Artigos - Postado em: 23/07/2018

O direito ao esquecimento digital e o recente posicionamento do STJ

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RESUMO

Este artigo propõe uma breve análise a respeito do direito ao esquecimento digital, notadamente em função do Marco Civil da Internet e do recente posicionamento do STJ no REsp nº 1.660.168-RJ (maio/18), seguido do também recente Regulamento Europeu.

Palavras-chave – Direito Cível e Direito Digital. Esquecimento. Provedor. Internet.

  1. INTRODUÇÃO.

O direito ao esquecimento não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro, mas tem sido objeto de recentes debates, notadamente no meio digital, em função da dissipação e até mesmo eternização de informações geradas pela Internet, à exemplo do debate no recente posicionamento do STJ, quando do julgamento do REsp nº 1.660.168-RJ (maio/18), o qual trataremos mais adiante.

Ainda, o direito ao esquecimento – seja em meio digital ou não – trata-se de consequência do direito à vida privada (privacidade), intimidade e honra, assegurados pela Constituição Federal de 88 em seu art. 5º, X, assim como o direito à dignidade da pessoa humana (1º, inciso III), que de acordo com os Princípios Fundamentais, consiste em inviolabilidade de sua dignidade e tem como origem uma série de direitos fundamentais, dentre eles o direito à vida, à igualdade, à integridade física, à integridade moral ou psíquica, abrangido pelo direito ao nome, à privacidade, à honra e à imagem.

Acontece que o direito à dignidade da pessoa humana, especialmente o direito à integridade moral ou psíquica, à privacidade, à honra e à imagem, em algum momento ou outro, colidirá com o direito à liberdade de imprensa e o direito ao acesso à informação pela coletividade.

E o entendimento dos doutrinadores, assim como dos julgados sobre o tema, demonstra que o direito ao esquecimento não é absoluto, dependendo da avaliação caso a caso.

Em 2013, o tema tomou força maior em função da VI Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Enunciado 531, em que se estabeleceu que “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.

Com as evoluções tecnológicas, as informações são geradas “por qualquer ator social, e são catalogadas, relacionadas entre si, disponibilizadas ilimitadamente e, principalmente, armazenadas ad eternum, muitas vezes sem a plena noção daqueles às quais dizem respeito[1].

E o conflito entre o direito ao esquecimento e a liberdade de expressão, que sempre existiu, calha de ser cada vez mais acirrado, justamente em função das evoluções tecnológicas, velocidade de acesso e dissipação de informações, atrelado à liberdade de todos os cidadãos de expressar ideias e opiniões, com a garantia de que tais direitos sejam exercidos livremente[2].

Bem, antes do REsp nº 1.660.168-RJ, o STJ (REsp’s 1.335.153/RJ e 1.334.097/RJ), examinou o direito ao esquecimento em meio analógico (programas de televisão), sendo que não tinha sido ainda discutido o tema sob o prisma do marco legal da internet e, especialmente, o direito ao esquecimento na internet, como já acontece hoje nos tribunais europeus.

No âmbito digital, desde a década de 90, com a difusão da internet, novos modelos de acesso a informações foram dissipados, à exemplo do Google[3] que surgiu em 1998 como mecanismo de busca.

Diante da realidade de que a internet não só faria parte do dia a dia das pessoas, como também inovaria no tocante ao acesso a informações e aos dados pessoais, promulgou-se a Lei 12.965/2014, segundo a qual em seu art. 7º, o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e aos usuários são assegurados direitos, dentre eles o de exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet.

Considerando o cenário histórico e já mencionado recente posicionamento do STJ, o foco deste artigo é analisar o direito ao esquecimento no ambiente digital, além das suas perspectivas de solução.

2. O MARCO CIVIL DA INTERNET.

 

O direito fundamental à privacidade e o direito à proteção dos dados pessoais são considerados princípios base da disciplina do uso da Internet no Brasil, conforme arts. 2º e 3º do Marco Civil da Internet.

E como consequência à violação do direito à dignidade da pessoa humana, o Marco Civil da internet cuidou em assegurar uma série de direitos ao usuário em seu art. 7º, conforme mencionado anteriormente, sendo que o art. 8º bem esclareceu que “a garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet”.

Note-se que apesar de o Marco Civil não dispor expressamente sobre as formas em que a proteção à dignidade da pessoa humana deverá ser abordada ou, tratada no âmbito digital, avançou em importante passo transpor lado a lado, “o direito à liberdade” e o “direito à liberdade de expressão”.

Isso porque, conforme vem entendendo os juristas brasileiros, o direito ao esquecimento deverá ser analisado e decidido caso a caso, ponderando-se sempre quanto aos reais impactos individuais x relevância histórica que impliquem em direito ao acesso de informações pela coletividade.

Como consequência à violação das garantias mencionadas no art. 7ª da Lei 12.965/2014, o seu art. 19 exige ordem judicial específica para tornar indisponíveis conteúdos gerados por terceiros e violadores de direito, sendo que no caso de inércia, a responsabilidade civil pode ser invocada.

Já o art. 21 da referida Lei, a exceção à necessidade de ordem judicial específica corre à conta de conteúdos violadores da intimidade divulgados sem autorização, como cenas de sexo ou de nudez, hipótese em que a norma se contenta com a notificação que aponte o material ilícito. Além disso, está expressamente excepcionada de seu âmbito de incidência a violação de direitos autorais praticada por terceiros (art. 19, § 2º, e art. 31).

3. PRECEDENTE (Resp nº 1.660.168-RJ) E O DIREITO AO ESQUECIMENTO DIGITAL.

 

Diferentemente do direito à memória ou das definições sobre direito ao esquecimento em sua origem (direito de não ser lembrado), no âmbito digital, o direito ao esquecimento revela-se muito mais como o direito de o usuário ter suas informações pessoais desindexadas pelos buscadores da Internet, em especial, quando tais informações não forem corretas, relevantes ou atualizadas, como destacou o STJ através REsp nº 1.660.168-RJ.

Noutros termos, o direito ao esquecimento no âmbito analógico regula a relação indivíduo-imprensa, enquanto o direito ao esquecimento digital regula a relação indivíduo-buscador.

De acordo com o histórico do julgamento do REsp nº 1.660.168-RJ (acórdão publicado em 05.06.2018), a autora foi inocentada pelo (CNJ) da acusação de fraudar um concurso para magistratura em 2007, conforme consta do próprio site do CNJ.

Ocorre que a despeito do desfecho do processo no âmbito no CNJ, cada vez que se consultava o nome da autora nos sites de busca, chegava-se ao tema em questão, o que lhe causava abalos de ordem moral, especialmente por ter sido inocentada. Buscou-se então provimento judicial que obrigasse os provedores de busca na internet a instalar filtros para que determinado conteúdo não fosse apontado nas pesquisas relacionadas ao seu nome.

Foi uma das primeiras vezes em que o STJ abordou o tema sob a ótica digital, especificamente no que se refere aos indexadores, direito de desindexação de dados pessoais. O caso, que começou a ser julgado em agosto de 2017, foi marcado por sucessivos pedidos de vista e desempatado pelo voto do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, que seguiu a divergência do Min. Marco Aurélio Bellizze.

Em seu voto, o Min. Sanseverino citou o caso julgado pelo Tribunal de Justiça Europeu em 2013 em que se impôs ao Google o dever de remover de seus resultados de busca os links que remetiam a páginas com informações pessoais de um cidadão espanhol que não quis ter seu nome associado a fatos que considerava inadequados e irrelevantes.

Antes do REsp em comento, o entendimento do STJ era no sentido que os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar de seus sistemas os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou um texto específico independentemente da indicação da URL da página.

Contudo, seguindo a linha dos estudos do Min. Luis Felipe Salomão, nome de destaque quando o tema é o direito ao esquecimento, o Min. Sanseverino ponderou que é preciso tratar cada caso de acordo com as peculiaridades de cada caso, sendo que o que a “pretensão da demandante é o reconhecimento de seu direito de evitar que, sendo feita a busca apenas pelo nome da autora, sem qualquer outro critério vinculativo à fraude, os resultados mais relevantes continuem a priorizar esse fato desabonador”.

Em ponto no qual trata de ponderação de interesses, concluiu o Ministro: “na tensão que se coloca entre o direito fundamental à informação e as liberdades públicas do cidadão, o primeiro deve ceder”, sendo o pedido devidamente abarcado pelo direito ao esquecimento, na medida em que causa dano à honra e à intimidade da autora.

Já para a Min. Nancy Andrighi, relatora do Recurso Especial que ficou vencida, não é possível impor filtros direcionados aos buscadores, sob o risco de fazer uma espécie de censura prévia, sendo que “os provedores de busca não podem ser chamados a responder como censores privados”.

O posicionamento da Ministra segue a mesma linha de raciocínio inaugurada por ela própria, quando do julgamento do REsp nº 1.593.873-SP (2016), em que, em apertada síntese, o STJ deixou de acolher o pedido do autor que pretendia ver excluídas todas as suas informações da rede, ao fundamento de que os provedores não respondem pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas por seus usuários; não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo dos resultados das buscas feitas por cada usuário e não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação da página onde este estiver inserido.

Bem, apesar dos importantes passos iniciados pelo Marco Civil, é de clara percepção que ainda não existe proteção adequada dos dados pessoais do usuário no Brasil, especialmente ante a ausência de regulamento que dite a conduta dos provedores de pesquisa na internet, assunto que certamente gerará novas controvérsias nos tribunais.

Por outro lado, vale lembrar que desde o dia 25 de maio, o Novo Regulamento Geral de Proteção de Dados, aplicado obrigatoriamente e de forma uniforme em todo o espaço comunitário europeu, prevê expressamente o direito ao esquecimento. O referido regulamento reconhece que a proteção das pessoas singulares relativamente ao tratamento de dados pessoais é um direito fundamental.

O Regulamento europeu garante o direito a ser esquecido, assegurando o art. 17 que “o titular tem o direito de obter do responsável pelo tratamento o apagamento dos seus dados pessoais, sem demora injustificada, e este tem a obrigação de apagar os dados pessoais, sem demora injustificada”, quando presentes um dos motivos indicados no referido dispositivo[4].

Por ser um diploma legal passível de cumprimento também por empresas brasileiras, ao tratar dados pessoais de cidadãos europeus, o tema certamente crescerá em discussão e tomará maior relevância no âmbito interno.

4. CONCLUSÃO.

A questão do direito ao esquecimento no âmbito digital é recente e ainda trabalhosa, já que as informações são disseminadas de forma praticamente instantânea, além de ficarem disponibilizadas em vários sites, tornando de fato, a tarefa de excluir definitivamente todas as informações difícil de ser cumprida pelos indexadores, sites de busca.

Por outro lado, os importantes avanços ocorridos no tratamento do tema na Europa, cuja tendência é a de que o Brasil siga na mesma linha, revelam que os mecanismos de busca da internet não devem ser imunes a qualquer controle, na medida em que a modernização nos meios de comunicação permita o acompanhamento da legislação, evitando-se que referidos mecanismos sejam utilizados como instrumento para violação do direito à privacidade dos indivíduos e, portanto, da dignidade humana.

Já o REsp 1.660.168, coloca o STJ como grande contribudor no aprimoramento do reconhecimento ao direito ao esquecimento no Brasil, merecendo tal caso ser acompanhado de perto (já que se aguarda julgamento de Embargos de Declaração), assim como tantos outros que ainda estão por vir, até que finalmente se regulamente o tema no âmbito legislativo.

Finalmente, considerando o giro de posicionamentos do STJ, há que se ponderar sempre caso a caso, notadamente porque na colisão princípios entre a liberdade de imprensa — e de expressão — e a dignidade da pessoa humana, há a tendência de que a dignidade da pessoa humana, como princípio constitucional fundamental, mereça se sobrepor aos demais direitos posteriormente reconhecidos.

***

Verônica Mota é advogada do Chenut Oliveira Santiago Advogados.

REFERÊNCIAS:

CRUZ, Marco Aurélio Rodrigues da Cunha. OLIVA, Afonso Carvalho e outros. Um estudo do caso Xuxa vs. Google Search (RE sp 1.316.921). O direito ao esquecimento na Internet e o Superior Tribunal de Justiça. Revista de Direito das Comunicações. vol. 7/2014. P. 335 – 355. São Paulo: Revista dos Tribunais. Jan-Jun/2014

AZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos comunicativos como direitos humanos: abrangência, limites, acesso à internet e direito ao esquecimento. Revista dos Tribunais. Vol. 960/2015. P. 249 – 267. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. Out/2015.

[1] CRUZ, Marco Aurélio Rodrigues da Cunha. OLIVA, Afonso Carvalho e outros. Um estudo do caso Xuxa vs. Google Search (RE sp 1.316.921). O direito ao esquecimento na Internet e o Superior Tribunal de Justiça. Revista de Direito das Comunicações. vol. 7/2014. P. 335 – 355. São Paulo: Revista dos Tribunais. Jan-Jun/2014

[2] AZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos comunicativos como direitos humanos: abrangência, limites, acesso à internet e direito ao esquecimento. Revista dos Tribunais. Vol. 960/2015. P. 249 – 267. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. Out/2015.

[3] https://www.google.com.br/about/#/1998. Acesso em 1.6.2018

[4]Disponível em http://eurlex.europa.eu/legalcontent/PT/TXT/?uri=uriserv:OJ.L_.2016.119.01.0001.01.POR&toc=OJ:L:2016:119:FULL. Acesso em 1.06.2018

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