Artigos - Postado em: 05/02/2019

Especialistas avaliam o pacote anticrime de Moro

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Em reunião com governadores nesta segunda-feira, 4, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, apresentou seu projeto contra o crime organizado e violento, que sugere alterações em 14 leis. A proposta de Moro estabelece prisão como regra para condenados em segunda instância, punição mais rigorosa para condenados por corrupção, redução ou mesmo isenção de pena de policiais que matarem em serviço, maior restrição no uso dos embargos infringentes e o ‘plea bargain’, quando o acusado confessa o crime e escolhe o caminho do acordo para diminuir sua pena. O anúncio dividiu especialistas. Confira:

Prisão em segunda instância

O criminalista Guilherme San Juan critica o pacote. “Criação de obstáculos à progressão de regime, prisão em segundo grau, dentre outras medidas, além de violarem a Constituição, em nada resolvem o problema criminal”, afirma.

San Juan diz que a prisão em segunda instância ainda ‘passa por enorme debate constitucional no Supremo Tribunal Federal (STF)’ e ao que tudo indica ‘não será reconhecida na forma como defende o ministro’.

“Já era tempo de termos aprendido, com a história, que o maior rigor das punições previstas em nada resolve o problema criminal. O problema só será resolvido com a certeza de que haverá apuração efetiva”, acredita o criminalista.

Everton Moreira Seguro, especialista em Direito Penal do Peixoto & Cury Advogados, exalta o projeto na medida em que aprimora os mecanismos já existentes na legislação.

“O projeto é positivo na sua forma geral e dá prioridade a questões importantes para o Brasil quanto ao crime organizado, que deve ser freado o quanto antes, à progressão de regime, à reincidência e ao confisco alargado de bens da propriedade de condenados, entre outros temas”, diz.

Para Seguro, no entanto, deve ser observada a Constituição. “A questão no projeto sobre a prisão em segunda instância, se aprovada, continuará em discussão quanto à sua constitucionalidade. Quanto ao tópico do caixa 2, a regulamentação é bem-vinda. Isso evita o caixa 2 indiscriminado nas campanhas eleitorais como temos visto ultimamente nos noticiários”, avalia.

‘Plea Bargain’

Daniel Gerber, professor de Direito Penal e Processual Penal, defende o ‘plea bargain’, mas acredita que da forma que foi colocada no projeto, será pouco significativo.

“Isso porque limita os acordos aos crimes cuja pena máxima não chegue até quatro anos. Dos crimes cuja pena máxima não alcança tal patamar a pena mínima fica, tradicionalmente, estipulada em um ano. Isso significa dizer que são delitos de médio potencial ofensivo para os quais já existe há muitos anos uma possibilidade de acordo bem mais vantajosa na Lei 9.099/95, precisamente em seu artigo 89, que é a suspensão condicional do processo”, explica.
“Há muito barulho por nada com o projeto. O ministro perde, portanto, um momento histórico único em que poderia fazer uma proposta ‘verdadeiramente significativa’ ao processo penal”, diz Gerber.

Para ele, ‘pouquíssimas alterações serão feitas’.

“Não haverá a ‘descarcerização’ e muito menos um panorama negocial, propriamente dito, em sede de processo. Portanto, continua tudo como está desde 1995”, complementa.

O advogado criminalista Marcelo Leal ressalta que o ‘plea bargain’ é um dos institutos de Direito Penal norte-americano mais criticados do mundo. “A crítica principal que se faz é que são sistemas diferentes: nos Estados Unidos temos um Ministério Público eleito que escolhe aquilo que se vai processar”, diz.

Leal ainda faz uma comparação com a Justiça do Trabalho.

“Seria algo mais ou menos como o que ocorre na Justiça do Trabalho no Brasil. Ou seja, o juiz no início da audiência propõe um acordo às partes — e sugere que se não fizer acordo vai ter condenação. Imagine tal postura no Direito Penal?”

Na avaliação do advogado, ‘o que isto gera nos Estados Unidos e poderia ocorrer no Brasil seriam centenas ou milhares de cidadãos inocentes, mas que para não correr o risco de uma condenação injusta, se declarem culpados’.

Caixa 2

Marcellus Ferreira Pinto, advogado constitucionalista e eleitoral, elogia a mudança prevista para o crime de caixa 2, mas faz uma ponderação.

“A proposta traz importante inovação em matéria de crimes eleitorais. Introduz o artigo 350-A no Código Eleitoral, descrevendo minuciosamente como crime as condutas conhecidas como caixa 2. Entretanto, no parágrafo 1.º do artigo proposto, deveria ser incluído, assim como no caput, o verbo ‘movimentar’, pois a movimentação de recursos ilícitos na maioria das vezes é feita por terceiros desvinculados da estrutura de campanha”, afirma Ferreira Pinto.

Embargos Infringentes

Luciano Santoro, doutor em Direito Penal pela PUC-SP e sócio do Fincatti Santoro Sociedade de Advogados, questiona a proposta de mudança do julgamento dos embargos infringentes.
Eles só poderão ser interpostos caso um dos juízes do colegiado de segunda instância tenha votado pela absolvição do réu – atualmente, uma discordância sobre a pena do condenado, sobre a licitude de uma prova, a incidência de uma qualificadora já abre essa possibilidade.

“Os embargos infringentes ainda são umas das poucas alternativas a um sistema que é amplamente acusatório e em que não há paridade de armas entre o Estado e o cidadão”, argumenta Santoro.

Para ele, ‘o acusado é amparado apenas por seu defensor, enquanto o Estado tem toda a polícia judiciária, a polícia científica, o Ministério Público e o Judiciário’.

“Não há qualquer razão que justifique diminuir o cabimento desse recurso, tanto sob a ótica do ser ou do dever ser”, enfatiza Santoro.

O advogado critica ainda a proposta de aumento de pena para crimes relacionados ao uso de armas de fogo, quando o agente possuir ‘registros criminais pretéritos’, assim entendido como condenação ‘proferida por órgão colegiado’.
“É inconstitucional porque viola o princípio da presunção de inocência, que é uma garantia constitucional para a qual, como se vê, o Poder Executivo não dá a devida importância. Ademais, busca-se por via transversa alterar o conteúdo da reincidência penal, a qual somente tem lugar quando praticado um fato após o trânsito em julgado da infração penal anterior.”

Policiais

De acordo com a advogada Nathália Rocha Peresi, especialista em Direito Penal Empresarial e sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados, o governo procurou atender a população que ‘apostou nas propostas eleitorais vitoriosas’.

Daí, por exemplo, o abrandamento da punição prevista para o policial que mata.

Para Nathália Peresi, no entanto, resta aguardar que o Legislativo seja ‘rigorosamente técnico e perpasse as propostas contidas no Projeto de Lei pelo necessário filtro constitucional, onde esbarrariam algumas delas’.

O criminalista e constitucionalista Adib Abdouni defende o projeto de Moro que, segundo ele, visa vencer o ‘imobilismo legislativo’.

Ele elogia a proposta voltada aos policiais. “Ao definir que não comete crime o policial que, em conflito armado, busque prevenir injusta e iminente agressão, garante-se maior segurança jurídica aos agentes”, afirma.
Crimes hediondos

Abdouni destaca a proposta de endurecimento do cumprimento de penas para crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo.

“A medida visa mitigar a sensação de impunidade ao condicionar a progressão do regime de aprisionamento somente após o cumprimento de três quintos da pena quando o resultado envolver a morte da vítima”, avalia o advogado.

“Ficam vedadas, antes disso, as saídas temporárias do estabelecimento prisional, com previsão de que as lideranças de organizações criminosas armadas deverão iniciar o cumprimento da pena obrigatoriamente em estabelecimentos penais de segurança máxima”, assinala Abdouni.

Segurança Pública

O advogado Everton Gabriel Monezzi, diretor geral do escritório Braga Nascimento e Zilio Advogados, afirma que as medidas de aperfeiçoamento da legislação penal e processual penal apresentadas pelo governo representam “importantes avanços para melhoria da segurança pública brasileira”.

“Merecem destaque as disposições referentes às novas regras de uso de bens apreendidos e perdimento de bens fruto de crime”, diz Monezzi.

Para o advogado, ‘o primeiro aspecto positivo é a agilização do processo de decretação de perda dos bens adquiridos com o produto do crime e a possibilidade de se atingir o enriquecimento de membros de organizações criminosas cuja origem não seja comprovada’.

O segundo aspecto diz respeito à regulamentação do uso de bens apreendidos em favor do combate a atos criminosos e a destinação das receitas de alienação de bens adquiridos como produto ou proveito do crime em favor de órgãos públicos”, afirma Monezzi.

“Tais ações permitirão relevantes resultados no combate ao crime, por representar sufocamento financeiro às organizações criminosas e facilitar a constante renovação de instrumentos para ações de investigação e repressão ao crime”, completa.

Improbidade Administrativa

Os advogados Tony Chalita e Flávio Henrique Costa Pereira, especialistas em Direito Eleitoral e Político, destacam o aspecto civil do projeto que diz respeito a improbidade administrativa.

“Ao modificar a Lei 8.429/92 para permitir a celebração de transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade administrativa, o Ministério da Justiça e Segurança Pública introduz relevante novidade na seara do combate à corrupção, pois reserva as ações de improbidade e as consequentes sanções para casos de grave ofensa ao erário e aos princípios da administração pública, otimizando as ações do Ministério Público, ao mesmo tempo em que permite melhores avanços na gestão pública, pois essa medida, se bem aplicada, servirá de mecanismo de segurança jurídica em favor dos gestores públicos, que poderão inovar com maiores garantias”, afirmam Chalita e Pereira, ambos do escritório Braga Nascimento e Zilio Advogados.

“Por outro lado, é preciso também regulamentar as competências para se firmar acordos e leniências. É que a multiplicidade de órgãos aptos a formalizarem esses acordos gera insegurança jurídica quanto a sua eficácia perante todos os órgãos de controle. A criação de câmaras próprias de formalização dos acordos e transações, com representantes de todos os interessados, parece ser o caminho mais indicado para este fim”, ressaltam.

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