Artigos - Postado em: 21/05/2018

Apontamentos sobre a pessoa jurídica como titular da posse

[:br]Como se sabe, o ordenamento jurídico brasileiro admite a pessoa jurídica como titular da posse. Tal assertiva não gera qualquer dúvida ou controvérsia.

A posse é um direito que é garantido à pessoa jurídica e que é visível no seu dia a dia pelo exercício de alguns dos direitos inerentes à propriedade. Qualquer entendimento diverso desse seria desarrazoado e inviável ao exercício da própria atividade social.

Nesse sentido, o Código Civil respalda essa assertiva no seu I do artigo 1.205[1], que permite a aquisição pela pessoa individual e pela pessoa jurídica,[2] bem como por “(…) entes despersonalizados: espólio, massa falida e coletividade de possuidores (…)”, conforme assinala Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald.[3]

Contudo, apesar da redação simplista e ampla do Código Civil, nota-se que essa é resultado de estudos complexos sobre a posse.

Assim, para compreender o direito de a pessoa jurídica ser titular da posse é necessário recorrer às teorias que justificam a sua existência. Dentre as diversas teorias existentes, a teoria da realidade técnica ou realidade que defende a concepção da pessoa jurídica como idêntica ao ser humano, excetuando-se o que é incompatível pela sua natureza é adotada pela doutrina majoritária.[4]

Logo, a pessoa jurídica tem direito de atuar como possuidora, tal como uma pessoa natural, uma vez que nas palavras de Wilson Melo da Silva: “Para tal doutrina, a pessoa jurídica existe de fato, no Direito não como ficção (como pretendia Savigny), não como realidade corporal, mas como realidade ideal, como necessidade.”[5]

Mas se a pessoa jurídica não detém não detém de corporalidade, como essa pode exercer tal direito, considerando o fato de que a posse é visível e é a exteriorização dos direitos de propriedade?

Isso ocorre, pois a posse é exercida pelos representantes da pessoa jurídica, que por sua vez, executam a decisões tomadas pelos seus órgãos deliberativos, formados pela coletividade de pessoas.[6] Tais decisões expressam a vontade da pessoa jurídica, conforme é elucidado por Paulo Lôbo:

O titular de órgão da pessoa jurídica (gerente, administrador, dirigente e gestor) não é detentor. No exercício de suas atribuições, seus atos não seus, mas da própria pessoa jurídica, que é a possuidora. Os órgãos não representam, mas sim apresentam a pessoa jurídica.[7]

É interessante observar que essa reflexão também é feita Direito Português, conforme esclarece Manuel Rodrigues e Fernando Luso Soares: “(…) nunca se pos em dúvida que as pessoas jurídicas pudessem adquirir a posse por intermédio dos seus órgãos e prepostos.”[8]

 Contudo, o Código Civil Português surpreende por não dispor expressamente a capacidade de pessoa jurídica adquirir a posse, apesar da matéria não gerar discussão.

Nota-se que, por opção legislativa, o artigo 1226 do seu Código optou por reproduzir o texto do Código Civil Português de 1867 e que esse, na verdade, não disciplinou exaustivamente os sujeitos capazes de adquirir a posse, conforme transcrito abaixo:

Art. 1266. (Capacidade para adquirir a posse). Podem adquirir posse todos os que têm o uso da razão, e ainda os que não têm, relativamente às coisas susceptíveis de ocupação.

De todo modo, o ordenamento jurídico português segue a mesma linha do brasileiro no que se refere à possibilidade da pessoa jurídica ser titular da posse e ao tratamento da posse como matéria complexa que não encerra o seu estudo pela leitura dos dispositivos legais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AZEVEDO, Antônio Junqueira de; CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2005.

BESSONE, Darcy. Direitos reais. São Paulo: Saraiva, 1988.

CORDEIRO, António Menezes. A posse: perspectivas dogmáticas actuais, 3ª Ed. Coimbra: Almedina, 2005.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: volume 5: direitos reais. 10ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

LIMA, Fernando Andrade Pires de; VARELA, João de Matos Antunes. Código Civil Anotado Volume II (Artigos 762.º a 1250.º) 2ª Ed. Coimbra: Editora Coimbra, 1987.

LÔBO, Paulo. Direito Civil das coisas. São Paulo: Saraiva, 2015.

PELUSO, Antônio Cezar (org.). Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 11ª Ed. São Paulo: Manole, 2017.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do Direto Civil. Introdução ao direito civil; teoria geral de direito civil.  Rio de Janeiro: Forense, 2007.

_________________________. Instituições do Direto Civil. Volume IV. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

RODRIGUES, Manuel; SOARES, Fernando Luso. A posse: estudo de direito civil português. Coimbra: Almedina, 1996.

 

Artigos, Revistas e Jornais

 

SILVA, Wilson Melo da. Pessoas jurídicas. Belo Horizonte: Revista da Faculdade de Direito da UFMG, 1966.

Legislação

BRASIL. Lei n. 10.406, de 17 de dezembro de 1908. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 22.11.17.

PORTUGAL. Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966. Disponível em: <https://dre.pt/>. Acesso em: 20.11.2017.

 

[1]BRASIL. Congresso Nacional. Código Civil. Brasília. 10.01.2002. “Art. 1.205. A posse pode ser adquirida: I – pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante; II – por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.”

[2]Nesse mesmo sentido dispõe Francisco Eduardo Loureiro: “Podem adquirir a posse, segundo o inciso do I do artigo em exame, a própria pessoa que a pretende, ou o seu representante. No caso da própria pessoa, podem adquirir tanto a pessoa natural como a pessoa jurídica, esta mediante atuação de seus órgãos”. LOUREIRO, Francisco Eduardo. PELUSO, Antônio Cezar (org). Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 11ª  Ed. São Paulo: Manole, 2017, p. 1.095.

[3]FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: volume 5: direitos reais. 10ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014 p.140.

[4]SILVA, Wilson Melo da. Pessoas jurídicas. Belo Horizonte: Revista da Faculdade de Direito da UFMG, 1966, p.98.

[5]SILVA, Wilson Melo da. Pessoas jurídicas. Belo Horizonte: Revista da Faculdade de Direito da UFMG, 1966, p.96.

[6]PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do Direto Civil. Introdução ao direito civil; teoria geral de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.310, 312, 313 e 314.

[7]LÔBO, Paulo. Direito Civil das coisas. São Paulo: Saraiva, 2015, p.56.

[8]RODRIGUES, Manuel; SOARES, Fernando Luso. A posse: estudo de direito civil português. Coimbra: Almedina, 1996, p.191.

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