilidade do fornecedor nas atuais relações de consumo

Por Alexandra de Assis Linhares Bezerra

Como se sabe, as relações de consumo são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078/90) que define de forma clara, tanto o conceito de consumidor como de fornecedor.

Consumidor é qualquer pessoa natural ou jurídica que contrata para sua utilização a aquisição de mercadoria ou prestação de serviços. Já fornecedor, qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada que desenvolve atividades como comercialização e prestação de serviços. 

Sob o aspecto da responsabilização em caso de danos nestas relações (comercialização de produtos e serviços), além das previsões legais consumeristas, tem-se o Código Civil, quando trata da responsabilidade contratual sobre a obrigação de indenizar.

Em ambos os diplomas legais os seguintes elementos precisam estar presentes para a responsabilização, quais sejam, (i) o defeito do produto, (ii) o dano sofrido e (iii) o nexo de causalidade. Esses elementos são essenciais para a definição da responsabilidade do fornecedor.

Mas seria possível excluir a responsabilidade do fornecedor ou prestador de serviços? 

O rol do CDC é taxativo, ou seja, as hipóteses em que tal exclusão é possível foram descritas pela norma, sendo que (i) a não colocação do produto no mercado, (ii) o defeito inexistente ou a não comprovação de falha na prestação do serviço e (iii) a culpa exclusiva de terceiros excluiria a responsabilidade do fornecedor ou prestador de serviços.

Vale destacar, a despeito da taxatividade do rol acima descrito, que cresce o entendimento, seja jurisprudencial ou doutrinário, para novas excludentes como (i) o caso fortuito, (ii) a força maior e (iii) o exercício regular do direito, vez que tais hipóteses teriam o condão de revogar as regras da responsabilidade civil em geral, sendo aplicáveis, também, às relações de consumo.

As três excludentes definidas pelo CDC estão expostas no artigo 12 e seus incisos, veja-se:

  • Comprovação da não fabricação do produto – com o fundamento de que não houve colocação do bem de consumo no mercado de forma intencional e comprovada as devidas precauções tomadas, entende-se pelo afastamento da responsabilidade, como no recente julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo que, com base no artigo 13 do CDC, afastou a responsabilidade da empresa, pois no caso em questão se tratava de fato do produto, prosseguindo o julgamento somente em relação ao fabricante.
  • Defeito inexistente – Ainda que o fornecedor tenha colocado o produto no mercado, se restar comprovado que as informações sobre o manuseio foram prestadas de forma clara e/ou o serviço efetivamente prestado, tende-se a configurar a ausência de responsabilidade do fornecedor;
  • Culpa exclusiva de terceiros – É uma das excludentes mais evocadas, pois mesmo que o fornecedor esteja envolvido direta ou indiretamente no caso, na hipótese da vítima ou um terceiro sejam os causadores do dano, configurar-se-á a excludente, como em atual decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina em que a responsabilidade da empresa foi excluída em razão da culpa exclusiva da consumidora.

Em relação às excludentes desenhadas pelas doutrinas e jurisprudência tem-se que:

  • Caso fortuito e força maior – Tais hipóteses rompem o nexo de causalidade entre o fato e o dano, vez que configuradas por fatos inteiramente estranhos à relação consumidor x fornecedor, ou seja, fatos imprevisíveis, inevitáveis, que acabam por afastar a responsabilidade pelo evento danoso, tais como eventos da natureza.
  • Exercício regular de direito – Com esteio no art. 188 do Código Civil, configura-se ausência de nexo causal entre o fato e o dano quando o agente, no caso o fornecedor ou prestador de serviços, exerce um direito autorizado pelo ordenamento jurídico. Desta forma, se o fornecedor comprovar que agiu no sentido de resguardar seus direitos, não há caracterização de ilícito e, por via de consequência, do dever de indenizar. Isso foi o que entendeu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que afastou responsabilidade da empresa em relação ao registro de ocorrência por suspeita de furto no interior de seu estabelecimento, em razão do exercício regular do direito (hipótese comprovada por imagens contidas em gravação, quando da abordagem ao suspeito do fato).

Com base no que foi apresentado e não obstante o rigor da lei consumerista, vê-se que a doutrina e a jurisprudência vêm adotando novos critérios para verificar a responsabilidade do fornecedor ou prestador de serviço nas relações de consumo, de forma a mitigar e/ou barrar tentativas de enriquecimento ilícito e abuso da norma, ressaltando manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

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¹ 1009352-19.2020.8.26.0016 – https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=0G0007VL70000&processo.foro=16&processo.numero=1009352-19.2020.8.26.0016&uuidCaptcha=sajcaptcha_9d56c8f671434f4196658024f253c62c.

² 5010430-06.2020.8.24.0090 – https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=processo_seleciona_publica&acao_origem=processo_consulta_publica&acao_retorno=processo_consulta_publica&num_processo=50104300620208240090&num_chave=&num_chave_documento=&hash=57fbe1d448cdb4fac4e332ce0bb6fa11

³ 0045013-92.2020.8.19.0203 – http://www4.tjrj.jus.br/consultaProcessoWebV2/consultaProc.do?v=2&FLAGNOME=&back=1&tipoConsulta=publica&numProcesso=2020.203.044959-9

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