Artigos - Postado em: 19/08/2020

CNJ facilita divórcio virtual: questões práticas

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O uso da tecnologia e dos espaços virtuais tornou-se essencial e prioritário com o advento da pandemia de COVID-19. Todos os setores de produtos e serviços que já não o faziam precisaram se adaptar à súbita realidade, o que felizmente alcança as mais diversas camadas de serviços jurídicos e administrativos.

À digitalização dos processos judiciais – que já vinha sendo implementada com significativa eficiência pelos Tribunais – soma-se o anseio de simplificar o acesso aos serviços cartorários, com o objetivo de reduzir a necessidade de circulação das pessoas e comparecimento presencial aos atos.

É nesse cenário que o Conselho Nacional de Justiça expediu o Provimento nº 100/2020, para regulamentar a prática de atos privativos dos Cartórios de Notas por meio eletrônico, dentre os quais se incluem autenticações, procurações, atas notariais, lavratura de escrituras públicas e divórcios.

A norma prevê a criação de tecnologias específicas para o ambiente notarial, aglutinadas em plataforma própria (e-Notariado), além da necessidade de identificação presencial das partes pelo notário para expedição de certificado digital notarizado e/ou cadastro de biometria.

Na prática não são todos os cartórios que já estão preparados para absorver a novidade. Alguns ainda não dão informações, enquanto outros apontam a possibilidade de uso dos certificados digitais já existentes ‘e-CPF’ para identificação das partes, mas também exigem o comparecimento pessoal para colheita de biometria.

A plataforma digital gerida pelo Colégio Notarial do Brasil (e-notariado.org.br) menciona de forma expressa a necessidade de obtenção de certificado digital específico para a prática dos atos virtuais, mediante prévia identificação pessoal.

 Ou seja, o desejado distanciamento social e a praticidade para o exercício dos atos de forma remota só parecem ser alcançados a médio prazo. A adaptação tanto dos cartórios como das partes passará por um período de transição até que o divórcio seja feito integralmente de forma digital.

Especificamente em relação ao divórcio por escritura pública (ou extrajudicial), inserido no ordenamento brasileiro em 2007 (Lei n. 11.441/07), permanecem válidos todos os elementos já exigidos até então: consenso entre as partes; ausência de filhos incapazes ou menores (ou gravidez); dispensa de homologação judicial; presença de advogado.

A única ressalva é quanto à livre escolha do Cartório de Notas para a lavratura da escritura de divórcio: o Provimento n. 100/2020 determina, em seus artigos 20 e 21, que a prática do ato caberá aos Tabeliões da circunscrição do domicílio de um dos requerentes. A restrição pode estar relacionada ao controle da concorrência e da mercantilização do serviço notarial.

O divórcio extrajudicial “virtual” inova em relação à forma de seu registro, que será via plataforma digital, com o uso de certificados digitais, biometria e gravação de videoconferência para atestar a legítima manifestação de vontade pelas partes (alguns Cartórios usam plataformas de reunião como o ‘Zoom’).

A gravação do consenso e do desejo das partes em relação a alimentos, alteração de nome e partilha de bens será arquivada pelo Tabelião, juntamente com as assinaturas digitais das partes e seus advogados, colhidas por meio de link enviado pelo Cartório. A autenticidade da certidão eletrônica da escritura de divórcio poderá ser verificada por meio de QR code.

Os atos digitais terão os mesmos efeitos da escritura pública em papel, desde que observados os requisitos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça e pelas Corregedorias estaduais.

A necessidade de averbação do divórcio junto ao Cartório de Registro Civil para alteração do estado civil das partes permanece inalterada (artigos 3º e 43 da Resolução CNJ nº 35/2007).

Releva informar, por fim, que os divórcios judiciais também estão mais digitais a partir do distanciamento social instalado pela pandemia de Covid-19, pois os juízes têm aderido à realização de audiências por videoconferência (e muitos processos já são eletrônicos).

O Provimento n. 100/2020 do Conselho Nacional de Justiça, apesar de não responder com eficiência à urgência instalada pela pandemia, provavelmente representará um ganho para a sociedade, à medida que padroniza os procedimentos adotados pelos cartórios e os documentos exigidos (que atualmente variam muito, a depender da praxe de cada Cartório).

Além disso, potencializa a composição extrajudicial de questões privadas, valoriza a autonomia das partes, reduz custos e estimula a eficiência dos procuradores e Tabeliões, seguindo a tendência mundial de reduzir a ingerência do Estado na esfera particular dos cidadãos.


Marina L. Pelegrini Oliveira é advogada especialista em Direito de Família e das Sucessões. Consultora do escritório Chenut Oliveira Santiago Advogados. Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.

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